Vivência de Paz

O Reiki na Escola Parque 210/211 Norte – Brasília[1]

Kelma Socorro Lopes de Matos[2]

Satyâgraha: construindo a não violência

            Gandhi utilizava a palavra satyâgraha para expressar a não violência (sat significa verdade e âgraha quer dizer firmeza). Segundo o próprio Gandhi[3], essa foi uma palavra nova criada para representar a luta dos indianos, sendo ao mesmo tempo contrária à passividade e à submissão e a favor da não violência.

Quando no decurso de uma reunião pública de europeus, compreendi que as palavras “resistência passiva” tinham um sentido demasiado estreito; que elas eram empregadas para designar a arma dos fracos, que podiam caracterizar-se pelo ócio e que nada impedia que se traduzissem pela violência, não pude fazer outra coisa senão erguer-me contra todas essas declarações para explicar a verdadeira natureza do movimento indiano. (…). Ofereci então um prêmio ao leitor do Indian Opinion que apresentasse melhor sugestão. (…) foi Maganlâl Gandhi que forjou a palavra Sadâgraba (de sat – verdade, a âgraba – firmeza) e que obteve o prêmio. Mas para clareza maior, mudei a palavra para Satyâgraha …. (Gandhi, 2003, p.118-119).

            Mahatma Gandhi contribuiu decisivamente para a demonstração da técnica da não-violência, estimulando a Índia à não-cooperação com a Inglaterra, mostrando a força e unidade de um povo através de atos políticos pela paz como a queima das carteiras britânicas, as manifestações pelo fim à intolerância aos párias, a queima dos tecidos ingleses, a produção e uso de tecidos indianos, as greves de fome. (Guimarães, 2005).

            Atualmente parece haver uma descrença na força da palavra. A violência pode ser retratada pela ausência do diálogo, da afetividade, da verdade firme que Gandhi nos apresenta como alternativa para a construção da não violência. A violência pode apresentar-se como uma via maldita da sociabilidade (Baptista, 1999). Tem provocado angustia e medo generalizados.Certamente isso a torna mais visível, considerando a freqüência com que acontece, espalhando o pânico social, chegando a ser considerada uma questão de saúde pública, graças ao nível de “psicose coletiva” que pode atingir (Chesnais, 1999).

            Somos tragados pelas notícias que nos transformam em expectadores emocionalmente envolvidos com as cenas de agressividade que podem acontecer com qualquer um, a qualquer momento. Por outro lado, há uma ressonância no nosso comportamento que nos faz estar atentos aos média, alavancando audiências quando praticamente hipnotizados vemos a vida  e o respeito pela vida ir se esvaindo, nos noticiários televisivos, nos jornais impressos, enfim nos meios de comunicação de massa, que apresentam a violência assumindo novas roupagens: agressões com armas, seqüestros relâmpagos, abusos sexuais, chacinas.

            Ao mesmo tempo que compartilhamos as sensações de pânico, também parecemos conformados (passivos?) com a naturalização dos atos violentos. Baptista (1999) esclarece as contemporâneas e invisíveis “guerras do urbano”, exemplificando a banalização da violência ao descrever o atropelamento de uma mulher em São Paulo, na Avenida Bandeirantes, em que os carros não pararam para resgatar o corpo. São esses mesmos motoristas da “sociedade dos sem tempo” que também sofrem emocionalmente porque podem ser vítimas do descaso social a qualquer hora.

Ninguém via os pedaços da atropelada. A verticalidade imponente dos prédios e principalmente a velocidade acelerava uma outra visão. O corpo sólido da atropelada se desmanchava no ar, mas o que se via eram apenas fragmentos. Fragmentos do urbano, ou talvez, inevitáveis contingências das modernas ou pós-modernas cidades (Baptista, 1999, p.171).

 

            O autor acrescenta que outras cidades vivem outras guerras: em Los Angeles os sem-teto não têm mais bancos nas ruas pra dormir e podem ser acordados por jatos de água nas praças. No Japão há empresas especializadas que vendem afetividade. Ou seja, quando as pessoas sentem falta de filhos, noras ou genros, alugam “atores e atrizes” para representarem esses papéis por uns dias ou por um final de semana. Pagam pelo serviço e a agência manda o “produto” escolhido

            Assim, falar sobre as violências tem sido algo comum e ao mesmo tempo diverso. É preciso refletir sobre que compreensão de violência circula, diante das infinitas formas de exclusão cotidianas como: a fome, as intolerâncias racial, religiosa, de gênero e geração, a falta de acesso aos serviços públicos em geral.

            As selvagerias e a falta de afetividade e respeito emergentes influenciaram para que acontecesse o debate sobre as causas da violência, assim como a necessidade urgente de construirmos uma cultura de paz[4]. Diante de tudo isso paira sobre nós o desafio da desconstrução da violência. Por não ser algo próprio da natureza humana, e sim um fenômeno histórico e social é possível desconstrui-la (Minayo e Souza, 1999).

            O conceito de violência não pode ser registrado de forma simplista, mas normalmente tem sido ligado a guerras. Por outro lado, ao falarmos de paz  remetemos a um sentimento de tranqüilidade, de quietude que  exprime um conceito negativo de  paz (ausência de não guerra) e necessidade de regulação da ordem estabelecida.Historicamente a paz vem sendo apresentada como sinônimo de passividade. Nessa perspectiva, o conflito é sempre algo a ser evitado. Ao tomarmos o conceito de paz positiva o conflito é algo natural, considerado também um desafio e um processo em que se busca estabelecer a cooperação, ou no mínimo o compromisso quando não é possível o acordo entre as partes envolvidas (Callado, 2004).

            A Educação para a Paz é, então, um processo permanente, em que deve ser ressaltado o conceito positivo de paz, com a consciência de que os conflitos existem e podem ser trabalhados com respeito, diálogo e compromisso. Para tanto, devemos compreender que somos os sujeitos que podem instaurar esse processo, assumindo-o enquanto construtores coletivos, ou seja, não é possível pensar em paz individual. Somos os responsáveis ela construção de culturas de paz que possibilitem a existência da tolerância e do multiculturalismo, estabelecendo uma agenda definida sobre que bandeiras e ações devemos empreender nesse processo (Guimarães, 2005). Diante disso, em todos os espaços, e em especial nas escolas, foco deste artigo, as posturas e ações cotidianas são registros das opções que podemos fazer pela não violência. É disso que trataremos a seguir.

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