Holopráxis, Cidade da Paz, Nova Jerusalém

A seguir, algumas considerações e impressões sobre os primeiros passos do Projeto Rede de Holopráxis. Ou, para simplificar, projeto Holos. Críticas e comentários serão bem-vindos.

Como se sabe, a palavra “Jerusalém” significa “Cidade da Paz”. Vou considerar, por um momento, que a Nova Jerusalém ou Cidade da Paz do Apocalipse, cap. 21, é uma metáfora que descreve o dharma ou  a “lenda” da Cidade da Paz (UNIPAZ) e também de outras instituições livres de dogmas e sinceramente voltadas para o bem da humanidade. Nesse caso, como ocorre o surgimento da Nova Cidade da Paz? Apocalipse, 21: 2, afirma: “Vi então um céu novo e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra já não existem (…). Vi também descer do céu, de junto de Deus, a Cidade santa, uma Jerusalém nova.”

O céu, aqui, não é apenas o céu, mas simboliza o mundo divino, os ideais humanos mais nobres, os sonhos elevados e os níveis superiores de consciência. A palavra “terra” tampouco significa apenas a terra. Ela simboliza a realidade material, as limitações, a dura realidade prática que deve testar as nossas belas teorias. Nesse contexto de contraste criativo é que surge, a partir do “céu” do ideal humano, uma nova estrutura social concreta ou cidade – que é capaz de conciliar e harmonizar pensamento e ação, espírito e matéria, ideal e realidade. A nova cidade da paz é construída de ouro – um símbolo do sol, da luz e da perfeição. A cidade está aberta ao Universo através de doze portas – os doze signos do zodíaco. Seus alicerces são feitos de pedras preciosas, uma imagem das virtudes pessoais obtidas ao longo do caminho do autoconhecimento. (Ap 21:18-21) Quem pratica a mentira não tem acesso a essa cidade, porque ela existe em um estado de consciência elevado, onde não há insinceridade. Ela não necessita de templos, pois tudo nela é sagrado. Ela não precisa do sol ou da lua para ter luz, pois a glória de Deus (a lei universal) a ilumina, e sua lâmpada é o Cordeiro (símbolo da solidariedade universal). (Ap 21:22-23)

Essa proposta profética de uma sociedade ideal se relaciona com outras referências sociais na Bíblia. Nas primeiras comunidades cristãs, todas as riquezas materiais eram compartilhadas (Atos 2). Em Miquéias 4:3, os povos transformam armas em arados. O sonho de fraternidade universal encontra passagens correspondentes na tradição pitagórica e filosófica em geral, em grandes obras do taoísmo, como o Wen-tzu e no Tao Te King, e outras tradições religiosas e filosóficas. Para não falar da tradição de lutas populares e democráticas, presente em todos os povos. É a partir  desse vasto pano de fundo cultural e histórico que se multiplicam hoje no Brasil a economia solidária, as cooperativas, os projetos de preservação ambiental, os acampamentos de assentados, as ecovilas e outros espaços comunitários, dos quais a Unipaz, como movimento, é um exemplo. O capítulo 21 do Apocalipse descreve o momento em que finalmente surge a paz, depois de uma série aparentemente interminável de acontecimentos dramáticos, durante a etapa de purificação da humanidade. A simbologia da descrição é extremamente fantástica.

Depois das provações, surge então a utopia. A humanidade está saudável e pronta para viver fraternalmente, em harmonia com o mundo natural. Independentemente da nossa inclinação religiosa, a imagem e a idéia de Nova Jerusalém atuam como um mito ou paradigma que tem um grande significado para a cultura humana, e tem imagens correspondentes em muitas outras tradições. Estamos diante da Terra Sem Males da tradição tupi-guarani brasileira. A Terra Pura do budismo. O Devachan da filosofia esotérica de Helena Blavatsky. A Era de Ouro da mitologia grega. Reconquistamos o paraíso compartilhado pelas religiões judaica, cristã e islâmica.

A Nova Jerusalém não é, pois, física ou tridimensional. Não deve ser construída literalmente, nem irá descer do céu no sentido físico. A Nova Jerusalém – a cidade da paz – é um estado de espírito elevado. É um arquétipo. Está, sobretudo, no coração humano. Mas pode e deve expressar-se praticamente nos espaços e estruturas reais de nossas cidades e de nossa vida diária concreta.

Outra metáfora, vinda do oriente, é a do florescimento da flor de lótus, símbolo indiano da sabedoria. A flor de lótus floresce com as raízes no barro e o corpo no lodo, mas voltada para a luz do céu e do sol.

Como operários da paz, devemos ter os pés no barro – e creio que não podemos reclamar, nesse momento, por falta de barro nos pés. Temos uma estação das chuvas invejável. Mas o projeto de Holos deve ser um meio de estimular e realimentar nossa capacidade de buscar, cada um por méritos próprios, a luz espiritual do sol e do céu.

Dito isso, não penso que o Projeto Holos tenha, necessariamente, que ser encaminhado em Brasília como uma etapa prévia e anterior à sua abertura para outros chãos. É claro que a decisão não é minha nem me vejo como o coordenador geral do rumo do processo. No entanto, devo submeter a vocês e a Roberto as minhas impressões. O caminho duro do confronto consigo mesmo na prática diária da meditação, do estudo, da auto-observação e do trabalho altruísta, com seus inevitáveis momentos difíceis, é algo que não tem condições de competir no curto prazo com uma agenda institucional lotada de contas por pagar, telefones cortados, provedores de Internet que se recusam a prestar serviço por falta de pagamento, etc. O Projeto Holos deve, penso, seguir o exemplo da Cidade da Paz, a Nova Jerusalém, e “descer do céu”, materializar-se a partir dos níveis superiores de consciência. Deve permanecer um tempo em 4D, sendo pensada em abstrato por quem se afina espontaneamente com a idéia, e não sendo impulsada através da força de uma estrutura institucional que, na verdade, já tem bastante o que fazer. Ou de apelos veementes. Será um grupo ou rede de discussão e ação em que os curiosos, passada a novidade, deixarão de participar. Ficarão os operários, os alquimistas, provavelmente poucos. Vale a pena lembrar “Imitação de Cristo” (Ed. Vozes), Livro II, Capítulo 11, parágrafo 01: “Muitos encontra Jesus agora apreciadores do seu reino celestial; mas poucos que queiram levar a sua cruz [enfrentar o seu carma, a dura realidade]. (…) Tem muitos companheiros à sua mesa, mas poucos na sua abstinência. (…) Muitos amam a Jesus [a sabedoria], enquanto não encontram adversidades.”

Em um segundo momento, pode-se montar um programa de ensino à distância, com aprendizes … – também através de um grupo unido eletronicamente.

Enquanto isso, pode-se abrir, ou não, um grupo de estudos em um sentido um pouco mais avançado. Enfim, há um leque de possibilidades.

Antes de encerrar, quero dizer algo a partir da frase com que Roberto Crema comentou meu breve estudo acerca da Declaração de Veneza, da Carta da Transdisciplinaridade e dos Princípios Éticos da Universidade Holística. Ele disse, em e-mail do dia 04 de março: “A questão iniciática, que nós estamos propondo, tem um respaldo na abordagem transdisciplinar, naturalmente. Concordo de modo integral. E, da minha parte, acrescento uma pergunta: por que motivo a transdisciplinaridade é um apoio natural e necessário no caminho espiritual? Tento responder: isso ocorre porque a transdisciplinaridade nos liberta da prisão de um único código, de uma só linguagem, de um esquema conceitual e referencial restrito, exclusivista e tridimensional. A transdisciplinaridade nos conduz à consciência universal. Ela é a chave que permite desmontar a Torre de Babel das linguagens diferentes, que ainda hoje separa os seres humanos. A transdisciplinaridade nos faz ir além da mera palavra e redescobrir a intuição. Ela nos conecta com a essência de todas as religiões, ciências e filosofias. Ela nos conecta com nossa própria essência.”

Carlos Cardoso Aveline

 


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