Míriam de Magdala, de Apostolo a Pecadora

Novos fatos sugerem que Madalena foi uma mulher muito diferente daquela que pensamos conhecer. Então quem era a verdadeira Madalena? Embora saibamos alguma coisa sobre a sociedade judaica na antiga palestina de dois mil anos, dela pouco sabemos. Aparece nos quatro evangelhos, mas a Bíblia não fornece nenhum detalhe pessoal sobre sua idade, posição social ou família.

 

Seu nome nos dá a primeira pista real a respeito dela. O nome sugere que ela veio de uma cidade chamada Magdala. Esse nome aparece não apenas no novo testamento, mas também nos textos judaicos. Na verdade ainda existe um lugar chamado Magdala a duzentos km ao norte de Jerusalém, no litoral do mar da Galiléia. O nome completo da cidade era Magdala Tarikia. Magdala parece significar “torre” e Tarikia pode significar “peixe salgado” então o nome completo talvez fosse “torre do peixe salgado”. Seu comércio principal era a pesca. Sendo uma mulher que vivia em Magdala, Maria pode ter trabalhado nos mercados de peixe e se for assim deve ter tido uma vida dura. As existe alguma evidência histórica que a mostre como prostituta? O primeiro local a procurar é na própria Bíblia, porém o que surpreende é que ela nunca foi citada como tal. Então a idéia tem suas raízes noutro lugar, talvez em referência a um texto judaico sobre a cidade de Magdala. O texto judaico em questão chama-se “lamentações” e tudo que diz é que Magdala foi julgada por Deus devido a fornicação. Isso talvez explique a má reputação de Miriam. É possível que a descrição de Magdala como um local de fornicação seja a origem que surgiu na cristandade ocidental de que ela fosse uma prostituta.

Uma espiral de pressões sociais pode ter sido o declínio de Magdala. Sabemos que havia bordéis em outros lugares do mediterrâneo e a Galiléia provavelmente não era uma exceção. Ela fazia parte do Império Romano e impunha uma pesada carga tributária sobre as famílias e as mulheres costumavam pagar um preço mais alto. A conquista romana e o domínio imperial romano causou um impacto dramático sobre a Galiléia. Economicamente impôs as pessoas impostos cada vez maiores e surgindo a  opressão sobre as famílias que começaram a desintegrar. Podemos então imaginar as conseqüências dessa espiral de endividamento e a possibilidade de que talvez a própria família tenha cedido essa moça como escreva para saldar dívidas. Quando os impostos se acumulavam e as famílias não podiam mais pagar as dívidas, as crianças, às vezes, eram cedidas como escravas. Quem sabe tenha sido a sina de Maria Madalena. E uma vez sobre o controle de um credor que tinha poderes sobre seu corpo, sobre sua vida, é fácil imaginar o que podia acontecer a uma mulher na condição de Mirian. Numa situação assim tão dura não é difícil imaginar que ela pode ter sido uma prostituta, mas esse indício é puramente circunstancial.

Todavia, o nome Magdala pode sugerir outra coisa, simplesmente que ela não era casada. As mulheres casadas usavam o nome do marido, mas Mirian não, o que indicava que era solteira. Não há nada no limitado material que temos sobre Mirian nos evangelhos que indique que fosse casada. Ela não é descrita como sendo viúva e não há referência sobre algum filho. A dois mil anos uma mulher solteira era vista com suspeita, talvez isso a isolasse, mas não explica sua imagem negativa. Será que havia algo mais na vida dela que a tornasse uma hetaira? O evangelho de Lucas nos diz que Jesus lhe tirou “sete demônios”, o que significa que ela estava “possuída por espíritos malignos”. A história começa quando Jesus está pregando e curando pessoas na Galiléia. Jesus era conhecido como exorcista em todos os evangelhos. Uma das principais coisas que faz para a sua campanha de renovação de Israel são os exorcismos, além da cura e do ensinamento pregado que o reino de Deus está próximo. Naquela época, se alguém tivesse “possuído” achava que a pessoa merecia isto. Poucos devem ter se importado com o problema e Mirian. As pessoas acreditavam que os demônios possuíam a quem fez algo errado e, portanto merecia ser possuído, enquanto as pessoas boas, virtuosas eram protegidas da possessão demoníaca. Muitas culturas consideravam a possessão como uma espécie de “mensagem” onde Deus informava que a pessoa havia feito algo de errado e precisava responder a essa mensagem se arrependendo mudando o seu comportamento ou através de um sacrifício no templo, mas havia uma solução sobrenatural.

Naquela época as pessoas acreditavam nisso, mas hoje os pesquisadores acreditam poder ter sido simplesmente uma reação à opressão e aos maus tratos. Estudos antropológicos mostram que mulheres jovens brutalmente oprimidas não dispõem de qualquer recurso e se tentam se defender acabam piorando ainda mais sua situação. O único jeito efetivamente de reagir é adotando uma “personalidade demoníaca”. Isso equivale a se defender alegando insanidade. É possível que Mirian estivesse reagindo à opressão e fizesse isso através de personalidades demoníacas. Seja qual for a causa de sua possessão, segundo Lucas o exorcismo de Mirian é um catalisador que a faz aderir ao movimento de Jesus. Sendo uma mulher solteira, nada tem a perder por deixar sua casa e a mensagem de Jesus talvez fosse exatamente o que ela procurava. A mensagem que Jesus pregava parecia exercer uma atração especial sobre as pessoas que viviam à margem da sociedade.

Até agora os indícios nos dão uma imagem de Mirian que não confere com a da prostituta. Tudo que podemos supor era uma mulher marginalizada. Uma mulher que foi curada por Jesus e se tornou uma de seus seguidores. Mas a Bíblia não é a única fonte.Uma descoberta por acaso de alguns livros está revelando aspectos novos e surpreendentes sobre Maria. Em 1945, em Nag Hammad, no sul do Egito, dois homens encontraram um pote de cerâmica lacrado, esperando encontrar um tesouro eles decidiram quebrá-lo. Dentro eles descobriram vários livros antigos de papiro. Os pergaminhos do mar morto revelam a historia judaica desconhecida e os livros de Nag Hammad citam os primeiros cristãos. Foram escritos em copta, a língua do antigo Egito cristão. Stephen Nemel é um perito mundial em copta e esteve intimamente envolvido na restauração e tradução dos livros. É uma coleção de literatura inteiramente nova do antigo período cristão  e ela nos abre uma janela para aspectos diferentes daquele mundo, que de outra forma não teríamos acesso. A descoberta inclui o evangelho de Tomé, de Felipe e os atos de Pedro, nenhum destes textos foi incluído na Bíblia, uma vez que eles não estavam de acordo com a doutrina cristã e foram considerados apócrifos. Apócrifo é um livro do antigo período cristão que oferecia conhecimentos ocultos, secretos. Por exemplo, nos evangelhos do novo testamento é dito que Jesus após a ressurreição passou algum tempo conversando com os discípulos, mas não sabemos muito sobre o que ele falou. Nos evangelhos de Nag Hammad podemos ver o que ele disse. Embora não sejam textos da Bíblia, os peritos acreditam que eles contenham aspectos significativos sobre a história cristã. E isso é o que realmente interessa sobre esse tipo de literatura, a possibilidade de encontrarmos nestes textos tradições genuínas sobre Jesus que por um motivo ou outro não constam no Antigo Testamento e pela primeira vez em uma centena de anos aparece uma nova fonte de informação. Mas estes livros também revelam uma posição surpreendente sobre o círculo de Jesus. Maria Madalena aparece com freqüência como um dos proeminentes discípulos de Jesus. Em passagens nas quais Jesus discute com os discípulos, ela faz muitas perguntas pertinentes, enquanto os outros discípulos às vezes parecem confusos, ela demonstra entender. Isso é um desafio à imagem tradicional de Madalena – uma prostituta regenerada que ficava na periferia do movimento de Jesus.

Mas havia surpresas ainda maiores. Num dos documentos descobertos em Nag Hammad, no evangelho de Felipe, onde Mirian é uma figura chave. Este evangelho foi responsável por uma das alegações mais controversas já feitas sobre ela. Durante o longo tempo enterrado no deserto, alguns dos livros foram atacados por formigas. Neste evangelho elas fizeram um estrago numa parte importantíssima. Esta lacuna vem instigando pesquisadores há tempos. A passagem tem a ver claramente com Madalena, embora as formigas tenham destruído metade de seu nome, restou o suficiente para deixar bem claro que se trata dela. Aparece a primeira parte de seu nome, em seguida o espaço feito pelas formigas e depois “o salvador a amava”.A questão é o que vem a seguir pela forma como o texto prossegue, existe uma outra lacuna e a página seguinte onde os discípulos perguntam ao Salvador porque ele a amava mais do que a eles. Isso permite a construção dessa lacuna – “O salvador a amava mais que a todos os discípulos”.

Isso implica que Madalena e Jesus tinham um relacionamento especial, que ela era sua companhia favorita, mais próxima que os outros discípulos. E as lacunas das formigas insinuam uma ligação ainda mais íntima: – E ele a beijou na…”E aparece no começo de uma linha, então se segue a falha. É claro que esta parte que falta tem sido objeto de especulação por parte dos estudiosos. Onde exatamente ele a beijou? O mais provável, segundo eles, é que tenha sido na boca e isso pode ser restaurado com muita confiança baseado na gramática copta segundo S. Nemel. Porém pode hab\ver outra explicação para o beijo. Essa não sugere necessariamente sexualidade e sim a transmissão do conhecimento divino. O ato de beijar se torna um símbolo da recepção íntima dos ensinamentos da palavra de Deus, da verdadeira aprendizagem. No evangelho de Felipe, ela recebe ensinamentos particulares exclusivos de Jesus e talvez Jesus tivesse essas conversas porque ela compreendia bem as  suas mensagens. Madalena aparece neste texto não só como discípulo que ele mais amava, mas também como uma figura simbólica de sabedoria celestial.

Essas histórias de Madalena, como a companhia mais próxima de Jesus, apresentam um forte contraste com a Madalena da imaginação popular, representam uma visão tão diferente que o mundo do cristianismo tradicional negou serem cristãs. Tais controvérsias podem explicar o significado mais comum do termo apócrifo. Apócrifo assumiu conotações muito negativas, especialmente em comparação com aquilo que se transformou na Bíblia.Em geral significa o que não deve ser lido, não deve ser considerado, que não é verdadeiro. O conteúdo desses livros é considerado lenda por muitas pessoas. Então podemos acreditar no evangelho de Felipe? Há um outro indício para isto e parte dele é encontrado na Bíblia.

A Bíblia nos diz que Madalena esteve presente nos dois momentos mais importantes na vida de Jesus. Os evangelhos do Novo Testamento dão muito espaço sobre a história da prisão de Jesus, seu julgamento, sua crucificação e ressurreição. Um grupo de mulheres, inclusive Madalena, estava presente à crucificação. Aliás, os discípulos fugiram de medo. As mulheres ficaram junto de Jesus para testemunhar a crucificação. Em alguns evangelhos elas observam horrorizadas à distância, em outros elas estão chorando ao pé da cruz. O evangelho de João diz que Jesus recebe alguma coisa para beber, imaginamos que tenha sido de uma das mulheres, talvez, Madalena. Historicamente não sabemos se os romanos tenham permitido aos seguidores comparecerem às execuções, mas algumas mulheres estavam lá. O sofrimento de Jesus foi prolongado e finalmente o homem cujos ensinamentos transformara a vida de Madalena estava morto. Sem um líder, seus seguidores poderiam facilmente ter se desentendido e depois se separado.

Após sua morte, o corpo de Jesus foi colocado num túmulo na rocha, soubemos que Madalena foi uma das mulheres que ficaram em vigília. Não é difícil imaginar como foi para ela ungir o corpo de seu Senhor. Não é difícil imaginar como foi para ela ungir o corpo de seu Mestre. Era costume na época, as mulheres judias preparavam os corpos para o sepultamento, os cadáveres eram considerados impuros, portanto era tarefa das mulheres lidar com isso.

Miriam já estava de luto profundo. Testemunhou a execução horrível de Jesus, podo em risco sua própria vida. Mas seguindo a Bíblia, quando ela chega ao túmulo, o corpo do Messias não estava mais lá. O relato mais completo de Miriam, após descobrir a tumba vazia está no Evangelho de João. Em estado de choque, corre para onde estão os discípulos a fim de dar a noticia. Contudo, depois de dar essa notícia, os discípulos não acreditam nela, isso reflete perfeitamente a atitude deles frente ao testemunho de uma mulher. Pedro e os outros discípulos retornam à tumba para confirmar. Ao ver o pano usado, Pedro reage com raiva e desapontamento, mas outro discípulo compreende o que aconteceu e conclui que Jesus deve ter ressuscitado. Os dois vão embora, então algo mais extraordinário acontece. É o momento mais especial de Mirian de Magdala. Ela está sozinha, quando alguém lhe pergunta porque ela está chorando. Acreditando ser o cuidador do lugar, ela responde: “Eles levaram o meu Senhor e não sei onde ele está!” Então, ele a chama pelo nome e ela vê Jesus. Embora perturbada, ela diz: “Senhor!” E tenta tocá-lo. Mas ele a detém e diz: “Não me toque!” Em vez disso ela deverá procurar os outros e dizer sobre sua ressurreição. Esse é um momento impressionante. A ressurreição de Jesus foi o ponto decisivo para o cristianismo. Foi quando passou de um pequeno movimento para uma religião inteiramente nova. E Mirian foi uma figura chave neste acontecimento. Depois disso, poderíamos supor que fosse reconhecida como um apóstolo, como uma das primeiras missionárias que fundou a religião cristã, uma vez que ela parece corresponder a todos os critérios estabelecidos na bíblia. Se olharmos para o Evangelho de Lucas, ele afirma claramente que a qualificação para tornar-se discípulo de Jesus, era ter estado com Jesus durante seu ministério, ter sido testemunha de sua morte e ressurreição e poder assim ensinar o verdadeiro evangelho deixado por Ele. Mirian se encaixa perfeitamente neste lugar. Porém este a Bíblia nunca lhe atribuiu. Em nenhuma parte do Novo Testamento é chamada de apóstolo.

Para descobrir porquê, precisamos retornar à outro texto apócrifo há muito tempo perdido. Num bazar do Cairo, em 1896, um estudioso alemão encontrou, por acaso, um curioso livro de papiro. Mas a origem deste documento era bem misteriosa. Infelizmente não sabemos quase nada da descoberta do manuscrito. A história contada na época, era que vinha de Akimin no alto Egito. A cidade de Akimin abrigava uma comunidade cristã perseguida nos primeiros séculos. Este documento pode ter sido cuidadosamente escondido. Ao ser examinado mais de perto o texto se revelou como algo extraordinário. Era o evangelho de Mirian. Como os livros encontrados em Nag Hammad, o evangelho de Mirian, também é considerado apócrifo.A historia contida nele começa algum tempo após a ressurreição, os discípulos acabam de ter uma visão de Jesus. É ela quem se apresenta clama e sem medo, pedindo que dirijam seus corações para a virtude e começam a discutir as palavras do Salvador. Em livros como no Evangelho de Filipe, Mirian foi apresentada como um símbolo de sabedoria, mas no evangelho de Mirian ela está no comando e fala aos discípulos sobre os ensinamentos de Jesus.E também neste evangelho podemos comprovar sua sabedoria. Mirian fala aos discípulos o que lhes foi omitido e nos fala de uma visão que teve com Jesus. Mirian conta os detalhes desta conversa que tem a ver com o desenvolvimento espiritual e a batalha eterna da alma. Neste ponto surge a controvérsia; André se adianta e diz que estes são ensinamentos diferentes do Mestre.

Surge um ponto de discórdia, pelo menos um discípulo duvida da veracidade. Pedro interrompe e diz; “Será que devemos dar ouvidos a ela? Ele preferia ela a nós?” Mateus defende e reprime o ataque de Pedro. No texto, o problema de Pedro é que Jesus escolheu Mirian acima de qualquer outro para interpretar seus ensinamentos. Pedro vê Mirian como uma rival pela liderança do grupo. O texto deixa claro que o que a qualifica para a liderança do grupo é a maturidade espiritual. A ironia é que a maioria das pessoas considera Pedro como a rocha sobre a qual a igreja foi estabelecida. Ele é o discípulo mais importante e Mirian seria uma espécie de coadjuvante. O evangelho de Mirian representa um tamanho desafio na nossa visão de Mirian de Magdala que precisamos ter certeza de sua autenticidade.

Fica difícil datar com precisão os textos em copta. O mais incrível é que  mais dois fragmentos do evangelho foram encontrados num monte de lixo escritos em grego o que facilitou identificar a data. Os fragmentos podem ser datados tendo por base a sua caligrafia isso confere que o evangelho de Maria foi composto na primeira parte do século terceiro ou no século segundo, conforme estudos do Dr. Stephen Hemmel, maior especialista mundial em copta. Ele acredita ser autêntico. Conforme sua explicação, a fabricação proposital desses manuscritos na era moderna exigiria uma certa genialidade que simplesmente não existe. Essa pessoa teria de ser capaz de manufatura o papiro usando as técnicas que já se perderam há mais de mil anos, precisam conhecer a linguagem copta de maneira profunda que os maiores especialistas, terá de conceber cada detalhe de um mundo sobre o qual ninguém mais conhece.

Se o evangelho de Madalena for genuíno, pode fornecer a verdadeira razão pela qual ela desapareceu da Bíblia. De forma controversa, ela oferece uma visão bem diferente dos discípulos. Uma das coisas mais fascinantes sobre este evangelho é o fato de pedir que repasse a história do cristianismo. Será que os discípulos a entenderam? Será que realmente compreenderam e falaram a verdade? Isso é muito radical e até mesmo “herege”.Ele, o evangelho, apresenta Mirian como mestre e professora dos discípulos, não  apenas como uma discípula, é o apóstolo dos apóstolos.

Esse evangelho se originou da forma como os primeiros cristãos viviam. E a formação destes grupos foi moldada pelo local onde se encontravam. As primeiras igrejas eram os lares e atraíam pessoas amigas e assim por diante, fazer as refeições juntos era umas das práticas bases destas comunidades e como as casas eram território das  mulheres, elas naturalmente, desempenhavam um papel proeminente dentro dos grupos. Na carta de Paulo aos Coríntios, vemos que havia mulheres profetas dentro da comunidade cristã. Mas no segundo e terceiro séculos, já emergiam as dispersões nos grupos liderados pelos homens e os liderados por mulheres. Em alguns grupos, Madalena se tornou uma figura chave, uma espécie de modelo, representando, especialmente, a mulher cristã.

Mas o representante que diz não a elas é Pedro. O relacionamento de Madalena e Pedro acabou simbolizando este conflito. Existem vários escritos sobre os antigos cristãos em que a tensão entre Pedro e Madalena é bem evidente. A medida em que Pedro e as idéias que defendia se tornaram dominantes no movimento que crescia, o de Madalena como discípula importante foi minado e a medida em que a igreja se tornou mais institucionalizada as mulheres foram afastadas. E Madalena acaba se tornando vítima da luta pelo poder. Torna-se vítima da forma como a história é escrita. E quem escreve a história? Os homens escrevem a história. No quarto e quinto séculos, o simples exercício da liderança pública por mulheres é em si herético, então elas não podem ser ordenadas para se tornarem bispos ou sacerdotes. E segundo essa perspectiva, Madalena se torna um verdadeiro problema porque ela pode ser usada para confirmar a liderança das mulheres na igreja. Essa imagem não era popular junto aos líderes da igreja que crescia em Roma. Madalena estava prestes a ser derrotada. A igreja queria limitar a doutrina religiosa à Bíblia, então precisava extinguir idéias contrárias.

Os livros de Nag Hammad e o Evangelho de Maria, obviamente, eram um problema e assim os livros desapareceram.Mas esconder os livros não eliminou Madalena, ela não poderia ser removida das histórias de Jesus porque ela já existia como uma de suas seguidoras nos quatro evangelhos. Então era necessário achar um outro papel para ela. Era preciso uma história alternativa para Mirian. Daí ter surgido a versão de Madalena como prostituta. De fato, um exame mais atencioso da Bíblia revela uma verdade surpreendente. O caso de Maria madalena se tornar conhecida como a prostituta mais famosa do mundo tem a ver com uma certa leitura dos evangelhos. Há muitas mulheres chamadas de Maria nos evangelhos. Infelizmente, Madalena era mais uma delas, isso permitiu que fosse retratada de forma errada, como uma mulher decaída, tão conhecida para nós. O fato é que temos uma mulher que unta Jesus, em Lucas 7, que é chamada de pecadora, ela  unta Jesus com perfume, seca os pés com cabelos e chora. No evangelho de João, essa Maria é associada à outra Maria, a irmã de Marta que unta Jesus para o sepultamento. Essa Maria é confundida com Madalena que se torna assim, a mulher pecadora que untou Jesus. A partir daí fica fácil relacionar Madalena a toda mulher pecadora e sem nome que aparece nos evangelhos.

A questão é se ela é mulher que tipo de pecadora seria? E eles decidiram que era uma prostituta, porque esse é um pecado típico de uma mulher. Uma das maneiras pelas quais pode-se insultar uma mulher líder é ligando sua imagem a uma sensualidade inadequada e a prostituição. A transformação de Mirian de apóstolo em pecadora e depois em penitente estava tomando forma por volta do século sexto. O papa Gregório, o grande, através de um sermão revela o verdadeiro resultado moral deste ponto de vista. Na basílica de São Clemente, o papa declarou que os sete demônios originais de Mirian significavam todos os vícios dos quais depois se arrependeu e transformou em virtudes. E assim, Madalena, a líder apostólica se transformou em Madalena, a prostituta arrependida. Madalena agora tinha um outro papel, a nova igreja estimulava os convertidos a fé , a refletirem sobre seus passados pecaminosos e essa nova Madalena era o exemplo ideal. Podia ser usada para mostrar que as mulheres precisavam se arrepender e assim ela podia ser contrastada com a virgem Mãe e elas se tornaram juntamente a base para entender as mulheres e a sexualidade feminina no ocidente.

No seu papel como penitente Madalena ainda tinha muitos seguidores fieis, mas infelizmente sua reinvenção pecadora manchou o seu nome. A igreja dedicou um dia a ela, além de igrejas por todo o mundo, mas como uma santa que simboliza o arrependimento, talvez esteja na hora de rever o legado de Madalena. Devemos lembrar dela não só como uma seguidora de Jesus, ou como alguém que se arrepende, sobretudo como uma provável líder do antigo movimento cristão e não podemos esquecer de como ela foi transformada numa prostituta, pois isso nos traz grandes lições, mas ela não era só isso. Devemos vê-la como alguém que tem um lugar proeminente no movimento de Jesus. Ela foi testemunha da crucificação e da ressurreição. Ela e outras mulheres estavam, lá desde o inicio. Mirian de Magdala é uma mulher extremamente notável, foi ela sozinha quem revelou e deu inicio ao cristianismo.

Em 1.969 a Igreja Católica reconheceu que Madalena foi tratada injustamente. Eles retiraram o rótulo de penitente no dia dedicado a ela. Porém, muitos de nós a reconhecemos apenas como a prostituta, a campanha remonta a tantos séculos que é difícil resgatar a verdade, mas talvez um dia, essa mulher extraordinária (assim como outras) será reconhecida pelo que realmente foi, uma das fundadoras da fé cristã.

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