A Teia de Indra

 

         A publicação de A Doutrina Secreta um século atrás foi chamada de O Renascimento da Tradição Oculta. Mas temos tomado contato com ela com os mesmos instrumentais de compreensão que herdamos dos dois últimos séculos? Se tal for, é esta a maneira certa ou existe alguma outra aproximação que seja a maneira mais adequada à natureza da Tradição Oculta?

         Vejamos por momentos aquela maneira herdada de buscar conhecimento e compreensão, maneira que é altamente influenciada por métodos científicos. É o modo de análise e síntese, uma atividade da mente, dividindo aquilo que está defronte a nós em pedaços de tamanho apreciável, de preferência pedaços reconhecíveis. A partir deles compomos um quadro, que para nós representa a realidade daquilo que estamos olhando. E ao compor este quadro quase sempre seguimos padrões e leis que já estão em nossas mentes, variando ou as extrapolando.

         Assim, essa é a maneira que temos nos aproximado da natureza e da vida durante pelo menos os últimos cem anos. É o modo de investigação e estudo, científicos. Apesar do homem comum não aplicar estritamente esses métodos, mesmo assim dominam sua maneira de tentar compreender e aprender. Podemos notar que a maneira científica implica que a atenção esteja focalizada naquilo que pode ser percebido pelos cinco sentidos, quase sempre dando peso mais em um que em outro. Mas não apenas isto. A maneira científica também implica em estarmos levando em conta apenas àquilo que pode ser medido e pesado, aquilo que pode ser tratado de maneira ‘exata’, quase sempre pela ajuda da Matemática.

         Essa maneira de estudar dá uma sensação de estarmos sendo muito precisos, e de termos alcançado o essencial. Estamos tão seguros desta crença porque – numa visão maior – esta maneira de estudar a natureza nos direciona a predição de eventos futuros e ao uso de materiais e forças da natureza para nosso próprio propósito. Mas esta maneira de vermos as coisas, investigando e concluindo definitivamente, reduz a natureza e a vida àquilo que cabe em nossos sentidos de percepção. Esta é a maneira dominante de olhar o mundo, e mais ou menos a encaramos como a única maneira plausível de nos aproximarmos do mundo ao redor para conhecimento e compreensão.

         Agora, para nós teosofistas, existe a pergunta: aplicamos a mesma maneira de olharmos e investigarmos, em relação Teosofia, à tradição oculta? E, se tal, perdemos algo de essencial em nossa aproximação? Num sentido mais amplo, durante décadas, temos nos aproximado da Teosofia da mesma maneira como na vida comum, utilizando o método científico, mas menos rigidamente aplicado. Temos estudado a constituição do homem dividindo-o em recipientes com diferentes nomes e descrições; temos estudado com descrições similares as coisas do universo.

         Tem sido feito o estudo da ordem hierárquica do universo, com diferentes níveis ou graus de percepção, trabalhando em uma bem ampla escala; aprendemos sobre a natureza cíclica do universo e sua implicação no pequeno e no grande, da vibração dos átomos ao nascimento e morte dos globos e universos; sobre a evolução da consciência no reino da natureza e nos reinos, humano e super humano.

         Tudo isto é muito bom até onde alcança. Dá uma visão mais ampla. Abre a visão de vida muita além da matéria física e nos dá uma visão de mundo na qual iniciamos a ver a vida funcionando de dentro para fora. Indica que todas as coisas diferentes que vemos são partes de um todo, tendo uma origem comum.

          Mas se olharmos mais atentamente a nossa maneira de estudar descobriremos que estamos seguindo a mesma linha de análise – dividindo, tentando produzir a síntese das partes. Vemos coisas separadas e as colocamos juntas, como pensamos, num quadro coerente. Assim, o que temos é um quadro mais compreensivo do universo, aquele que não está baseado em elementos redutíveis do mesmo modo que antes, mas ainda elementos separados, ainda um quadro composto por partes. Mas se esta não é a aproximação acertada ao ocultismo, se esta não é tudo que a Teosofia significa dar, o que então?

         Nas instruções que H.P. Blavatsky deixou para o seu grupo em Londres durante seus últimos anos, conhecido por nós como as notas do Comandante Robert Bowen (impresso num livreto de Madame Blavatsky Como Estudar Teosofia) ela diz:

Alguém que imaginar que terá um quadro satisfatório do Universo através de A Doutrina Secreta, conseguirá apenas confusão no estudo. Não se pretende dar tal veredicto final sobre a existência, mas sim Direcionar PARA A VERDADE.

Em palavras semelhantes ela nos diz mais uma vez:

Venha para a Doutrina Secreta sem nenhuma esperança de conseguir dela a Verdade final, ou com qualquer outra idéia que não seja ver quão longe nos leva EM DIREÇÃO À Verdade.

Qual é o significado disto? Como nos aponta H.P.B., não pode ser o questionamento de obter um quadro ‘verdadeiro’ do universo, de suas partes, seu funcionamento, de suas leis; isto não pode vir do estudo de A Doutrina Secreta. Então o que? Penso que devemos levar em conta, que algo, chamado Verdade, está sendo despertado em nós?

E então, o que é esta verdade que pode ser em nós despertada? Penso-a como algo assim: É o sentido de alinharmos o nosso ser total, de tal modo que possamos perceber mais da natureza do universo e de nosso próprio ser, percebendo que somos parte integral e una, com o universo. Isto significa uma mudança de atitude para com o conhecimento, para o aprendizado e para a vida como um todo. Os interesses do indivíduo se direcionam mais para o universal, para o bem estar de todos, e os interesses que dizem respeito a sua própria pessoa são gradualmente diminuídos. A este respeito o estudo da Teosofia é de grande ajuda.

Outro aspecto é o de abandonar o apoio de conceitos e idéias. Vejamos uma ilustração da ciência física. Tem-se dito que cientistas trabalham de maneira dúbia perguntando questões sobre a natureza que se originam de padrão de pensamento já estabelecido na mente do cientista e pedindo respostas para tais perguntas predeterminadas. As respostas dadas são inevitavelmente coloridas pela maneira de questionar, e assim, pesquisa significa ir à frente em trilha fixa, excluindo o que está de fora da trilha. Neste sentido os conceitos que o cientista possui, influencia seu trabalho mais do que a realidade que ele supõe estudar.

Dessas considerações vem o desafio de trabalhar de uma outra maneira de buscar conhecimento, que tem sido chamado de boot-strap hypothesis.[1] Esta hipótese veio do estudo das minúsculas partículas da matéria física, e diz que o mundo não pode ser compreendido como uma assembléia de entidades, que não possam ser analisadas mais adiante. O universo é visto como uma dinâmica teia de eventos inter-relacionados. Nenhuma das propriedades de quaisquer das partes da teia é fundamental. Todas se derivam das propriedades das outras partes, e a consistência como um todo de suas inter-relações mútuas determina a estrutura da teia inteira.

Os físicos, baseados nessa hipótese, compreenderam que todas as teorias correntes dos fenômenos naturais, incluindo as leis que são descritas, são criações da mente humana, propriedades no mapa conceitual da realidade do homem. Quando, na hipótese boot-strap, onde nada é maisimportante que qualquer outra coisa, que a inter-relações constituem a teia total, inevitavelmente segue que o universo é autoconsistente, que o universo é indivisível, é como um todo uno.

Essa maneira de ver as coisas está bastante em sintonia com a visão teosófica e com o que está expresso no Taoísmo. Ali é dito, que todos os fenômenos do mundo são partes do Caminho Cósmico – o Tao – e as leis seguidas pelo Tao não são estabelecidas por nenhum legislador divino, mas são inerentes à sua natureza. No Tao Teh Ching podemos ler:

         O Homem segue a lei da terra,

         A terra segue a lei do céu.

         O céu segue a lei do Tao;

         O Tao segue a lei de sua inerente

                   Natureza.

Então, esta visão nos levou a olhar para o universo como um todo vivente, e para tudo nele como partes integradas desse todo. Mas nessa conexão o ponto de partida é o mais importante – vendo tudo nele como igual, nada sendo mais importante que qualquer outra coisa. Não devemos procurar por acontecimentos principais, nem por quaisquer leis a fim de construir uma estrutura. Isto pode explicar o nome da hipótese, pois se pode sentir como alguém tendo que ser levantado pelos seus cadarços da bota. O que parece como um todo, impossível.

H.P.B. tem uma afirmação que indica algo semelhante, e também nas instruções dadas ao grupo em Londres. Primeiro ela se refere ao Axioma Hermético:

Como é o Interno, assim também o Externo: como é o Grande, assim é o pequeno; como é acima tal é abaixo, existe apenas VIDA UNA E LEI UNA. E após isto ela acrescenta: Nada é interno, nada é Externo; nada é Grande, nada é Pequeno; nada é Alto, nada é Baixo – na Economia Divina.

Ambos, a hipótese bootstrap e a afirmação de H.P.B. de que nada é Grande, nada é Pequeno, etc, parece intrigante no início. Parece não permitir nenhuma estrutura, nenhuma ordem, nenhuma diretriz ao longo da qual pensar, e assim são contrárias àquilo que estamos acostumados. Como seguir então?

Nossa dificuldade aqui, é de que um estado bem diferente de mente é requerido para corresponder às duas afirmações. E é um estado de mente que não pode ser adquirido por se tentar alcançá-lo. Ele foge de nós tão logo tenhamos o propósito na mente, algo que está conectado com nossos desejos. O estado mental requerido é aquele de plena atenção – uma atenção que não tem pensamentos, nem imagens nela, e não espera nada. É simplesmente plena e imperturbável atenção.

Podemos imaginar que estamos sentados diante de uma paisagem montanhosa, não olhando a qualquer parte especial, apenas deixando o todo do cenário entrar em nós. Esta plena atenção pode ser perturbada por qualquer movimento do cenário, i.e. – se deixarmos nossa atenção se prender por um vôo de um pássaro. Quando isto acontece, a plena atenção do todo não está mais ali – a atenção foi concentrada e limitada por alguma área especial. Mas quando a imperturbável, plena e relaxada atenção aí estiver, então uma visão do todo pode chegar a nós. É um todo que está além da soma de todos os detalhes do cenário – nos vem além do cenário físico.

Se pudermos ler A Doutrina Secreta, ou qualquer outro trabalho teosófico, com esta plena atenção imperturbável por padrões de pensamento estabelecidos, então receberemos insights da Verdade nas profundezas de nosso ser. Quando vierem, deveremos parar de ler e deixarmos a semente crescer por um longo período, não os adornando, tão logo, com pensamentos e palavras. E, de fato, o mesmo se aplica a tudo que enfrentamos na vida, devido às sementes que possam vir nas situações de vida.

Vejamos agora, outro importante aspecto desta questão que diz respeito à nossa aproximação à vida. Está contido na estória que deu título a esta leitura, aquela sobre A Teia de Indra. A estória é em resumo, como isto:

Há muitos anos atrás existia um príncipe Indiano que tinha um lindo palácio. Neste palácio existia uma cortina toda feita de pérolas. A cortina era chamada de Teia de Indra e possuía uma qualidade marcante. Cada uma das pérolas refletia o Todo do universo.

Suponhamos que isto seja mais uma linda estória. Suponhamos que demonstra algo da natureza real do universo e do mundo em que vivemos. Aprendemos que existe apenas uma vida, uma fonte de todas as coisas, tudo é vida em evolução. Mas essa estória da teia de Indra implica em que a Vida Una está presente simultaneamente, de alguma maneira misteriosa em sua plenitude, em cada uma de suas expressões. Temos uma chance de percebermos isto? Penso que sim.

Essa revelação pode chegar a nós quando tivermos a relaxada, mas plena atenção, quando nenhuma coisa em especial ou nenhum pensamento estiver perturbando aquela atenção plena. Pode vir ao olharmos uma criança, uma flor, ao encontrarmos, num relance, os olhos de outra pessoa. Suas características são aquelas do sonho. Não podemos analisar ou descrevê-las. Então desaparece. Mas está lá – uma profundidade, uma inexaustível profundidade, uma riqueza que nos dá o sentimento do todo do universo em um relance.

O Sr. Jinarajadasa, uma vez teve um artigo intitulado Deixe o Universo Entrar. Penso que esta é uma boa expressão de que a teia de Indra indica. Em cada ponto da existência o universo como um todo está presente. Nos momentos em que inibimos pensamentos, conceitos, estruturas concebidas pelo homem, e estamos apenas abertos à vida com uma mente tranqüila, com uma mente plenamente atenta, então nós poderemos deixar o universo entrar em nosso próprio ser e nos modificarmos do profundo interior. E mesmo que isto aconteça por pouco tempo, contribuirá para que a sintonização de nosso ser esteja mais em harmonia com aquele universo do qual somos partes integradas, o universo em que estamos.

Curt Berg – O contribuidor foi ambos, Tesoureiro e Diretor da Federação das Sociedades Teosóficas na Europa. O Sr. Berg foi antes secretário Geral da Sociedade Teosófica na Suécia. Este artigo foi transcrito de um discurso dado pelo Sr. Berg no Congresso Europeu da Sociedade Teosófica em 1995. Ele regularmente leciona por toda a Europa Oriental. (Insight Magazine).


[1] Hipótese de cadarço de bota, pois é todo entrelaçado.

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