A pessoa que está morrendo deve ser capaz de perceber o que está acontecendo com o seu corpo e detectar a sutil deteriorização de seus sentidos: da impossibilidade de falar ou de se expressar mimicamente, a ampliação da audição, a deteriorização da inteligência e uma ampliação da percepção (principalmente auditiva) do ambiente em torno do corpo. A meta é ser capaz de perceber a luminosidade do primeiro bardo. ‘Bar’, em tibetano, significa ‘ o que está entre’ e ‘do’ significa ‘ilha’ ou ‘alvo’: um ponto entre duas coisas, o período entre a insanidade e a sanidade, entre a confusão e a confusão prestes a se tornar sabedoria, entre o passado e o futuro.
Resumindo:
Estágios |
Sintomas |
Sinais |
A Metáfora |
A psique |
Primeira percepção |
Peso |
Imobilidade do corpo |
Dissolução da terra na água |
Incerteza |
Segunda percepção |
Sono com sonhos |
Sinais vitais preservados |
Movimento da água |
Sonhos emotivos |
Terceira percepção |
Palidez |
Diminuição da pressão arterial e do pulso |
Dissolução da água no fogo |
Alucinações (sonhos) fortes e vívidas |
Quarta percepção |
Frio |
Hipotermia |
Dissolução do fogo no ar |
Inércia pacífica da mente |
Quinta percepção |
Sono sem sonhos (inconsciência) |
Dispnéia (dificuldade de respirar) |
Dissolução do ar no espaço |
Experiência do Vazio |
Sexta percepção |
Ausência de respiração |
Coração ainda bate |
Dissolução do espaço (o 1º bardo) |
Experiência da Luz ou total inconsciência |
Sétima percepção |
Incerteza se está morto ou não. |
Parada cárdio-respiratória |
(o 2º bardo) |
Retorno da consciência em outro plano |
O meditador avançado (aquele que aprendeu a atuar como Observador) se mantém nesse estado de “clara luz”, sem respirar, por um tempo indeterminado, dependendo de sua evolução espiritual e de sua prática meditativa prévia: esse é o primeiro bardo. Na realidade ele transformou o seu processo de morte em um samadhi, o último samadhi dessa existência: o mahasamadhi. Às pessoas que estão o assistindo, geralmente seus discípulos, a tradição tibetana recomenda que o deixem deitado sobre seu lado direito, com a mão debaixo da cabeça (a posição do Buda na sua morte, ou posição do leão), e comprimam as suas duas carótidas até que cessem de pulsar, para que a consciência seja forçada a sair pelo canal central. A tradição hindu recomenda para isso a posição sentada, mesmo que o morto não mais consiga mantê-la, sem nenhuma outra interferência em seu corpo (sem pressionar as carótidas).
Nesse momento, ou no momento em que cessa a respiração, em que a consciência do meditador avançado tem a possibilidade de estar distraída com a própria doença grave, O Livro dos Mortos Tibetano recomenda que os que estão assistindo a morte do moribundo se aproveitem desse estado ampliado de percepção auditiva do moribundo para praticar a ‘Grande Libertação através do Ouvir’ (Cf. no e-mail seguinte: a Vida – terceira parte). A mesma recomendação se faz para os meditadores não avançados e para os que abandonaram ou diminuíram a sua prática meditativa, os quais não conseguirão ejetar sua Consciência (o po’wa) nesse primeiro bardo.
O tempo de espera dos que o estão assistindo se finda quando a consciência sai definitivamente do corpo físico-energético: os líquidos corporais começam a sair pelos esfíncteres (boca, narinas e ânus). No meditador avançado a consciência sai pelo chakra da coroa (sahasrara ou brahmarandhra), através do Nadi central (sushumna). Nas pessoas comuns, sem prática de meditação, a experiência da luminosidade (a sexta percepção – primeiro bardo) não acontece, uma total inconsciência (o sono sem sonhos) permanece e a saída dos líquidos corporais é quase instantânea à parada cárdio-respiratória. De acordo com o bom ou mal karma, a consciência das pessoas sem prática meditativa emerge pelo nadi direito (pingala) ou esquerdo (ida), respectivamente.
Esse movimento de saída da consciência é um movimento de saída de todas as memórias armazenadas no corpo físico-energético. O efeito de saída dessas memórias, armazenadas energeticamente em cada célula do corpo físico-energético, por um nadi qualquer (sushumna, ida ou pingala), gera a percepção de todas os fatos da vida que ora está se extinguindo após a travessia de um túnel. A psique se torna subitamente perceptiva, embora não saiba se está morta ou não. Depois dessa revisão, a psique vê seus parentes e amigos reunidos (ou seu corpo agora morto): este é o segundo bardo.
Essa é a segunda oportunidade de Libertação, para aqueles que perderam a oportunidade na experiência da luminosidade (primeiro bardo). Durante esse segundo bardo, embora ainda tenha dúvida de sua própria morte, a Consciência se torna mais clara e perceptiva e se torna capaz de ouvir novamente. A Consciência se torna capaz de ‘viajar’ livremente no espaço-tempo e pode se libertar do poder do karma se reconhecer a luminosidade nesse estágio. Mas se não perceber a luz nesse segundo bardo então ele será englobado pelas energias de seu próprio karma, e confusas projeções mentais surgirão: o terceiro bardo (o bardo do dharmata).
Nesse momento, enquanto assiste seus parentes e amigos chorando e se lamentando, vê suas coisas sendo distribuídas e desprezadas no lixo e tenta impedir, mas sua voz não é ouvida: o sentimento de posse do ‘meu’ e a sensação de ‘eu’ ressurge e com eles o desejo, o anseio, a impotência, a saudade e o desespero. Então três fenômenos mentais surgirão tornando a psique fraca e com medo: sons ensurdecedores, luzes multicoloridas e raios de luz. É o terceiro bardo se instalando e trazendo consigo o aflorar do karma daquele que morreu.