Alterações, variações e truncagens de textos bíblicos

Para nós cristãos, o Velho Testamento tem importância secundária. Ele é um documentário histórico do povo judeu, cuja religião é monoteísta e que foi também a de Jesus. Ademais, o judaísmo anunciava a vinda do Messias como enviado de Deus ao nosso planeta Terra, administrado por Ele.

E Jesus aperfeiçoou o Velho Testamento para os judeus que se tornaram cristãos. Ele disse que não veio mudar a lei, mas confirmá-la ou cumpri-la. Porém os verbos “plerosai” e “adimplere”, usados, respectivamente, no original grego do Evangelho e no latim da Vulgata de são Jerônimo, têm como melhor tradução aperfeiçoar e não confirmar e cumprir. Assim ensinam alguns grandes tradutores modernos da Bíblia para o português, entre eles o jesuíta Huberto Rohden, que entrou em conflitos com a Igreja exatamente por causa de doutrinas contrárias à Bíblia surgidas ao longo dos séculos.

Há irregularidades e textos truncados nas traduções tanto do Novo como do Velho Testamento. E é oportuno lembrarmos aqui que não devemos confundir as leis mosaicas, uma espécie de Constituição do povo hebreu feita por Moisés, com as leis de Deus do Decálogo, a menos que queiramos atribuir a Deus a autoria dos erros bíblicos de Moisés e de outros autores hagiógrafos. Jesus afirma que a lei antiga proíbe matar, mas que Ele ensinava que só pensar em matar já é pecado. Ora, o que é aperfeiçoado é corrigido, e o que se corrige é porque estava errado. Isso nos mostra que Jesus, realmente, aperfeiçoou o Velho Testamento. E é, pois, o Novo Testamento que deve ser seguido por nós cristãos, e não o judaico Velho. Daí o fato de Bart Ehrman, catedrático de religião da Universidade de Princeton, e maior biblista do mundo atual e autor de “O Que Jesus Disse? O Que Jesus não Disse?”( Ediouro), ter-se dedicado, em suas pesquisas bíblicas, ao Novo Testamento.

Quanto às diferenças de conotações entre as 400 mil alterações bíblicas e variações bíblicas, trata-se de uma questão subjetiva e não objetiva, mesmo porque as palavras alteração e variação são sinônimas. “Sinônimos são palavras que têm a mesma ou quase a mesma significação.” Exemplos: castigo e punição. Assim, se um motorista de táxi faz uma alteração do trajeto do destino do passageiro, equivale a dizer-se que ele fez uma variação do trajeto. E, se Ehrman não é o autor da descoberta das 400 mil alterações ou variações da Bíblia, e nem cita, nominalmente, os estudiosos dessa questão, isso não as invalida, e, além disso, ele, ao mencioná-las, está “ipso facto” endossando-as ou fazendo-as também suas, como eu, igualmente, o faço. E é verdade que muitas das alterações ou variações dos copistas foram acidentais. Mas não é menos verdade, também, que muitas foram propositais.

Enfim, os erros bíblicos com relação aos seus originais, que nem se sabe se ainda existem em alguma parte do mundo, não nos autorizam a afirmar, hoje, que a Bíblia é “ipsis litteris” a palavra de Deus. Valendo-me dos adjetivos da área criminal-jurídica, eu diria que as alterações ou variações bíblicas acidentais são culposas, enquanto que as propositais são dolosas. E, lamentavelmente, as dolosas parecem ser as mais numerosas. E são poucos os que têm coragem de apontar essas irregularidades bíblicas!

Agradeço ao sr. Armando Mendes, de Juiz de Fora, os comentários tecidos sobre a matéria desta coluna, de 29.12.2008: “Se morreu mesmo, não morre mais; morre-se uma vez só”, pois que me dão a oportunidade de esclarecer melhor alguns de seus tópicos.


(1) No Michaelis, ed. Melhoramentos, “alteração” e “variação” podem ter o sentido de “mudança”, mas só “alteração” vem como: “falsificação, adulteração”. Tem que se tomar cuidado. (2)No fim é feita uma suposição errônea, que não está em concordância com o que Ehrman diz em outro livro: “Evangelhos Perdidos”, Record. Na página 319, cap. 10, temos: “A maioria das mudanças são erros por descuido, facilmente reconhecidos e corrigidos. Os escribas cristãos frequentemente cometiam equívocos porque estavam cansados, desatentos, ou porque às vezes eram inaptos. De fato, o erro mais comum em nossos manuscritos envolve 'ortografia', o que é significativo por mostrar que os escribas na Antiguidade não sabiam soletrar melhor do que a maioria de nós sabe hoje.” Na p. 321: “A despeito das notáveis diferenças entre nossos manuscritos, os estudiosos estão convencidos de que podemos reconstruir a forma mais antiga das palavras do Novo Testamento com razoável exatidão (embora não 100%).”

Armando Mendes
Juiz de Fora – MG – 12/01/2009 – 10:45:59 

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