Artigo escrito no e-grupo Em Busca do Eu
Sempre temos falado muito no grupo sobre autoconhecimento e a importância de se jogar a luz da consciência sobre nosso corpo e nossa psique, sobre nossas ações físicas, nossas emoções, pensamentos e intenções. Falamos sobre ampliar a consciência e perceber a Verdade, conhecer os Mistérios da Vida. Falamos sobre Vazio e Felicidade Plena e Perene… Falamos sobre buscar o Eu e conhecer quem verdadeiramente somos…
Mas a Vida (e seus mistérios) não compreende somente o espaço da espiral do tempo que se situa entre nascimento e morte, mas também o espaço da espiral entre a morte e o nascimento. Aquele primeiro é uma preparação para esse último e esse último uma preparação para aquele primeiro, mas enquanto em um pouco percebemos, pouca consciência temos do outro…
A civilização pré-budista Bön do Tibete nos legou ensinamentos, como a egípcia também (o Livro Egípcio dos Mortos), do que acontece com a força psíquica quando livre de sua clausura físico-energética. O budismo tibetano, com seu Livro Tibetano dos Mortos de Padmasambhava, orienta os procedimentos a serem feitos por quem parte da dimensão física e os procedimento a serem feitos por quem ainda está preso. Essa mesma tradição diz que, quem entrar em contato com esses ensinamentos, tanto faz que o faça com a mente aberta ou que duvide deles, na hora que precisar receberá em súbito relance de iluminação as instruções necessárias.
Nesse primeiro e-mail vou falar sobre o momento da morte e sobre o que acontece nas primeiras 24 horas. Acompanhar esse processo de passagem diariamente nos faz ter uma visão real, e não meramente filosófica, da impermanência e do vir-a-ser como forças manifestas da Vida. No livro tibetano dos mortos aparece o conceito de Bardo, que significa literalmente `intervalo' e abrange não somente o intervalo de suspensão, que acontece após a morte, mas todos os desligamentos da psique do seu corpo que acontecem no dia-a-dia, nossas experiências de paranóia e de incerteza, onde o chão nos falta e temos dúvida sobre a nossa sanidade mental.
A experiência do bardo é a experiência de seis estados psicológicos que podemos perceber tanto antes quanto depois da morte e, nesse sentido, somos responsáveis por toda a extensão de nossa vida, seja antes ou depois da morte. Mas a experiência psicológica após a morte, vivida sem um corpo físico, é muito mais vívida e difícil de contornar do que a vivida em plano físico, principalmente se não houve um trabalho prévio antes da morte. Essas experiências, vívidas e alucinatórias, irão determinar o futuro do novo nascimento e se pudermos ter uma livre escolha consciente poderemos não mais renascer ou, no mínimo, não renascer em condições psicológicas inferiores: “ninguém irá nos salvar, tudo é deixado puramente para o indivíduo, o compromisso com o que somos”.
Não há nenhuma diferença básica entre o pós-morte e a nossa vida cotidiana, em termos de estados da psique. A primeira percepção, no momento da morte, é a de se ficar muito mais pesado, resultado do relaxamento muscular e da impossibilidade de se mexer, que o Livro Tibetano descreve como “a terra se dissolvendo na água”. Perde-se contato com o plano físico e lógico e advém a incerteza sobre se nossa consciência está se ampliando ou se estamos ficando loucos. Quem psicologicamente nunca sentiu isso?
A segunda percepção, no momento da morte, é fruto da incerteza de uma continuidade da consciência, logo após se perder o contato com o mundo físico. A psique buscará se ancorar em alguma emoção-pensamento prévio, para se assegurar de que ainda está funcionando normalmente. Quem psicologicamente, nunca ficou preso em suas emoções quando o chão fugiu de seus pés? Nessa fase, a pessoa que está morrendo, já sem terra (sem contato com o plano físico), permanece somente com o movimento de sua água (com suas emoções), ou seja, com seu sistema circulatório funcionando, até que a circulação sangüínea começa a falhar.
Nesse momento surge a terceira percepção: a psique buscará emoções fortes, seja de paixão ou de ódio, alguma coisa vívida o suficiente para assegurar-se de que ainda pode funcionar adequadamente. Nesse ponto a “temperatura fogosa do amor e do ódio torna-se mais importante” do que tudo o mais. O Livro tibetano descreve essa fase como ” a água se dissolvendo no fogo”. Quem nunca se apegou fervorosamente às paixões como modo de auto-sobrevivência da própria psique, mantendo seu ódio e sua paixão para sentir-se ainda vivo e não se perder insano?
Mesmo assim, o moribundo não consegue manter aceso esse fogo interno, e ele tende a sumir. Essa é a quarta percepção a de um frio intenso, resultado da incapacidade de se manter estável a temperatura corporal. O Livro Tibetano descreve essa fase como “o fogo se dissolvendo no ar”. Todo o esforço da psique em manter viva a concentração nas lembranças de paixão (ou de ódio) começam a se desvanecer e começa uma experiência de abertura, onde tudo isso começa a ser percebido como destituído de qualquer sentido real. Quem nunca experimentou isso?
Avizinha-se, então, a quinta percepção. Aqui começa a experiência da luminosidade. É o ponto onde a psique não luta mais para sobreviver e “uma espécie de atitude descuidada” começa a acontecer, coincidindo com a dificuldade cada vez maior de se continuar respirando. É como se paixão e ódio, prazer e dor, e todas as dualidades acontecessem ao mesmo tempo, numa experiência poderosa de unidade. O Livro Tibetano descreve essa fase como “o ar se dissolvendo no espaço”. Nesse ponto, onde não há mais luta, a experiência da luminosidade surge naturalmente e se perde totalmente todo e qualquer contato com o mundo externo.
Essas experiências são o resultado de uma retirada gradual da energia da consciência dos centros de energia do corpo físico-etérico (chakras) sendo cada uma das cinco percepções o resultado do deslocamento da energia pelos cinco chakras inferiores e é conhecido como “Espontânea Libertação dos Sinais da Morte”. Essa descrição somente é percebida por aqueles que estão plenamente atentos durante o próprio morrer.
O primeiro momento chave acontece durante o intervalo entre a cessação definitiva da respiração e a cessação definitiva dos batimentos cardíacos: o primeiro bardo. É o momento em que uma luminosidade brilha claramente na consciência daquele que aprendeu a atuar como Observador (o meditador avançado). Nesse ponto o tibetano ejeta sua Consciência através do brahmarandhra (o sahasrara chakra), num processo conhecido como po'wa, onde a consciência percorre o sushumna nadi (o canal central na medula) até o centro energético do topo da cabeça. Esses se libertam definitivamente do ciclo de reencarnações, mas aqueles que não têm essa prática deixam a consciência emergir através dos canais laterais (ida e pingala) de uma forma totalmente inconsciente, como na fase de sono sem sonhos que temos todos os dias.
Se treinarmos diariamente nossa concentração para entrar em estado meditativo, poderemos ter um vislumbre dessa experiência (releiam o apêndice do livro “A Caminho no Ser”: A Ciência do Kriya-Yoga) conhecida como cidakasha: a visualização da Luz (ou luzes) no ajna chakra (o chakra frontal). Poderemos entrar no processo de morte, como um processo avançado de ampliação de consciência e Libertação: o mahasamadhi.