Abdicar de Pensar

Nossas mentes ainda são superiores às dos animais, mas nem por isso somos melhores. Pra falar a verdade parece-me que os seres humanos preferem não o fazer. E por quê? Não é fácil pensar, ordenar as idéias, analisar, tomar decisões, arcar com suas conseqüências. Não é fácil. É melhor evitar. Melhor é embotar parte da mente, grande parte dela, a bem da verdade. O ser humano utiliza somente 10 por cento da capacidade de seu cérebro.

O que estará por trás da utilização dos outros 90 por cento? Não queremos descobrir. Pode ser aterrorizante. Pode ser desconcertante. Pode ser instigante. Quanto mais pensamos mais nos confrontamos, mais nos afastamos… da humanidade? Ué! agora me dou conta de que os seres humanos ainda não inventaram um substantivo coletivo para sua própria espécie! Humanidade? Não, não soa bem como coletivo! Alcatéia para lobos, cardume para peixes… humanidade?? Muito óbvio. Muito utilizado. Os coletivos pressupõem uma igualdade incômoda, uma semelhança inexistente, uma atitude paradigmática… que os homens têm, porque pararam de pensar. Imaginam que pensar é isso que fazem todos os dias, quando na realidade imitam-se entre si e repetem as regras e modos de “pensar”. Não se dão ao trabalho de questionar a si mesmos, de refletir sobre a sua maneira de pensar, isto é, pensar em sua maneira de pensar. “Por quê penso assim?”,  deveriam se perguntar constantemente, ininterruptamente, de sol a sol. Diante das aulas da vida pensariam: “ainda vou continuar pensando assim como penso?” Preferem seguir os incontáveis modelos sociais, atuais e de seus predecessores. Nas mínimas coisas, em tudo, por tudo. Deveriam pensar. São como uma “manada” de bois. Seguem em frente a cumprir seu destino. Preferem não escolher. Não pensam que não escolher já é uma escolha. Que seguir a multidão é uma decisão, uma escolha, um rumo, que outros ditaram para os que não pensam. E não se dão conta disso. E nem falo dos jovens e adolescentes, que esses estão na fase da idiotia. Todos são idiotas nesse tempo da vida. As crianças nada decidem, os jovens querem decidir e os adultos preferem não decidir. Como os adultos não decidem, os jovens idiotas se aventuram a decidir e viram adultos idiotas que decidem, porque os adultos abdicaram de decidir, porque não pensam. Abdicaram de pensar. E continuamos a produzir crianças e jovens que fazem o que decidem os adultos nostálgicos de sua idiotia adolescente. E os adultos que não pensam, e que pensam que não são idiotas, estão aterrorizados dos fatos, dos acontecimentos em suas famílias, em seus trabalhos, em suas instituições, em suas cidades, em suas igrejas, em suas revistas e jornais, em suas escolas, em seus hospitais, em suas ruas, em seus presídios, em suas contas bancárias, em seus concursos, em seus carros e aviões, enfim, em seus poucos dias de vida. Em seus poucos dias de vida, não pensam. Um amigo me disse que continuava a agir assim por amor. Por amor ele não educa; por amor ele não diz “Nâo!”; por amor ele se entrega aos vícios da alma e da carne; por amor ele é permissivo; por amor ele pragueja; por amor ele não decide, tendo decidido não decidir; por amor ele não PENSA… E não pensa: “Por quê não PENSO?” Por amor…! Por amor ele se omite; por amor ele se acovarda; por amor ele esmaga seus ideais mais lindos; por amor ele segue em frente. Por amor se apega ao cargo; por amor não repreende; por amor não corrige; por amor não admoesta. Por amor paga penitências; por amor faz promessas; por amor paga o dízimo; por amor vai à procissão; por amor se confessa ao padre; por amor vota em seu candidato; por amor casa; por amor morre. Por amor tem filhos; por amor festeja; por amor paga a derrama; por amor adultera. Por amor, vive sem pensar todos os anos de sua curta vida. Por amor aceita as idéias mais obscuras… sem pensar. Por amor confia nos seres mais hediondos… sem pensar. Por amor ama a mulher mais ordinária… sem pensar. Por amor, chora a morte como se nunca a fosse encarar. Por amor fuma um atrás do outro como se as estatísticas não lhe alcançassem nunca… sem pensar. Por amor se apega a bens materiais, ao carro, à casa, à roupa… sem pensar. Por amor vê repetir-se todos os dias os mesmos descalabros sem emitir um som… sem pensar!!!!! Por amor à comida como um bicho faminto, vota e volta a ser nada… sem pensar. Por amor vota por amor àqueles que não  ama mas que são bichos famintos que por amor escolhem nada escolher por escolher serem nada! Por amor escolhem não pensar por ódio àqueles que julgam escolher o sistema que os faria pensar… mas preferem não pensar. E fomentam ainda mais a prática do “livre pensar, é só não pensar”. Não pensamos. Preferimos as paixões aos pensamentos. Preferimos o “amor” aos pensamentos. Aquele nos embriaga, estes nos envergonham.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *