Yoga: do Binômio Pessoal-Transpessoal ao Transdisciplinar Integral

 

A tradição hebraica dos Terapeutas de Alexandria, que remonta ao primeiro século de nossa era, segundo Fílon de Alexandria, não separava, no ser humano, corpo, psique, consciência e Essência. Partindo da definição de saúde da OMS (Organização Mundial de Saúde) que contempla o bem-estar psicossomático, social, ambiental e cósmico (espiritual), vemos que o ser humano, numa visão ecológica profunda, é um ser multidimensional, físico, emocional, mental, social e espiritual e o cuidar inclui todas as dimensões manifestadas de nossa Essência: o corpo, as sensações, o desejo, a razão, a subjetividade e a intuição.

 



Antropologicamente, segundo Jean-Yves Leloup, existem quatro pressupostos básicos que implicam em quatro formas diferentes de abordagem do ser humano: o somático, o psicossomático, o psicossomático-noético e o do Ser Integral.

 

A Abordagem somática

Segundo essa abordagem, o ser humano é um composto materialista, constituído por um conjunto de subpartículas que se agrupam em átomos, moléculas, células, tecidos, órgãos e sistemas, que se inter-comunicam e se inter-relacionam em teia constituindo um sistema vivo impermanente em constante mudança. Esse sistema vivo, com sua memória celular e interações peptídeos-receptores que compõem respostas emocionais reflexas e condicionadas e estímulo a conexões sinápticas permanentes e provisórias que produzem, como epifenômeno, o que se conhece como mente, alma e consciência. Nesse sentido, o estudo da psique é o estudo das funções cerebrais diante dos peptídeos e das drogas que as influenciam.

Assim, limita-se o mistério que é o ser humano às suas respostas condicionadas e condiciona sua busca pela felicidade aos estudos em neurociência e em neuro-farmacologia, valorizando apenas o que for mensurável e quantificado. Dessa relação entre o soma e a matéria, nasce e se perpetua frases que associam a saúde e a felicidade com a riqueza material e o status:

 

“muito dinheiro no bolso, saúde p'ra dar e vender!!… a vida é breve… aproveite o máximo… não deixe para amanhã o que pode ser consumido hoje!”

 

A Abordagem psicossomática

Segundo essa abordagem, o ser humano é animado por um pacote de memórias emocional e mental conhecido por anima ou psique: nossa alma. Abre-se as portas para a dimensão psíquica do Ser, envolvendo o binômio inconsciente-consciente, sono-vigília. A busca da saúde e da felicidade passa a incluir o estudo do inconsciente, tanto em vigília quanto no estado de sonho. Passa-se a investigar o que é a psique e sua inter-relação e inter-dependência com o corpo material: a unidade psicossomática.

Nessa abordagem, surgem as pesquisas em parapsicologia (os fenômenos psi, conhecidos como siddhis no yoga dar?ana) e em Experiências de Quase-Morte (EQM) em que a psique, livre de sua prisão corporal, aventura-se, como um passarinho, a voar conscientemente e livre de sua gaiola corporal. A medicina se abre para, em vez de ressuscitar o corpo material, 're-animá-lo': trazer o anima de volta ao corpo.

No campo das ciências físicas, aborda-se o soma, agora, como composto de múltiplas energias e campos, se inter-relacionando num substrato conhecido como vazio quântico. Abre-se para a subjetividade e inter-subjetividade, e se inclui o homem como um ser social, que influencia e é influenciado pelas “coisas da alma”, pelas “coisas do coração”. Surge o homem como um ser social e se entra no domínio dos múltiplos complexos de constituição mental-emocional, com seus atritos, conflitos, contradições e perplexidades (o lado agitado de nossa alma), demandando o desenvolvimento de uma inteligência psíquica: mental, emocional, onírica e relacional.

 

A Abordagem psicossomático-noética

Para além desse lado agitado e ruidoso, presa do seu passado agora inexistente e projetando, a partir dele, um futuro também fictício, existe uma dimensão do Ser que é calma e silenciosa. É nessa dimensão mais profunda de nossa mente, serena e pacífica, onde surge o Observador silencioso, a luz do Sol de nossa Essência, que reflete o Espírito sem confundir-se com Ele e que testemunha o vir-a-ser permanente: a dimensão noética da consciência sem objeto (nous).

Inaugura-se uma outra e mais ampliada abordagem, que inclui a nossa verdadeira identidade como Observadores Silenciosos de nós mesmos, entrando em contato com a Presença em nós, que nos faz Ser… Depois de tomar consciência de nossa dimensão física (annamaya? ko?a) TB 6:3-4, nossas sensações (pr??amaya? ko?a) TB 6:5-6, nossa psique (manomaya? ko?a) TB 6:7-8 e nossa dimensão silenciosa (vijñ?namaya? ko?a) TB 6:9-10 percebemos sua total impermanência e constante vir-a-ser.

Todas as tradições de sabedoria defendem que aquilo que é impermanente não pode ser considerado como Real, mas como ilusório. E todas elas dão caminhos para o despertar dessa ilusão, libertando-se de seus véus e atingindo aquele vazio fértil e misterioso de onde se originam e onde brilha o reflexo da bem-aventurada luz (?nandamaya? ko?a) TB 6:11-12 do Ser.

 

O Ser Integral

Ser o que somos e não o que estamos sendo é o desafio. Para isso, precisamos saber o que permanece naquilo que é o vir-a-ser. Somos a Vida Una, o Sopro que perpassa e vivifica toda a dimensão psicossomático-noética: “aquilo que resta quando já não resta mais nada…” Somos a Fonte da luz que ilumina o espaço vazio e silencioso, da qual estamos desligados por desconhecimento (avidy?) YS II:5. Fundamentalmente somos o Ser Integral: Essência e existência, “sem mesclar e sem separar”.

 

Por Cláudio Azevedo

Palestra proferida no XIII congresso Brasileiro de Yoga, promovido pela CONYB (Confederação Nacional de Yoga do Brasil) e pela ACEPY (Associação Cearense de Estudos e Pesquisas em Yoga), Fortaleza, 11 a 14 de outubro de 2.007

 

BIBLIOGRAFIA

  • As referências bibliográficas acham-se assim indicadas: xx:yy, onde ‘xx’ é o número da referência contido na BIBLIOGRAFIA (no final do livro) e ‘yy’ é a página onde se encontra.

  • Quando precedendo ‘xx’ estiver escrito YS, a obra referenciada é o Yoga S?tra de Pat?ñjal?, BG quando for Bhagavad G?t?, VC quando for o Viveka Ch?d?mani, TB quando for o Tattvabodha? e SS quando a obra referenciada for o ?iva S?tra (obra de referência no ?ivaísmo de Cachemira). Nesses casos ‘xx’ é o capítulo e ‘yy’ é o s?tra.

1. Crema, Roberto; Antigos e Novos Terapeutas: Abordagem Transdisciplinar em Terapia, Editora Vozes, Petrópolis, 2002.

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