BRASÍLIA – Agrotóxicos que apresentam alto risco para a saúde da população são utilizados, no Brasil, sem levar em consideração a existência ou não de autorização do governo federal para o uso em alimentos. É o que apontam os novos dados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para), divulgados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) nesta quarta-feira, 23, em Brasília.
Em 15 das 20 culturas analisadas, foram identificados agrotóxicos ativos e prejudiciais à saúde humana. “Encontramos agrotóxicos, que estamos reavaliando, em culturas para os quais não estão autorizados, o que aumenta o risco tanto para a saúde dos trabalhadores rurais como para a dos consumidores”, afirma o diretor da Anvisa, Dirceu Barbano.
Nessa situação, chama a atenção a grande quantidade de amostras de pepino e pimentão contaminadas com endossulfan; de cebola e cenoura com acefato; e de pimentão, tomate, alface e cebola com metamidofós. Além de serem proibidas em vários países do mundo, essas três substâncias já começaram a ser reavaliadas pela Anvisa e tiveram indicação de banimento do Brasil.
De acordo com o diretor da Anvisa, “são ingredientes ativos com elevado e comprovado grau de toxicidade e que causam problemas neurológicos, reprodutivos, de desregulação hormonal e até câncer”. “Apesar de serem proibidos em vários locais do mundo, como União Europeia e Estados Unidos, há pressões do setor agrícola para manter esses três produtos no Brasil, mesmo após serem retirados de forma voluntária em outros países”, pondera Barbano.
A Anvisa faz a reavaliação toxicológica de ingredientes ativos de agrotóxicos sempre que existe algum alerta nacional ou internacional sobre o perigo dessas substâncias para a saúde. Em 2008, a agência colocou em reavaliação 14 ingredientes ativos, entre eles o endossulfan, o acefato e o metamidofós.
Juntos, esses 14 ingredientes representam 1,4% das 431 moléculas autorizadas para utilização como agrotóxico no Brasil. Entretanto, uma séria de decisões judiciais, também em 2008, impediram, por quase um ano, a Anvisa de realizar a reavaliação dessas substâncias.
De lá pra cá, a Agência conseguiu concluir a reavaliação de apenas uma molécula: a cihexatina. O resultado prevê que ela seja retirada do mercado brasileiro até 2011. “Todos os citricultores que exportam suco de laranja já não utilizam mais a cihexatina, pois nenhum país importador, como Canadá, Estados Unidos, Japão e União Europeia, aceita resíduos dessa substância nos alimentos”, diz o gerente de toxicologia da Anvisa, Luiz Cláudio Meirelles.
Para outras cinco substâncias, a Anvisa já publicou consulta públicas e está na fase final da reavaliação. Nesses casos, houve quatro recomendações de banimento (acefato, metamidofós, endossulfan e triclorfom) e uma indicação de permanência do produto com severas restrições ao uso (fosmete).
Balanço
Outra irregularidade apontada pela Para foi a presença, em 2,7% das amostras dos alimentos coletadas, de resíduos de agrotóxicos acima do permitido. “Esses resíduos evidenciam a utilização de agrotóxicos em desacordo com as informações presentes no rótulo e bula do produto, ou seja, indicação do número de aplicações, quantidade de ingrediente ativo por hectare e intervalo de segurança”, explica Meirelles.
Houve amostras, ainda, que apresentaram as duas irregularidades: resíduos de agrotóxicos acima do permitido e ingredientes ativos não autorizados para aquela cultura. No balanço geral, das 3.130 amostras coletadas 29% apresentaram algum tipo de irregularidade.
Os casos mais problemáticos foram os do pimentão (80% das amostras insatisfatórias), uva (56,4%), pepino (54,8%), e morango (50,8%). Já a cultura que apresentou melhor resultado foi a da batata, com irregularidades em apenas 1,2% das amostras analisadas.
Cuidados
Para reduzir o consumo de agrotóxico em alimentos, o consumidor deve optar por produtos com origem identificada. Essa identificação aumenta o comprometimento dos produtores em relação à qualidade dos alimentos, com adoção de boas práticas agrícolas.
É importante, ainda, que a população escolha alimentos da época ou produzidos por métodos de produção integrada (que recebem carga menor de agrotóxicos). Alimentos orgânicos também são uma boa opção, pois não utilizam produtos químicos para serem produzidos.
Os procedimentos de lavagem e retirada de cascas e folhas externas de verduras ajudam na redução dos resíduos de agrotóxicos presentes apenas nas superfícies dos alimentos. “Os supermercados também têm um papel fundamental nesse processo, no sentido de rastrear, identificar e só comprar produtos de fornecedores que efetivamente adotem boas práticas agrícolas na produção de alimentos”, afirma o gerente da Anvisa.
Para
O objetivo do Para, criado em 2001, é garantir a segurança alimentar do trabalhador brasileiro e a saúde do trabalhador rural. Em 2009, o programa da Anvisa monitorou 20 culturas em 26 Estados do Brasil. Apenas Alagoas não participou do Para em 2009.
O Programa funciona a partir de amostras coletadas pelas vigilâncias sanitárias dos Estados e municípios em supermercados. No último ano, as amostras foram enviadas para análise aos seguintes laboratórios: Instituto Octávio Magalhães (IOM/Funed/MG), Laboratório Central do Paraná (Lacen/PR) e para um laboratório contratado, nos quais foram investigadas até 234 diferentes agrotóxicos em cada uma das amostras.
Apesar das coletas realizadas não serem de caráter fiscal, o Para tem contribuído para que os supermercados qualifiquem seus fornecedores e para que os produtores rurais adotem integralmente as Boas Práticas Agrícolas. Prova disso foi a criação do Grupo de Trabalho de Educação e Saúde sobre Agrotóxicos (Gesa).
Integrado por diferentes órgãos e entidades, o grupo tem como objetivo elaborar propostas e ações educativas para reduzir os impactos do uso de agrotóxicos na saúde da população, implementar ações e estratégias para incentivar os sistemas de produção integrada e orgânicos e, no caso dos cultivos convencionais, orientar o uso racional de agrotóxicos. “Além de orientar, é preciso que o Estado fiscalize de forma efetiva o uso desses produtos no campo e coíba o uso indiscriminado e, até mesmo ilegal, de alguns agrotóxicos”, comenta Meirelles.
Os Estados também têm realizado diversas ações para ampliar o número de amostras rastreadas até o produtor. Das amostras coletadas em 2009, 842 (26,9%) foram rastreadas até o produtor/associação de produtores, 163 (5,2%) até o embalador, e 2032 (64,9%) até o distribuidor. Somente 93 (3%) amostras não tiveram qualquer rastreabilidade.
Confira a tabela constante do relatório da ANVISA, no site da agência