Neuroquímica e Neurobiologia da Meditação

Neurobiologia [correlata] emocional – parte II

Introdução

O que somos, o que sen­timos e as emoções que produzimos tem parte de sua origem muito abaixo da superfície cortical, em um aglomerado de estruturas e módulos anatomicamen­te esquisitos, e que em conjunto são conhecidos como o Sistema Límbico. Esse é o local onde o encéfalo gera os impulsos, o humor, os apetites, e toda a gama de emoções com as quais somos bombardeados durante nossa existência. Nossos pensamentos racionais, conscientes, são meros moduladores de nossas forças biologicamente mais primitivas, que de tempos em tempos emergem das profun­dezas neuronais onde habita o nosso submundo inconsciente.

Desenvolvimento

O encéfalo tem como função primordial manter-nos vivos e se reproduzin­do incessantemente. Todas as nossas funções ditas superiores que exercemos dia­riamente, tais como emitir pensamentos lógicos, agir com benevolência, elabo­rar teorias científicas, compor uma sinfonia ou simplesmente lavar roupas, aflo­ram de nossa função primordial. Logo, deveria ser natural a compreensão de que grande parte do nosso aparato encefálico seja destinado à aquisição de seguran­ça, sexo e alimento, ou seja, tudo o que nos dá prazer.

Desta forma, somos mo­vidos constantemente em busca das sensações prazerosas do mundo que nos ro­deia. Sem sexo não existe reprodução, sem alimento não existe vida, sem segu­rança não existe paz. Devido a isso, a evolução nos concedeu um encéfalo que é detentor de meios elaborados que atuam nos impelindo incessantemente na busca das sensações agradáveis. Esse encéfalo faz uso de um intrincado sistema de re­compensa e punição.

Primeiramente, nosso aparato encefálico cria um forte im­pulso que exige satisfação. Esse impulso é, na maioria das vezes, químico. A que­da da glicose no sangue produzirá fome, a liberação de neurotransmissores espe­cíficos produzirá o desejo sexual, e a solidão pode repercutir em alterações nas concentrações de outras substâncias químicas neurotransmissoras, gerando esta­dos comportamentais que nos impelem a procurar nossos amigos ou iniciar uma família. Esses impulsos são sempre acompanhados por uma sensação de vazio, seja a vacuidade do estômago, ou do espírito. Essa vacuidade tem sempre a mes­ma finalidade: deflagrar uma ação.

A ação é o ato em si, comer, fazer sexo ou so­cializar-se. Durante o ato, uma nova enxurrada de substâncias químicas são libe­radas, gerando sensações agradáveis de prazer. Não será difícil notar que o prazer está associado com todos os aspectos temporais da ação em si, e não somente com o ato sacramentado. Injeções intravenosas de glicose extinguem a fome, mas não geram o prazer, assim como uma ejaculação preco­ce priva o homem das prazerosas preliminares do amor. Por último, quando toda ação se completa e o ápice do prazer é atingido, advém a última das sensações: a satisfação. Friamente falando, toda a nossa vida foi permeada por este tripé gera­do nas estruturas límbicas: desejo, ação e satisfação.

Nossos comportamentos, ou a maioria deles, alicerçam-se nas flutuações de nossa química encefálica. Segundo algumas tradi­ções religiosas orientais, o que somos  em um determinado momento, é fruto da for­ma de como interagimos com a situação. Desta maneira, a raiva não somos nós, as­sim como não somos nós que está presente nos momentos de alegria. Os maiores res­ponsáveis por tais comportamentos são as tais substâncias químicas, que em úl­tima análise o Yoga, a meditação e as religiões tentam entender, dominar, e porque não dizer, de certa forma, extinguir. Talvez, a religiosidade não consiga supri­mir a química encefálica, mas o desenvolvimento de habilidades ditas espirituais possam, talvez, controlar este fluxo incessante dos rios químicos que correm pela mente.

No Yoga, um de seus pressupostos é o desenvolvimento da concentração, pois, uma vez focado em um só objetivo pelo maior tempo possí­vel, o yogue diminuiria seus estímulos sensoriais, reduzindo assim seu bombar­deamento químico encefálico. Desta forma, segundo alguns antigos textos, o yo­gue entraria em contato com o seu verdadeiro eu. Isso talvez faça o praticante de Yoga ter um maior grau de controle das situações ao seu redor, não se deixando subjugar inteiramente pela neuroquímica das emoções. Pois, cientistas voltados ao estudo da mente humana sobre os efeitos da prece e da meditação têm identificado inte­ressantes padrões neuroquímicos. Talvez, as experiências místico-religiosas não extingam totalmente as ações destas complexas moléculas, mas, ao que tudo indi­ca, podem nos tirar da condição de meros escravos da química encefálica.

A tradi­ção do Yoga, porém, não se limita a versar somente sobre esses aspectos fisioló­gicos do ser humano. De fato, a filosofia oriental extrapola em muito essas ques­tões. Neste artigo, entretanto, teremos a vertente fisiológica, neuroquími­ca, como um dos principais pilares de nossa explanação.

Durante anos, os cientistas acreditaram que os fenômenos emocionais fossem dependentes de todas as estruturas encefálicas. Coube a Hess, um cien­tista ganhador do prêmio Nobel de Medicina, há cerca de sessenta anos, iden­tificar as áreas especificas do encéfalo, relacionadas com os aspectos emocio­nais do ser humano. A metodologia utilizada por Hess foi invasiva, uma vez que ele implantou eletrodos em diferentes áreas do encéfalo de gatos, correla­cionando as atividades elétricas dessas regiões com as manifestações de com­portamento emocional produzidas pelo animal. Graças a Hess, atualmente te­mos algum conhecimento das áreas relacionadas com os processos emocio­nais. Dentre elas destacam-se o hipotálamo a área pré-frontal de nosso córtex e as estruturas relacionadas ao sistema límbico onde, pode-se afirmar, as emo­ções são deflagradas.

Uma das principais funções do sistema límbico é ativar um complexo sistema do tipo recompensa e punição. Esse sistema está em evolução há milhões de anos e, ao que tudo indica, até recen­temente, cumpria com eficiência e eficácia suas funções. No cerne de socie­dades que funcionam com escassos recursos, a recompensa oferecida por esse sistema para o ato da busca do prazer garante que os indivíduos dêem conti­nuidade aos seus objetivos, persigam seu jantar ou trabalhem de forma incan­sável para colher os víveres necessários para a sobrevivência. Mas, nos dias atuais, a busca pelo jantar se tornou por demais banal. Basta abrirmos uma lata de feijão, ou mesmo recolher os restos de alimentos abandonados no chão pela feira semanal. Não é de admirar que os nossos insignificantes atos do cotidiano produzam tão pouco prazer. Esta pode ser uma das explicações para o crescente número de praticantes dos esportes alternativos ou ra­dicais.

A emoção produzida em saltos de pára-quedas ou na descida de uma onda grande com uma prancha de surfe pode substituir as emoções que tínha­mos no passado, em nossas caçadas pelo alimento diário. Atualmente, se ca­çamos algo, são os preços reduzidos das ofertas dos supermercados, e isso não é nada emocionante se comparado com as emboscadas e ca­ças de outrora, que realizávamos em busca de nossa sobrevivência. Logo, ati­vidades lúdicas, permeadas com pitadas de perigo calculado, podem nos con­ceder a necessária dose de excitação diária.

Contudo, devemos retomar ao estudo das estruturas que formam o sistema límbico. Os componentes desse sistema podem ser divididos em componentes corticais e componentes subcorticais. Mas, quando aqui fala­mos corticais, estamos nos referindo ao grande lobo límbico, situado logo abaixo do córtex encefálico e acima das estruturas mais primitivas perten­centes ao sistema límbico. Córtex encefálico, lobo límbico e estruturas sub­corticais interagem de forma contínua através de inúmeros circuitos neuro­nais. O primeiro cientista que identificou parte desses grandes circuitos foi Papez, em 1937.

Papez observou alguns pacientes que morriam de hidro­fobia, e percebeu que muitas vezes experimentavam acessos de extrema fú­ria e terror nas horas que antecediam suas mortes. Ele tinha ciência de que essa patologia era transmitida através da saliva de cães portadores do ví­rus da raiva, e deduziu que o vírus atingia o encéfalo dos doentes. Ao disse­car o sistema nervoso de alguns pacientes vitimados pela raiva, Papez per­cebeu que alguns aglomerados de neurônios que formavam um grande “C” no meio do encéfalo tinham sido atingidos pelo vírus. Como os pacientes apresentavam violentos acessos emocionais, o cientista Papez hipotetizou que as estruturas límbicas deveriam estar relacionadas com o comportamen­to emocional humano. A partir desse achado histórico, a ciência começou a entender de uma forma mais apurada a participação de cada um dos com­ponentes do grande sistema límbico.

Giro do cíngulo, giro para-hipocam­paI e hipocampo perfazem os componentes corticais. Corpo amigdalóide ou amígdala, área septal, núcleos mamilares, núcleos anteriores do tálamo e núcleos habenulares compõem as estruturas subcorticais. Para este artigo é desnecessário e contraproducente um aprofundamen­to mais pormenorizado em todas essas tantas estruturas.

Hipotálamo: apesar do hipotálamo apresentar núcleos que não es­tão necessariamente envolvidos com os processos emocionais, mui­tas partes desse órgão neuroendócrino são destinadas a esta função. O hipotálamo é um aglomerado de núcleos especializados no controle dos nossos impulsos, assim como dos nossos apetites. É uma estrutu­ra muito pequena, pesando apenas 300avo da massa encefálica total. Mesmo assim, suas ações repercutem violentamente em todo o nosso organismo, e pequenas disfunções em um de seus núcleos podem ge­rar gravíssimos problemas físicos e mentais.

Dentre as inúmeras fun­ções controladas pelo hipotálamo, podemos citar: o controle da fome e da saciedade, os impulsos sexuais, a manutenção da nossa tempera­tura corporal, assim como a modulação da liberação de inúmeros hor­mônios que podem preparar nosso corpo para uma fuga ou uma luta, ou ainda para um repouso tranqüilo, sereno e descompromissado. Na área do sexo, por exemplo, o circuito neuronal básico que impera é o impulso recompensa-alívio. O ímpeto sexual é produzi­do através da liberação de substâncias químicas. A recompensa do or­gasmo é gerada devido à liberação do neurotransmissor dopamina, e a sensação de relaxamento se deve à liberação do hormônio ocitocina que, em última análise, dependente de estímulos hipotalâmicos.

Amígdala: é uma outra estrutura neuronal fincada nas profundezas do encéfalo. Na realidade, temos duas amígdalas, e os neurônios que as compõem são especializados em deflagrar estímulos emocionais, e também estão envolvidos com os processos relacionados à aquisição de memórias.

Hipocampo: é uma eminência alongada e curva que no ser huma­no está situada no assoalho do corno inferior dos ventrículos late­rais, acima do giro para-hipocampal. Participa ativamente de nos­sos estados emocionais, modulando-os. Além disso, é parte funda­mental na aquisição de novas memórias.

Os estímulos emocionais nascem nas estruturas citadas acima, todavia, devem ser processados pelo córtex frontal. Não obstante, existem conexões entre as obscu­ras áreas límbicas e as áreas de processamento cortical superior. Se essas conexões neuronais forem cortadas, o indivíduo terá dificuldades extremas de sentir e expres­sar suas emoções. Pelo que foi dito, pode-se perceber que o sistema límbico não tem soberania sobre nossas reações emocionais.

O tráfego de informações neuronais en­tre ele e o córtex apresenta duas vias, com os impulsos emocionais vindos de regiões profundas do encéfalo, moldando nossos pensamentos e comportamentos, e também com vias neuronais vindas do córtex, afetando as reações emocionais do encéfalo in­consciente. Contudo, existe muito mais conexões advindas do sistema límbico para o córtex do que do córtex para o sistema gerador de nossas emoções.

Para a grande maioria das pessoas, a emoção está quase sempre em uma situação onde comanda nos­sas ações cotidianas, e ser comandado pelas emoções pode ser desastroso em inúme­ras situações. Neste ponto, mais uma vez posso mencionar o supremo objetivo das práticas yóguicase meditativas, que é produzir indivíduos com mentes mais apazi­guadas, não subjugadas aos fortes impulsos emocionais.

Quando falamos de emoções, falamos de medo, aversão, pânico, culpa, amor, ódio, raiva, entre outras tantas. Mas deve-nos ser claro que tais emoções não são somente percebidas em nossa estrutura encefálico-mental. Todas elas são somatizadas, ou seja, percebidas em nosso próprio corpo. Não só o homem as percebe e as expressa corporalmente. A grande maioria dos animais expressa suas emoções de formas singulares. A alegria do homem se expressa pelo riso, no cão tal emoção pode ser percebida pelo abanar de seu rabo, no ser humano, o choro e suas repercussões somáticas são as expressões de nossa tristeza. Esses reflexos corporais indicam que somos portadores de curiosas vias que conectam as emoções produzidas na amígdala, com todas as nossas células corporais.

O circuito da emoção é extrema­mente complexo, mas pode ser resumido da seguinte forma:

  1. Os estímulos emocionais são produzidos pela amígdala.
  2. A emoção é conscientemente registrada no córtex frontal.
  3. Paralelamente ao envio das informações emocionais ao córtex frontal, a amígdala envia mensagens de cunho emocional ao hi­potálamo, e esse, por sua vez, envia mensagens hormonais ao corpo, com o intuito de criar as mudanças físicas que amplificam nossa percepção das emoções.
  4. Sendo assim, a raiva é acompanhada por fortes contrações mus­culares, elevação da Pressão Arterial e da freqüência cardíaca, en­tre outras somatizações. Já no amor, tais mudanças dão lugar às sensações de relaxamento muscular, leveza e plenitude.

Sem a retro-alimentação proporcionada pelos nossos corpos, as emoções não podem ser distinguidas dos meros pensamentos. Pessoas que tiveram lesões medu­lares são impedidas não só de realizar movimentos nos segmentos abaixo da lesão, como também não recebem informações sensoriais advindas desses mesmos seg­mentos. Isso explica o amortecimento das emoções comumente citado pelos paraplégicos.

Fica claro que, se as emoções interferem nas sen­sações corporais, muito provavelmente as sensações corporais podem também in­fluenciar nas emoções. Este é um dos pressupostos do Hatha-yoga, ou seja, o Yoga do corpo. Essa escola afirma que o desenvolvimento de nossas percepções pode ser melhorado na medida em que focamos nossa atenção em nosso próprio corpo. As séries de posturas físicas conhecidas como asanas devem ser realizadas com a má­xima concentração, com a maior calma possível, assim como com o menor dispên­dio energético.

Apesar de não encontrarmos textos que versem de forma explíci­ta sobre o que vamos falar, podemos afirmar que o Hatha-yoga, indiretamente, faz uso do conhecimento neurofisiológico atual para justificar sua importância. As sen­sações corporais de relaxamento e tranqüilidade retro-alimentariam nossas comple­xas estruturas neuronais límbicas, informando-as de que tudo vai bem, criando as­sim um ambiente favorável ao aparecimento de emoções positivas. O que as neuro­ciências estão afirmando hoje, já foi assegurado pelos adeptos do Yoga há milhares de anos.

Não só as neurociências, mas inúmeras vertentes da psicologia, da fisio­terapia e da educação física têm desenvolvido escolas de pensamento muito seme­lhantes ao Yoga. Embora nem sempre os precursores dessas novas técnicas explici­tem as fontes geradoras de seus insights metodológicos, quase todas elas devem ter bebido, ao menos alguns goles, da água do velho Ganges. Dentre essas técnicas po­demos citar a Eutonia, o Rolfing, a Bioenergética, o Pilates, a Reeducação Postural Global (RPG), a Reestruturação Corporal Global (RCG), o Treinamento Autógeno, o Renascimento, o Alongamento Consciente, a Ginástica Natural, e  outras tantas técnicas e metodologias com ênfase na ligação corpo-mente.

As emoções geradas pelo sistema límbico também cumprem um outro papel fundamental, que é o de causar impressão. Em um nível mais sutil de com­portamento, nossas emoções são basicamente utilizadas para produzir alterações comportamentais nas outras pessoas. Muitas vezes, mesmo que inconscientemente, nos comportamos de forma emocional com o intuito de manipular as outras pes­soas ao nosso redor. Pessoas extremamente emotivas geralmente reclamam da so­brecarga sentimental às quais estão sujeitas, muito embora a maior sobrecarga re­caia sobre as pessoas que convivem com o indivíduo demasiadamente emotivo.

Logo, as emoções podem nos ajudar a intimidar, influenciar e manipular todas aquelas pessoas que nos cercam, esta é uma via de duas mãos, pois suas emoções podem tanto ser maléficas quanto benéficas para aque­les que o cercam; basta lembrar dos discursos inflamados de Adolf Hitler e o con­seqüente magnetismo nefasto que influenciava seus ouvintes. Por outro lado, re­cordemo-nos do cativante e despretensioso sorriso de SS o XIV Dalai Lama, produzindo em nós gostosas sensações de paz e plenitude. Interessantes trabalhos têm mos­trado que as expressões de medo são captadas e identificadas pela amígdala. Essa, prontamente responde deflagrando impulsos neuronais que também produzirão medo.

Alguns gestos físicos, como encolher os ombros em sinal de desdém, ou encurvá-Ios em sinal de resignação, parecem ser processados pelo encéfalo de forma semelhante ao processamento realizado em função das expressões faciais. Logo, gestos e posturas do cotidiano conduzem-nos a estados emocionais diver­sos. Mais uma vez, podemos associar os pressupostos do Yoga com as recentes pesquisas científicas, pois algumas posições específicas, assim como alguns ges­tos (mudras) segundo esse sistema filosófico, podem nos ajudar a atingir eleva­dos estados conscienciais de paz e plenitude.

As informações sensoriais advindas de um sorriso ou de uma expressão truncada produzida por outro indivíduo atingem regiões de nosso encéfalo com velocidades diferentes. Em outras palavras, informações emocionais são en­viadas ao encéfalo consciente e à amígdala através de duas vias neuronais distin­tas. A via destinada ao sistema límbico é mais curta, conseqüentemente, as rea­ções emocionais são mais rápidas e instintivas do que as reações ponderadamen­te conscientes. Esse fato reforça algumas interessantes teorias elucidadas na psi­cologia atual, como a inteligência emocional defendida pelo psicólogo Ph.D. pela Universidade de Harvard, Daniel Goleman. Segundo ele, QI elevados não são garantia de sucesso. O controle de nossas emoções é o que pode nos conceder a verdadeira medida da inteligência humana.

As neurociências, com ajuda das novas tecnologias de varreduras de en­céfalo, têm realizado descobertas interessantes com relação ao sistema límbico. Tomografias computadorizadas e ressonâncias magnéticas feitas em psicopatas mostram que suas amígdalas são muito pouco ativadas por estímulos emocionais, exibindo pouca resposta neuronal à visão do sofrimento de outra pessoa, tam­pouco reagindo aos estímulos de ameaça. Um desses estudos averiguou quaren­ta e um assassinos condenados pela justiça. Os resultados da pesquisa apontaram também para uma menor atividade do lobo frontal, que entre outras funções exer­ce o controle de nossos impulsos, assim como o desenvolvimento de nosso senso ético-moral.

Tudo indica que a maioria dos serial killers sofre de um tipo de disfun­ção encefálica, problema que os impede de adequar seus atos frente à moralida­de necessária para o bom convívio social. Coincidentemente, as imagens de sata­nás trazem seus chifres situados exatamente no local onde nosso encéfalo exerce a importante função de bloquear nossos impulsos agressivos. Nes­te ponto, é lícito hipotetizar que, se os assassinos nasceram com defeitos nos cir­cuitos neuronais associados a essas regiões, muito provavelmente, homens santos como Mahatma Gandhi, SS Dalai Lama e Madre Tereza de Calcutá possam ser pro­prietários de circuitos neuronais um pouco mais sofisticados, concedendo-Ihes assim uma suprema moralidade.

Todas as situações emocionais são extremamente fortes, sejam elas emoções positivas ou negativas. Não é de se estranhar que todas as recor­dações de nossa vida estejam asso­ciadas a episódios vividos com emo­ção: o primeiro beijo, o primeiro re­lacionamento sexual, o primeiro amor, a morte de um ente querido, o sucesso no vestibular, uma festa surpresa de aniversário. Não é de se estranhar também que os primeiros passos para a aquisição de uma memória de longo prazo sejam realizados pelas estruturas límbicas, particularmente pela amígdala e pelo hi­pocampo. Como exemplo, podemos citar algum medo condicionado que habita nosso encéfalo.

O hipocampo é a parte do sistema límbico que fica encarrega­da de armazenar memórias recentes e gradativamente transferi-Ias para os de­pósitos mnemônicos corticais de longo prazo. Essas transferências são lentas e, via de regra, armazenamos em nossa biblioteca encefálica somente aquilo que é de extrema importância para a nossa sobrevivência. Um lutador ao perder uma luta por nocaute técnico fica momentaneamente paralisado. Todas as funções do corpo são diminuídas, e a sensação de derrota, de desprazer e de dor são ar­mazenadas nas estruturas neuronais do hipocampo e amplificadas na mente do indivíduo em questão. Tudo isso com um único objetivo: fazer com que o luta­dor nunca mais se esqueça do gosto amargo da derrota, e que assim jamais vol­te a cometer os mesmos erros.

Um dos maiores pro­blemas do estudo do Yoga e da meditação é encontrar meditadores altamente experientes que estejam dispostos a trabalhar em conjunto com os cientistas. Há alguns anos atrás, alguns pesquisadores, entre eles os renomados Richard Da­vidson e Francisco Varela, rumaram para a Índia, mais especificamente para as montanhas de Daramsala, com o objetivo de investigar a eletroencefalogra­fia de alguns yogues que lá habitavam.

Contudo, mesmo munidos de uma carta de apresentação escrita pelo Dalai Lama, os citados pesquisadores foram igno­rados pelos yogues. Segundo eles, o que as máquinas mediriam poderia não ter nenhuma relação com o que acontecia em suas mentes durante a meditação. Os cientistas poderiam afirmar que a meditação era ineficaz, e isso poderia gerar a dúvida nos yogues. Sendo assim, todos os yogues habitantes das montanhas de Daramsala recusaram-se a participar do experimento e voltaram a meditar na solidão de suas gélidas cavernas.

A grande maioria dos trabalhos científicos realizados com meditação e Yoga, faz uso de praticantes não muito experientes, e somente uma pequena par­cela desses estudos teve o privilégio de investigar exímios praticantes como o Lama Oser. Oser, nascido na Europa e convertido ao budismo ainda jovem, pas­sou mais de trinta anos recebendo uma rigorosa educação budista nos arredo­res do Himalaia. Segundo relatos, qualquer pessoa que o encontre o considera um ser humano resplandecente, em razão de seu magnetismo e seu sorriso con­tagiante. Oser é um dos poucos monges altamente experientes, que tem partici­pado, conjuntamente com os cientistas, da investigação dos mecanismos asso­ciados à meditação.

Entre os pesquisadores que têm trabalhado com Oser pode-se ressaltar Paul Ekman, professor de psicologia e diretor do Human Interaction Labora­tory da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, em São Francisco, e talvez a maior autoridade no estudo das expressões emocionais e sua relação com as mudanças fisiológicas. Fora isso, Ekman é autor de mais de cem artigos acadêmicos, além de catorze livros científicos. Ekman realizou uma grande quantidade de investigações com Oser, e suas descobertas, segun­do ele mesmo, são fascinantes e revolucionárias. Ao que tudo indica, o exaus­tivo treinamento mental realizado pelo Lama Oser, através de toda a sua vida, produziu algumas adaptações encefálicas que foram identificadas pelas pes­quisas de Ekman:

Percepções emocionais: Ekman testou Oser submetendo-o à apre­ciação de uma fita de vídeo na qual uma série de rostos é mostrada por não mais do que 1/30 de segundos. Os rostos trazem expressões de desdém, de raiva, de medo, de aversão etc. Os estudos prévios de Ekman demonstram que aquelas pessoas que se saem melhor na identificação de tais expressões associadas a diversas emoções são mais abertas a experiências novas, assim como mais curiosas. Para surpresa de Ekman, Oser obteve o melhor índice jamais medido em seu laboratório, conseguindo identificar inúmeras expressões, mes­mo aquelas mais sutis, e que eram projetadas pelo menor tempo pos­sível. Os resultados do Lama Oser foram dois desvios-padrão acima da norma utilizada nesses testes. Isto significa que o Lama Oser de­monstrou uma superacuidade na percepção das emoções humanas.

Reflexo do susto: Paul Ekman também submeteu o Lama Oser à investigação de um reflexo fisiológico associado ao susto. Para todos os seres humanos submetidos a um som alto, ou a uma vi­são súbita e desagradável, respostas fisiológicas padrão são defla­gradas: músculos faciais se contraem instantaneamente, em espe­cial ao redor dos olhos. Como todos os nossos reflexos, o reflexo de susto é deflagrado em nosso tronco encefálico, e por mais que nos esforcemos, não conseguimos bloqueá-Io por se tratar de um reflexo neuronal primitivo.

O Lama Oser foi submetido à audição de ruído estridente, e conseguiu reprimir tal reflexo de forma vo­luntária. Segundo Paul Ekman, a ciência jamais tinha encontrado alguém capaz dessa façanha, o que, segundo o mesmo cientista, é um fato espetacular. Cabe ressaltar que o LamaOser durante a experiência encontrava-se em estado meditativo. Segundo o pró­prio Oser, o som explosivo pareceu-lhe suave, como se estivesse distanciado de suas sensações.

Controle emocional: o Lama Oser ainda foi submetido a uma ou­tra interessante experiência. Suas reações fisiológicas, como a freqüência cardíaca, a sudorese e a pressão arterial foram medi­das durante alguns encontros sociais. Em seu laboratório, Ekman escolheu dois cientistas dedicados a teses racionalistas e mate­rialistas, e os incumbiu de discutir com Oser assuntos que garan­tissem discordância. Foram escolhidos os temas reencarnação e abandono da ciência em prol da religião. Um dos cientistas era mais tolerante e o outro era extremamente cáustico, desafiador e pouco simpático. Durante as conversas, Oser manteve-se sereno e sorridente, e suas reações fisiológicas mantiveram-se inaltera­das. Ao término do embate, o cientista mais intolerante afirmou: “Não consegui afrontá-Io. A reação dele era sempre racional e sorridente, é espantoso. Senti algo semelhante a uma sombra ou aura, e não consegui ser agressivo”.

Os trabalhos de Paul Ekman fazem parte de um grupo de investigações que tem rendido interessantíssimas descobertas. O Lama Oser, assim como renoma­dos budistas tibetanos, tem sido investigado por outros cientistas, como Richard Davidson. Mas voltando aos tra­balhos de Ekman, a participação de Oser tem sido descrita por esse pesquisador como muito importante no estudo de seres humanos extraordinários. Segundo o próprio Ekman, a psicologia sempre fez uso dos aspectos problemáticos, anor­mais e, quando muito, comuns em suas investigações, nunca se interessando pelo extraordinário, o altamente positivo, o bem acima do normal.

Ekman foi um dos primeiros cientistas que se propôs a estudar as pessoas que se auto-superam, que se diferenciam das demais. Martin Seligman, psicólogo da Universidade da Pensilvânia, tornou-se famoso devido às suas pesquisas com o otimismo. Graças a ele, assim como a Paul Ekman, a psicologia tem visto surgir nos últimos anos um ramo que está sendo chamado de psicologia positiva, destinada ao estudo científico das qualidades humanas positivas geradoras do bem-es­tar. Segundo Ekman, as pessoas extraordinárias existem em todas as culturas e tra­dições religiosas, sendo encontradas com mais facilidade nas contemplativas.

Es­sas pessoas, a despeito da religião que praticam, apresentam quatro qualidades em comum: emanam uma sensação de bondade percebida de forma consensual por to­das as pessoas ao redor; são desprendidas e despreocupadas com status, fama e ego, são detentoras de uma atratividade pessoal, gerando o desejo nas outras pessoas de estarem próximas a ela, e por fim, eles demonstram um enorme poder de concentra­ção. Paul Ekman identifica o Lama Oser como um indivíduo extraordinário assim como SS Dalai Lama. Não é à toa que SS Dalai Lama é conhecido pelo título tibe­tano Kundun, que pode ser traduzido por “presença”, o DaseinSorge. plenamente autêntico e imerso no

Como vimos até aqui, as estruturas límbicas são deveras importantes para nossa vida mental, assim como para nossas emoções. Nos últimos anos, a prática da meditação tem se mostrado benéfica no controle de nossas emoções. Contudo, outras interessantes pesquisas têm atribuído a esse sistema uma outra qualidade. Talvez, enterrado em nossos núcleos neuronais, exista nossa percepção do divi­no.

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