Dicionário-Texto do Budismo – C

 

O que é o Ch'an?

O Mestre Ch'an Ching Yuang disse que o Ch'an é nossa mente. Esta mente não é aquela que discrimina e reconhece as coisas. Ele é nossa “verdadeira mente.” Essa verdadeira mente transcende toda a existência tangível, contudo manifesta-se em toda existência do universo. Mesmo as coisas mais comuns no universo estão cheias das sutilezas do Ch'an. O Mestre Ch'an Pai Chang disse que o Ch'an é a vivência diária. Ele disse que rachar lenha, carregar água, vestir-se, comer, ficar de pé e andar, tudo é Ch'an. O Ch'an não é algo misterioso. O Ch'an está relacionado com nossa vida diária. Portanto, cada um de nós pode experimentá-lo. Hoje, o mundo interior das pessoas está freqüentemente em conflito com o mundo exterior, e a vida torna-se um fardo e um aborrecimento. Elas não podem ter prazer e captar os momentos oportunos do Ch'an na vida diária. Em contraste, os mestres Ch'an são bem humorados e interessantes. Apenas com poucas sentenças, eles podem nos livrar de preocupações e inquietação e nos guiar para a verdadeira felicidade. Esta transformação para a felicidade é bem parecida como fazer girar uma máquina complexa simplesmente pressionando um botão. Nenhum conhecimento complicado ou repetitivo é requerido. O estado da mente no Ch'an é muito alegre e vivaz”.

Qual é o valor do Ch'an?

Quando aplicado na vida diária, o Ch'an acrescenta colorido. Expande nossas mentes, enriquece nossas vidas, eleva nosso caráter, ajuda-nos a aperfeiçoar nossa moral e leva-nos ao estado em que estaremos tranqüilos quando nos encontrarmos na beira da vida e da morte. Quais foram então os ensinamentos maravilhosos que os mestres Ch'an legaram por escrito e passaram para nós? Como podemos tentar compreender o deleite do Ch'an através do uso da linguagem?”

Ter e Não-Ter

Estamos acostumados a pensar que toda existência pode ser diferenciada por nomes e relatadas em termos de dualidade. Na realidade, as coisas não podem ser divididas em metades distintas. Por exemplo, a maior parte das pessoas pensa usualmente que ter e não-ter são dois conceitos opostos; se alguém tem então ele não pode estar no estado de não-ter; se alguém não tem então ele não pode estar no estado de ter. Para elas ter e não-ter não são coexistentes. A fala e o comportamento dos mestres Ch'an transcendem os conceitos comuns de ter e não-ter abraçando estes conceitos aparentemente opostos e alcançando um nível mais alto de “ter” e “não-ter.” Suas visões são diferentes daquelas das pessoas comuns; se nós nos aproximarmos deste modo de pensar com o nosso conhecimento habitual, não seremos capazes de entender verdadeiramente os mestres Ch'an. Quando o Quinto Patriarca quis passar o manto e a tigela, símbolos do Darma, a um sucessor, ele pediu a cada um de seus discípulos que escrevesse um verso no qual poderia julgar quem, entre eles, tinha realizado a Verdade. O manto e a tigela apenas seriam entregues àquele que se tornaria o Sexto Patriarca. Seu discípulo mais velho, Shen-hsu, escreveu o seguinte verso:

O Corpo é uma árvore Bodhi

A mente é um espelho brilhante

Mantenha-o sempre cuidadosamente limpo

Para a poeira nele não assentar

Depois de ler este verso, todos elogiaram Shen-hsu dizendo que seu estado de mente era na verdade superior. O Quinto Patriarca pensava de modo diferente e disse ‘Não é mau, mas o escritor dessa obra ainda não viu o caminho’.

Hui Neng, que trabalhava no moinho de arroz, pediu nessa noite que alguém escrevesse também seu verso na parede:

Bodhi não tem nada a ver com árvores

E a mente não é um espelho brilhante

Desde que nada existe,

Como pode a poeira assentar

Depois de ler este verso, o Quinto Patriarca sabia que Hui Neng tinha visto a natureza vazia de todos os Darmas e entrado no caminho de Buda. Assim, ele entregou o manto e a tigela da linhagem da escola Ch'an a Hui Neng que se tornou o Sexto Patriarca”.

Shen-hsu possuía um bom entendimento dos princípios do Ch'an e era o chefe dos discípulos do Quinto Patriarca. Como o Quinto Patriarca também havia instruído os outros discípulos a praticar de acordo com os versos de Shen-hsu todos do monastério esperavam que ele, certamente, se tornasse o Sexto Patriarca. Em vez disso, o Quinto Patriarca escolheu Hui Neng de quem ninguém ouvira falar antes. Embora Shen-hsu tivesse alcançado um estado espiritual elevado, ainda estava apegado à mente de ter e seu conhecimento do Ch'an ainda não era o mais elevado. O caminho último é aquele que integra o ter como o vazio (shunyata). Esta é a diferença entre a mente Ch'an e a mente comum. Apenas quando pudermos transcender o ter e o não-ter é que poderemos realizar a mente Ch'an última e experimentar a maravilhosa verdade do Ch'an”.

Vamos ilustrar com outro caso bem conhecido na história do Ch'an. Um dia, alguém perguntou ao Mestre Ch'an Chao Chou: ‘O que significa Chao Chou?’

Chao Chou respondeu: ‘Portão leste, portão oeste, portão sul, portão norte’.

Essa resposta pareceu totalmente irrelevante, mas de fato, esta verdade dos quatro portões tinha um significado oculto. Queria dizer que o Ch'an de Chao Chou era muito vasto e não era limitado por qualquer escola particular. O Ch'an não é, de modo algum, confinado pelo espaço”.

Alguém perguntou a Chao Chou: ‘Os cães têm a natureza de Buda?’

Chao Chou respondeu: ‘Sim’.

Uma outra pessoa fez-lhe a mesma pergunta: ‘Os cães têm a natureza de Buda?’

Desta vez, Chao Chou respondeu: ‘Não’.

Por que o Mestre Ch'an Chao Chou deu duas respostas diferentes para a mesma pergunta? Do ponto de vista terreno, era bastante contraditório, mas para o Mestre Ch'an Chao Chou, elas eram um modo vivo de ensinar. Quando ele disse: sim queria dizer que os cães têm o potencial para se tornar Budas. Quando ele disse não, significava que os cães ainda não tinham se tornado Budas. Ao responder uma pergunta, os mestres Ch'an têm o cuidado de determinar a intenção e o estado de mente da pessoa que faz a pergunta antes de dar a resposta apropriada”.

O Imperador Wu, da Dinastia Liang, era um dos mais devotados budistas da história chinesa. Durante seu reinado ele construiu muitos templos, estátuas de Buda, estradas e pontes. Foi nessa época que Bodhidharma veio da Índia para a China a fim de propagar o Darma. O Imperador Wu perguntou-lhe: ‘eu fiz muitas coisas boas, quais os méritos que acumulei?’ Bodhidharma respondeu friamente: ‘Nenhum mérito, de modo algum’. O Imperador não ficou muito feliz com a resposta e insistiu outra vez. Mais tarde, Bodhidharma foi embora porque não podia se entender com o Imperador Wu. Realmente como era possível que os bons feitos do Imperador Wu não tivessem produzido nenhum mérito? Quando Bodhidharma disse: “nenhum mérito, de modo algum”, ele queria dizer que na mente de um mestre Ch'an não há este conceito dualístico de ter e não-ter, como é experimentado pela mente comum”.

De modo geral, percebemos e diferenciamos as coisas através de nossos sentidos. Por exemplo, quando olhamos para uma montanha ou um rio, vemos apenas uma montanha ou um rio. Depois que começamos a praticar o Ch'an, percebemos que tudo na existência é ilusório. Neste ponto, a montanha não é mais montanha e o rio não é mais um rio. Quando alcançamos completa realização, todos os conceitos relativos de é e não é, mente e matéria, tornam-se completamente integrados. Neste ponto, a montanha é outra vez uma montanha e o rio é outra vez um rio. A mente do Ch'an tornou-se unificada com o ambiente externo. O som que flui dos rios torna-se o Darma maravilhoso. Montanhas verdes tornam-se os corpos puros dos Budas. O mundo do Ch'an é ilimitado quando a relativa fronteira do ter e não-ter é destruída”.

Movimento e Imobilidade

A doutrina básica do budismo são os Três Selos do Darma, que declara que ‘Todos os samskaras (agregados) são impermanentes’. ‘Todos os darmas não têm um eu substancial’, e ‘O nirvana é a paz verdadeira’. O objetivo último de estudar o budismo é alcançar o estado de paz perfeita, nirvana. A ‘perfeita paz’ é diferente do conceito de imobilidade. Em nossa vida diária, quando dizemos que aquele determinado objeto está se movendo, enquanto aquele outro está imóvel, é devido à ação da mente. Todos os fenômenos são criados por nossa mente. De fato, os fenômenos, eles mesmos, não fazem distinção entre o que está se movendo ou o que está imóvel. O que faz a distinção de ser é o apego em nossa mente que é causado pela ilusão. Se nós pudermos nos livrar deste apego, nossa mente estará então em paz e tudo ficará em harmonia”.

Depois que Hui-Neng, o Sexto Patriarca, recebeu o manto e a tigela do Quinto Patriarca, ele se escondeu durante quinze anos antes de começar a ensinar. Um dia, quando chegou ao templo, ele viu duas pessoas discutindo calorosamente em frente a uma bandeira. Questionavam-se por que a bandeira estava se movendo. Um deles dizia: ‘Se não houver vento, como poderá a bandeira se mover? Assim, é o vento que está se movendo’. O outro disse: ‘Se a bandeira não se move, como pode você saber se o vento está soprando? Portanto é a bandeira que está se movendo’. Nesse ínterim, Hui-Neng ouvia pacientemente seus argumentos. Finalmente, lhes disse: ‘Por favor, não discutam mais. Não é o vento nem a bandeira que está se movendo. É sua mente que se move’. Desta troca de palavras, podemos ver como os mestres Ch'an observam o mundo: eles olham dentro de si, mais do que para a aparência superficial dos fenômenos. Afinal, os fenômenos existem de maneira transitória e fragmentada. A diferença surge em nossas mentes por causa da agitação de nossos pensamentos. Quando nossas mentes estão tranqüilas, os objetos não são capazes de fazer distinções por si mesmos. Contudo, quando nossas mentes estão agitadas, diferenciamos os fenômenos, causando distinção e separação entre nós e os outros. Portanto, a chave para realizar o estado no qual o movimento e a imobilidade estão em harmonia, e não mais diferenciado, é quando tivermos de fato eliminado todas as discriminações que surgem das diferenças percebidas. Deste modo podemos alcançar a paz perfeita”.

O Imperador Hsien Tsung da Dinastia T'ang era um budista muito devotado e queria mandar alguém a Feng Hsiang para buscar alguma das relíquias de Buda. Yu Han, um oficial do governo, tentou dissuadir o imperador dessa empreitada. Hsien Tsung ficou muito zangado com ele e demitiu-o do posto da província de Ch'ao Chou”.

Ch'ao Chou estava localizada na parte sudeste da China, que não era muito civilizada naquele tempo. Contudo, um monge bem educado e muito culto chamado Mestre Ch'an Ta Tien estava vivendo lá. Era muito respeitado pelas pessoas do local. Sendo um Confuciano erudito, Yu Han era muito orgulhoso de si e, naturalmente, desprezava o Mestre Ch'an. No entanto, já que não havia ninguém vivendo perto de Ch'ao Chou com quem ele pudesse ter uma conversa inteligente, ele, relutantemente, foi visitar o Mestre Ch'an”. 

Quando Yu Han chegou ao templo, o Mestre Ch'an estava meditando. Yu Han não queria perturbá-lo, assim, decidiu ficar do lado de fora e esperar. Depois de um longo tempo, o Mestre Ch'an ainda permanecia imóvel. Yu Han começou a ficar impaciente. Vendo isso, o discípulo do Mestre Ch'an murmurou para o mestre: ‘Primeiro, modifique-se através da meditação concentrativa, depois erradique a arrogância através da sabedoria’. Isto foi dito para o mestre Ch'an, porém, de fato, foi dirigido a Yu Han. O que o discípulo estava indiretamente dizendo era: A meditação do Mestre é um ensinamento sem valor para você; ele está testando sua paciência. No momento em que você passar no teste, ele usará suas palavras de sabedoria para livrá-lo de sua arrogância. Neste momento, Yu Han ficou convencido de que a erudição e a cultura do Mestre Ch'an era uma verdade profunda. Eles mais tarde tornaram-se bons amigos”.

Pelos exemplos acima, podemos ver que na mente dos mestres Ch'an, mobilidade e imobilidade são intrinsecamente unidas. Este entendimento é refletido no modo como eles ensinam. No decurso de seus ensinamentos, os Mestres Ch'an, algumas vezes, instruem pelo silêncio e outras através de poderosas pregações, como o rugir de um leão. Cada movimento de um Mestre Ch'an é cheio de sutilezas do Ch'an – seja um lembrete curto, gentil ou uma reprimenda vigorosa; um avanço ou um recuo de uma postura; uma pergunta ou uma resposta; um franzir de sobrolho ou um sorriso; beber chá ou comer arroz. Para a maior parte de nós, nossas experiências diárias de vida tendem a convencer-nos que mobilidade e imobilidade são dois estados distintos. Contudo, mobilidade e imobilidade, como acontece através da meditação concentrativa do Ch'an são uma verdade unificada, perfeitamente livre e natural”.

Prática e Compreensão

Algumas pessoas dizem que o budismo é uma filosofia. Essa é uma afirmação do ponto de vista intelectual; contudo, a real essência do budismo é a prática. A Verdade pode ser realizada apenas através da prática”.

O real espírito do budismo perder-se-á se nos limitarmos apenas ao estudo das doutrinas e negligenciarmos a prática religiosa. Para um praticante genuíno do budismo, discussões intelectuais sobre o budismo sem levar em conta a prática é apenas uma forma frívola de debate e deveria ser evitado. Se tratarmos o budismo meramente como uma filosofia, nunca experimentaremos sua essência. Porque no budismo, compreensão e prática são igualmente enfatizadas. Na escola Ch'an, o que é importante é a experiência da prática real, e não a crença na linguagem escrita ou falada”.

Na escola Ch'an, o cultivo e a realização do Caminho são esforços pessoais. Quanto mais extenso for o cultivo, mais perto estaremos do despertar. Se insistirmos apenas na teoria ou simplesmente decorarmos o que foi ouvido, não conseguiremos nenhum resultado. É como levar um cavalo sedento para beber água; se ele se recusar a beber, eventualmente morrerá de sede. De igual modo, todos os ensinamentos nos sutras budistas servem como uma bússola para guiar-nos em direção à verdade. Depois de compreendê-los precisamos praticá-los de acordo com o que aprendemos para provar do doce orvalho do Darma. Portanto o ditado seguinte lembra-nos que praticar é ‘como beber água – apenas você saberá por si mesmo se ela é fria ou quente’. Se quisermos verdadeiramente compreender o budismo e o Ch'an, compete-nos praticar e alcançar a realização. Ninguém pode nos dizer o que o budismo e o Ch'an realmente são”.

Como os mestres Ch'an praticam e alcançam a realização? Eles atingem a realização vivendo na comunidade da Sangha e praticando a cada momento de suas vidas cotidianas. Os virtuosos do passado sempre diziam: ‘Apanhar lenha e carregar água tudo é Ch'an. Em nossa vida diária, podemos praticar enquanto colocamos nossas roupas, fazemos nossas refeições, acordamos, dormindo e mesmo indo ao banheiro’. O começo do Sutra do Diamante descreve como Buda levava uma vida de sabedoria enquanto colocava seu manto, carregava sua tigela, e saía para pedir esmolas. Assim como todos nós, as pessoas iluminadas têm que colocar roupas e comer; no entanto, elas fazem isso de modo completamente diferente do resto de nós. Assim dizem que o budismo não é para ser encontrado fora da vida do mundo”.

Nós sempre acalentamos a concepção errada de que temos que nos entranhar nas montanhas ou florestas para praticar e alcançar a realização. Realmente, não precisamos nos isolar para praticar. Se pudermos extinguir o fogo do ódio em nossos corações e mentes, então todo ambiente no qual nos encontrarmos será um lugar fresco e confortável. Podemos até praticar no meio do mercado mais barulhento”.

Se tivermos um entendimento completo dos ensinamentos do budismo e se praticarmos de acordo com eles, seremos capazes de fazer duas vezes mais progressos com metade do esforço. Por exemplo, o ensino básico do budismo é a Gênese Condicionada, que significa que todo fenômeno existente neste universo acontece devido à reunião de condições e causas apropriadas e cessarão de existir quando as causas e condições necessárias não estiverem mais presentes. Não há tal coisa como um criador do universo para moldar os eventos de nossas vidas; é a nós que compete fazer os requeridos esforços”.

Do ensinamento da Gênese Condicionada, podemos inferir que todos os seres são iguais e têm a Natureza de Buda. Todos os seres têm o potencial de se tornarem Buda. O processo que leva à purificação deste potencial é dependente da determinação e prática do indivíduo. Nossas próprias ações determinam nosso futuro. Assim, o correto entendimento e a prática diligente do ensinamento budista ajudar-nos-ão a desenvolver uma perspectiva progressista e positiva”.

Do ensinamento da Gênese Condicionada, podemos também inferir que este universo é uma harmoniosa unidade. Todos os fenômenos e todos os seres são interdependentes. Com este entendimento, podemos facilmente ver como a centralização é contraditória à harmonia e porque a distinção entre ‘eu’ versus ‘outros’ deveria ser abolida. A fim de viver em harmonia com os outros, deveríamos direcionar nossos cuidados e ajudá-los e não ficarmos centrados em nós mesmos”.

Pureza e Impureza

A própria natureza não faz nenhuma distinção entre pureza e impureza, ou beleza e feiúra. São nossas preferências e aversões subjetivas que fazem a distinção. É dito no Sutra Vimalakirti: ‘Quando nossa mente for pura, a terra será pura’. As mentes comuns, contudo, são nubladas pelas ‘cinco poeiras’ (os objetos que são percebidos pelos cinco sentidos) e enganadas pela aparência exterior de todos os fenômenos, evitando que a natureza de todos os darmas seja vista. As mentes dos mestres Ch'an realizados são puras e desobstruídas. Suas mentes são a Mente de Buda e elas podem ver a natureza real de todas as coisas. Para eles não há diferença entre bem e mal, beleza e feiúra, errado ou certo, enquanto que um ser comum vê o mundo corrupto e impuro. Os mestres Ch'an vêm o mundo como a terra pura de Buda”.

O estado Ch'an da mente não é alguma coisa que se pode fingir ou argumentar. Uma vez o mestre Ch'an, Chao Chou fez uma aposta com um discípulo seu, Wen Yen. Quem pudesse comparar-se com a coisa mais baixa e insignificante seria o vencedor.

O mestre Chao Chou disse: ‘Eu sou um burro’.

Wen Yen disse: ‘Eu sou o traseiro do burro’.

Chao Chou disse: ‘Eu sou o excremento do burro’.

Wen Yen disse: ‘Eu sou a larva dentro do excremento’.

O mestre Chao Chou ficou aturdido e não pôde continuar, mas perguntou:

O que você está fazendo no excremento?’

Wen Yen respondeu: ‘Estou me refrescando do calor do verão!’

Como as mentes dos mestres Ch'an são puras, eles se sentem confortáveis até mesmo nos lugares considerados os mais imundos. Para eles, todos os lugares são a terra pura; portanto, sentem-se livres onde quer que vão”.

Um dia, o Mestre Ch'an Yi Hsiu saiu com seu discípulo. Os dois chegaram à praia de um rio onde uma mulher estava hesitando atravessar a corrente veloz da água. Por compaixão, o Mestre Yi Hsiu carregou a mulher através do rio em suas costas. Tendo feito isso, mais tarde esqueceu-se do fato. Seu discípulo, contudo, estava muito incomodado pelo fato do mestre ter carregado uma mulher em suas costas. Um dia, o discípulo disse ao Mestre Yi Hsiu: ‘Mestre, uma coisa está me incomodando muito. O senhor pode me ajudar a resolver este problema?’

O Mestre Ch'an respondeu: ‘Oh! O que é?’

O discípulo disse: ‘O senhor sempre nos ensinou a guardar distância de mulheres. Mas há vários meses atrás, o senhor carregou uma mulher através do rio. Isto não é contraditório a seus ensinamentos?’

Ao ouvir isso, o Mestre Ch'an Yi Hsiu exclamou: ‘Ah! Eu apenas carreguei aquela mulher de um lado do rio para o outro e ela ficou lá, mas você, coitado, tem-na carregado por aí em suas costas por vários meses!’

Por esta história, podemos ver que o estado de mente dos mestres Ch'an é aberto e indiscriminado. Os mestres Ch'an não discriminam entre o puro e o impuro, o macho e a fêmea. Eles compreendem que a mente, o Buda, e todos os seres são iguais”.

CH’AN: CARACTERÍSTICAS – o Venerável Mestre Hsing Yün, fala-nos sobre as “Características Singulares do Budismo”: “Toda religião tem sua doutrina e sua filosofia. O Budismo é uma religião e, portanto, também tem uma doutrina abrangente e uma filosofia profunda. Chamamos de características singulares do Budismo justamente os aspectos dos ensinamentos da doutrina e da filosofia budistas que diferem dos de outras religiões”.

I. A Primeira Característica: O Carma (ou Karma)

O carma é um ensinamento budista fundamental. É a sua mais importante característica e, ao mesmo tempo, a mais complexa e a mais freqüentemente mal compreendida. Carma é um termo sânscrito que significa ação ou ato. Qualquer ação física, verbal ou mental executada com uma intenção pode ser chamada de carma. Em outras palavras, pode-se dizer que carma é qualquer volição moral ou imoral, ou qualquer ação, reação ou resultado volitivo.

Antes de falarmos sobre carma, é necessário compreender que o corpo, a fala e a mente são os três mestres do carma, pois são eles que executam as ações ou atos que o constituem. Como exemplos de carma realizado pelo corpo, podemos citar: assassinato, roubo e má conduta sexual. Mentira, conversa frívola, difamação e palavras ásperas são exemplos de carma realizado pela fala. Entre os exemplos de carma realizado pela mente, pode-se incluir cobiça, raiva e ilusão. Na verdade, nem sempre o carma é um ‘mau’ carma. Tanto a felicidade quanto o sofrimento na vida de alguém são determinados pelo carma de seu corpo, fala e mente.

Tipos de carma’ – O carma pode ser categorizado, com base nas características das ações, em positivo, negativo ou neutro.

Carma positivo é o que segue a moralidade e é benéfico a todos.

Carma negativo é qualquer ação que prejudique alguém.

Carma neutro são ações que não possam ser definidas como sendo boas ou más, como, por exemplo, aquelas que não têm uma intenção consciente.

Uma vez que o carma é a resposta da volição, as sementes de carma positivo e negativo realizados pela volição encontram-se armazenadas no alaya-vijnana, o “armazém da consciência”. Tais sementes manifestam-se quando surgem as condições apropriadas. A manifestação dessas sementes é o fruto do carma. O carma que causa sofrimento é chamado de carma maléfico e resulta em renascimento nos três reinos maléficos da existência. O carma que causa felicidade é chamado de carma abençoado e resulta em renascimento no mundo humano ou no celestial. Aqueles que alcançam o samadhi (concentração meditativa) ceifam o renascimento nos mundos da forma e da não-forma e permanecem em samadhi. O carma desses seres é denominado carma imóvel”.

O carma pode, também, ser classificado de acordo com o momento em que amadurece. Existem três dessas categorias: o carma que amadurece nesta vida, o carma que amadurecerá na próxima vida e o carma que amadurecerá em vidas futuras. O carma que amadurece nesta vida refere-se ao conjunto de ações realizadas cujos frutos amadurecerão ainda nesta vida. O carma que amadurecerá na próxima vida refere-se ao conjunto de ações cujos frutos amadurecerão na vida imediatamente posterior a esta. O carma que amadurecerá em vidas futuras refere-se às ações presentes cujos frutos amadurecerão após duas ou mais vidas. Isso demonstra que, do ponto de vista temporal, quer seja passado, presente ou futuro, nenhum efeito de nenhuma ação é extraviado. O fruto amadurecerá de acordo com o carma realizado. O bem gera o bem; o mal gera o mal. Ninguém está isento da Lei de Causa e Efeito. Quem conhece agricultura sabe que os frutos de algumas plantas já podem ser colhidos depois de apenas um ano do plantio; os de outras, depois de dois anos; e ainda há outras plantas cujos frutos só podem ser colhidos depois de muitos anos”.

Há quem não compreenda totalmente a Lei de Causa e Efeito e alegue que existem pessoas bondosas, que realizam atos benfazejos e, ainda assim, vivenciam muitos sofrimentos e infortúnios. E que, ao mesmo tempo, pode-se observar que outras agem de forma nociva e, ainda assim, têm uma vida confortável e livre. Concluem, portanto, que a Lei de Causa e Efeito de forma nenhuma se aplica. Alguns chegam mesmo a dizer: ‘Será possível que, em pleno século XX, ainda se acredite em superstições como causa e efeito?’ Essas pessoas não percebem que tudo o que existe neste mundo depende da Lei de Causa e Efeito. Mesmo sendo muito complexa, a relação entre causa e efeito funciona de forma bastante ordenada e precisa”.

Há duas razões pelas quais os frutos do carma podem amadurecer em momentos diferentes. A primeira é a força da causa, que determina quando o efeito surgirá. Por exemplo, se uma semente de melão e outra de pêssego forem plantadas ao mesmo tempo, a de melão germinará e produzirá frutos no mesmo ano; no entanto, vários anos se passarão até que o pessegueiro que crescer daquela semente, frutifique. O segundo motivo pelo qual o fruto do carma amadurece em momentos diferentes é que as condições podem ser fracas ou fortes. Caso todas as condições necessárias estejam presentes, o fruto amadurecerá mais cedo; caso contrário, o amadurecimento tardará. Seja como for, diz um ditado budista: ‘Todos os atos, bons ou maus, geram conseqüências. É só uma questão de tempo’”. 

A Lei de Causa e Efeito é inexorável. Uma determinada causa resulta, inevitavelmente, em um determinado efeito: não há exceção. Uma pessoa boa sofre nesta vida porque sementes maléficas que plantou no passado estão amadurecendo agora. Assim, é necessário que sofra no presente. Mesmo tendo realizado inúmeras boas ações nesta vida, pode ser necessário esperar a próxima vida, ou vidas futuras, para colher os efeitos dessas boas ações.  Talvez as sementes dessas boas ações não tenham tido forças para frutificar nesta vida. Ao contrário, alguém que tenha realizado muitas más ações nesta vida pode, ainda assim, estar gozando uma vida boa. Isso acontece porque as boas sementes que ela plantou em suas vidas anteriores estão amadurecendo agora e, portanto, ela está usufruindo os frutos dessas boas ações passadas. As sementes maléficas que plantou nesta vida amadurecerão em vidas futuras”.

Portanto, podemos concluir que a Lei de Causa e Efeito tem dois aspectos essenciais. Primeiro: causas e efeitos são indestrutíveis. Uma vez que ações tenham sido realizadas, sejam elas boas ou más, as sementes desses atos serão armazenadas no alaya-vijnana e se manifestarão quando as condições adequadas se fizerem presentes. Segundo: as ações boas e más não compensam umas às outras. As sementes maléficas que já foram plantadas originarão frutos malignos. Elas não podem ser anuladas através de boas ações. A única coisa que podemos fazer é realizar mais boas ações e assim acumular mais condições positivas. Dessa forma, a gravidade dos frutos de nossas más ações será atenuada; ou, caso muitas boas ações estejam acumuladas, o fruto benigno amadurecerá mais rapidamente e as condições negativas serão enfraquecidas. Façam a seguinte associação: se vocês adicionarem bastante água doce a um copo de água salgada, a água doce vai diluir a salgada, tornando-a, assim, menos concentrada. O mesmo acontece com atitudes positivas e negativas. Portanto, é muito importante fazer boas ações e acumular condições positivas”.

Algumas pessoas têm expectativas errôneas quanto à Lei de Causa e Efeito. Por exemplo, alguns budistas dizem: ‘Fui vegetariano a vida inteira. De que me serviu? Hoje estou falido!’ Outros dizem: ‘Já sou budista há muito tempo. Recito o nome do Buda, prostro-me diante dele e, ainda assim, minha saúde não melhora’. Alguns chegam a dizer: ‘Pratico o vegetarianismo e recito o nome do Buda, contudo meus filhos são desnaturados e indolentes’. Falta, nesses casos, um entendimento de causa e efeito. Essas pessoas não sabem que a moralidade é governada por um tipo de causa e efeito, a condição econômica, por outro tipo de causa e efeito e a saúde física, pelas causas e efeitos relacionados a ela. Se querem ser saudáveis, devem cuidar da alimentação, exercitar-se adequadamente e ter hábitos higiênicos. Se não cuidarem desses fatores e acreditarem que a mera recitação do nome do Buda Amitabha vai lhes trazer boa saúde, vocês têm uma compreensão distorcida do princípio de causa e efeito. Se quiserem ser bem-sucedidos financeiramente, é necessário que adotem práticas eficientes de administração financeira. Vocês não devem esperar enriquecer simplesmente porque são vegetarianos. Esse é outro exemplo de compreensão distorcida. Se não cuidarem bem de seus filhos, educando-os e ensinando-os, não esperem que eles se tornem pessoas respeitosas e membros produtivos da sociedade. Seria também um raciocínio distorcido. Causa e efeito não erram. Nem se usássemos uma calculadora eletrônica, ou um computador, para somar as boas e as más ações de alguém, o resultado seria tão preciso quanto o da Lei de Causa e Efeito”.

Os efeitos cármicos que se manifestam no momento da morte podem ser divididos em carma ponderado, carma habitual e carma recordatório. Carma ponderado significa que o indivíduo realizou bom e mau carma e o que tiver mais peso vai se manifestar primeiro. O carma habitual vai se apresentar de acordo com os hábitos cotidianos de cada um. A escola de Budismo Terra Pura ensina as pessoas a recitarem sempre o nome do Buda Amitabha para que essa prática se torne um hábito, e para que elas assim o façam também no momento da morte e renasçam na Terra Pura. O carma recordatório manifesta-se de acordo com a memória individual. Por exemplo, quando alguém caminha por uma rua e chega a uma encruzilhada, pode não saber qual direção tomar. De repente, lembra-se de que tem um amigo que mora na rua que segue à esquerda, e então vai nessa direção. Da mesma forma, ao morrer, a pessoa pode ser guiada por seu carma recordatório”.

O carma é certamente o que determina se um indivíduo renascerá como ser humano. O fato de termos nascido seres humanos é o resultado da propulsão de nosso carma. Em outras palavras, a propulsão do carma é a força que nos leva a renascer como seres humanos, e não como cães ou cavalos. Apesar de sermos todos humanos, temos diferenças individuais: podemos ser inteligentes ou tolos, virtuosos ou indisciplinados, ricos ou pobres, bem ou mal nascidos. Todas essas variações refletem diferenças no carma realizado pelos indivíduos em suas vidas passadas. Aqueles que foram generosos em vidas passadas tornam-se ricos; aqueles que mataram terão uma vida curta como conseqüência. O carma que ‘finaliza os detalhes’ de nossos renascimentos é chamado de carma de preenchimento”.

Outra categoria é a do carma individual ou coletivo. O carma realizado por uma única pessoa resulta em uma determinada força; o carma realizado por centenas e milhares de pessoas resulta em força maior, enquanto o carma realizado por milhões e bilhões de pessoas resulta em força ainda maior. Tal força é denominada carma coletivo. Ou seja, o comportamento coletivo de muitos seres produz uma força extremamente intensa que determina o curso da vida, da história e do universo. Diferentemente do carma coletivo, o carma individual afeta uma única pessoa. Por exemplo, desastres naturais, tais como fome e terremotos, podem afetar todos os residentes de uma determinada área. Entretanto, durante um mesmo desastre, as pessoas são afetadas diferentemente, em função de seu carma individual”.

Há muitas categorias de carma, cada uma com seu respectivo nome; ainda assim, no singular ensinamento do Budismo, todos os atos e ações realizados pelo corpo, pela fala e pela mente são carma. Assim, é o comportamento de uma pessoa o que determina sua vida. Cada um é responsável por todos os efeitos cármicos, positivos e negativos, produzidos por suas próprias ações. Os efeitos cármicos não são impingidos aos seres humanos por deuses ou pelo Todo Poderoso, tampouco existe um Rei Yama no inferno para lhes infligir punições. Baseando-se nessa doutrina, pode-se inferir diversos princípios determinantes do carma:

1. O carma é uma criação pessoal: não é uma criação divina.

Todas as coisas, boas ou más, são criadas por nós mesmos e, portanto, não são determinadas ou impingidas por deuses.

2. O carma implica igualdade de oportunidade; não há favoritismos.

Perante a Lei de Causa e Efeito, todos são iguais e colhem seus próprios frutos cármicos. Ninguém recebe tratamento preferencial. O bem gera o bem; o mal gera o mal. Poder-se-ia argumentar que perante as leis nacionais as pessoas também são iguais. Contudo, existem aqueles que gozam de privilégios especiais sob o sistema jurídico. A Lei de Causa e Efeito é absolutamente justa: a ninguém é dado o usufruto de privilégios especiais.

Um primeiro ministro japonês, após ser sentenciado, deixou cinco palavras: ‘errado’, ‘razão’, ‘lei’, ‘poder’ e ‘céu’. Isso significa que o ‘errado’ não pode vencer a ‘razão’, a ‘razão’ não pode vencer a ‘lei’, a ‘lei’ não pode vencer o ‘poder’ e o ‘poder’ não pode vencer o ‘céu’. Se visitarmos uma prisão, verificaremos que nem todos os criminosos condenados são irrevogavelmente culpados e insensatos. Alguns podem até ter razões plausíveis para justificar o crime que cometeram. No entanto, independentemente de quão sensata a pessoa seja, o ato cometido pode ter violado a lei. A lei pode ser justa e imparcial, e, no entanto, certos privilegiados detêm o poder de manipulá-la. No entanto, não importa quanto poder, inteligência ou riqueza um indivíduo possua, ele estará sempre sujeito aos seus próprios efeitos cármicos sob a Lei de Causa e Efeito. Não há exceções.

3. O carma nos dá esperança de um futuro radiante.

O carma nos diz que, mesmo que tenhamos feito muitas boas ações, não deveríamos nos ter em tão alta consideração, já que os méritos acumulados em função dessas ações são como uma conta bancária: por maior que seja a quantia nela acumulada, se continuarmos a sacar de nossas economias sem fazer depósitos periódicos, chegará o dia em que a conta estará zerada. Alguém que tenha realizado muitas más ações pode talvez se sentir altamente endividado e perder a esperança na vida. Mas, se trabalhar bastante, chegará o dia em que todas as ‘dívidas’ terão sido pagas. Aquele que viola a lei precisa cumprir sua pena na prisão, ao final da qual estará livre para um novo começo. O carma é assim: dá esperança às pessoas. O futuro de cada um encontra-se em nossas próprias mãos, pois somos livres para decidir o rumo que queremos tomar. Nosso futuro é radiante.

4. Carma significa que o bem gera o bem e o mal gera o mal.

Talvez isso soe fatalista: é verdade que o carma determina nosso destino e futuro. Entretanto, somos nós quem criamos nosso carma. O efeito cármico que vivenciamos depende do carma que nós próprios criamos. Poderíamos questionar: ‘O Iluminado Buda Shakyamuni ainda tinha carma negativo?’ A resposta é sim. Pode-se ter cometido incontáveis bons e maus atos em vidas passadas. Contudo, se não permitirmos que eles se manifestem, é como se não existissem. É como plantar sementes no solo: caso não lhes sejam fornecidas as condições adequadas para que germinem, nada acontecerá. Entretanto, sob condições adequadas, as sementes germinam e crescem saudavelmente, mesmo que entre elas haja algumas ervas daninhas. Isso significa que não precisamos nos preocupar demasiadamente com o carma negativo que realizamos no passado. Se continuarmos a plantar boas sementes nesta vida, as sementes de nosso mau carma anterior não terão a oportunidade de germinar. Assim, com esta compreensão mais clara a respeito do carma, podemos trabalhar efetivamente por nossa felicidade”.

II. A Segunda Característica: Gênese Condicionada

O Buda Shakyamuni, fundador do Budismo, iluminou-se sentado sob a árvore Bodhi, em Bodhgaya, na Índia. Qual foi a verdade que ele compreendeu quando se iluminou? Ele compreendeu o Princípio de Causa e Condição e a verdade da Gênese Condicionada. Percebeu que o princípio de todos os fenômenos surge de causas e condições e que a Gênese Condicionada é uma verdade imutável da vida e do universo. Durante os 49 (alguns dizem 45) anos em que ensinou o Darma, o Buda dirigiu seus esforços a elucidar a verdade da Gênese Condicionada para os demais. A Gênese Condicionada é outra característica singular que diferencia o Budismo de outras religiões”.

A Gênese Condicionada baseia-se na Lei de Causa e Efeito. Toda a existência (bhava) surge de causas e de condições. A existência de todas as coisas deste universo é interdependente. Em termos gerais, algo tão grande quanto o mundo e algo tão pequeno quanto um grão de poeira, uma flor ou uma folha de grama — tudo surge devido a causas e condições. O Princípio da Gênese Condicionada não é algo que possa ser explicado através da erudição acadêmica; deve ser vivenciado e realizado através da própria prática. Antes de o Buda renunciar à vida secular, já era bem versado na filosofia dos quatro Vedas, nas cinco ciências e na filosofia das 96 religiões praticadas em seu tempo. Depois de seis anos de práticas ascéticas e de meditação, ele finalmente compreendeu o Princípio da Gênese Condicionada e alcançou a condição de Buda”.

Havia um brâmane, chamado Shariputra, que praticava o Bramanismo há tempos e tinha muitos seguidores; no entanto, ele ainda não havia compreendido a Verdade. Um dia, Shariputra andava por uma rua de Rajagrha quando encontrou Asvajit, um dentre os primeiros cinco discípulos do Buda. Asvajit havia sido profundamente influenciado pelos ensinamentos do Buda, e sempre os colocava em prática. O porte e a aparência de Asvajit conquistavam o respeito daqueles que o viam. Shariputra perguntou-lhe respeitosamente: ‘Quem é você? Quem é seu professor? O que ele lhe ensina?’ Asvajit respondeu: ‘Todos os Darmas surgem devido a causas e condições; todos os Darmas cessam devido a causas e condições. É isso que o Senhor Buda, o grande sramana, sempre ensina’”.

Nesse contexto, a palavra Darma significa tudo na vida, todos os fenômenos do universo. ‘Todos os Darmas surgem devido a causas e condições’ significa que todos os objetos e fenômenos deste universo surgem devido à combinação de muitas causas e condições. Quando essas causas e condições se ausentam, objetos e fenômenos deixam de existir. Ao ouvir isso, Shariputra ficou extasiado. Ele comunicou a maravilhosa novidade a seu bom amigo, Maudgalyayana. Os dois, juntamente com seus próprios discípulos, foram seguir o Buda. Sob o seu ensinamento, Shariputra tornou-se um expoente de sabedoria entre seus discípulos, enquanto Maudgalyayana tornou-se o mais proeminente quanto a poderes sobrenaturais. Assim, podemos ver que o Princípio da Gênese Condicionada é a Verdade”.

 

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