O Judaísmo

A Revelação (Torah) no monte Horeb constitui o evento fundador da religião de Israel, ocorrida após a saída do povo judeu do jugo egípcio (veja anteriormente, em OS HEBREUS). Ela incluía os dez mandamentos de Jeovah dados a Moisés no monte Sinai, semelhantes aos escritos pelos rishis indianos (no Rigveda) e por Hamurabi (em seu código), e mais de 600 leis que formavam um extenso código de conduta com requisitos espirituais, morais e físicos.

Toda a Torah mostra que provavelmente houve influência babilônia no mito da criação, no mito do dilúvio e no código de leis dos hebreus, provavelmente resquícios do amálgama cultural, que resultou do seu cativeiro na Babilônia (587-538 a.C.)

Rezavam sempre voltados para o Templo e seguiam um calendário baseado na Lua. Após 538 a.C., com o fim do exílio na Babilônia e início do domínio persa e dos medos, cresceu em importância entidades intermediárias, como os anjos, provavelmente devido às suas influência religiosas. A essa época os samaritanos, descendentes do Reino de Samaria (vide anteriormente na história dos Hebreus), preservaram o culto antigo e erigiram seu próprio templo no monte Gerizim, sendo considerados hereges pelos judeus. Posteriormente, todos sofreram domínio grego (331-64 a.C.) e romano (a partir de 64 a.C.).

Sob domínio grego, foi iniciada (século III a.C.) a tradução da Bíblia para o grego (a Septuaginta) e se tornaram, os judeus, familiarizados com a língua, cultura e filosofia gregas, como pode se ver nas crenças dos fariseus e nos escritos de Fílon de Alexandria (20 a.C.-40 d.C.).

O judaísmo diversificou-se, de forma que nos primeiros anos da nossa era haviam quatro seitas. Vale salientar que esse termo não tem o significado de oposição à religião, mas é usada no sentido de escola ou facção, uma vez que não haviam definições dogmáticas obrigatórias e as exigências doutrinárias eram limitadas a duas: fidelidade ao Deus de Israel (Jeovah) e observância dos rituais e prescrições morais da Lei (Torah).

  • Os saduceus (conservadores), do ponto de vista político, eram pacifistas, mesmo porque não tinham razões profundamente ideológicas de oposição ao espírito heleno-romano. Eram antes uma classe social, a dominante, rica, mentalmente evoluída e ajustada ao desenvolvimento helênico, composta de aproximadamente 4.000 membros, descendentes do sacerdote de Davi, Sadoc. Rejeitavam a ressurreição e a vida futura (pois a alma morria com o corpo), os anjos, o culto com ritual muito rigoroso, etc., pois “não procedem de Moisés”, da Torah. Seu conceito de Deus era mais filosófico, ou metafísico, que o das seitas inovadoras. Deus seria pessoa distante e de raras interferências milagrosas no mundo. Dominavam no Templo de Jerusalém como sacerdotes.
  • Os fariseus (nacionalistas e reformistas moderados), como grupo já definido no decurso do governo de João Hircano (136-106 a.C.), buscavam manter a identidade do judaísmo na fidelidade à lei e aos profetas, com oposição ao espírito heleno-romano. Como oposição, situavam-se fora do círculo dos sumos sacerdotes, os quais dependiam diretamente dos governantes. Eram em geral encarregados nas funções de escribas e rabinos (mestre ou doutores da lei), com sua influência se estendendo especialmente às sinagogas. Os fariseus tinham o aspecto de uma sociedade, com caráter de escola religiosa. Acreditavam que a alma era imortal e que após a morte eram recompensadas ou castigadas segundo os seus atos, demonstrando clara influência do pensamento helênico em suas crenças. Umas seriam eternamente prisioneiras no pós-morte e outras voltariam à vida. Ao tempo de Jesus teriam sido cerca de 6.000 membros.

Doutrinariamente os fariseus admitiam não somente os livros sagrados da Lei (Torah), mas também os Profetas (Nebim). Valiam-se ainda das tradições orais, das quais o Talmud é um depósito por eles criado. A manutenção dos Profetas e das tradições representava a crença nas doutrinas que tiveram desenvolvimento após o cativeiro de Babilônia. Quando os judeus estiveram em contato com os persas, e respectiva religião mazdeísta, deles tomaram novos desenvolvimentos para a doutrina sobre os anjos, os demônios, a ressurreição e a ritualística, que passaram ao elenco doutrinário dos fariseus. Seu expoente foi Saulo de Tarso.

As prescrições legais foram rigidamente praticadas pelos fariseus. O jejum e a observância do sábado são rígidos, sendo em geral avessos ao ascetismo. Não consideravam o mundo e a matéria como maléficos, mas sim como uma criação boa, feita por um Criador bom que não pode ser representado com substâncias perecíveis, imagens, mas tão-somente concebido com a mente. Casavam-se, em geral aos 18 anos para “não serem contaminados por pensamentos pecaminosos … pois o homem está sempre na escravidão do desejo que só o casamento liberta” (Talmud).

O mesmo rigor é apregoado com referência às prescrições bíblicas de não contaminação com os gentios, aos quais procuravam converter. Dizia o rabino Hillel, do século I a.C.: “Aquilo que não queres que te faça, não faças ao outro. Esta é toda a lei e o resto é apenas comentário”. Segundo Tácito (56-120), os judeus eram extremamente leais entre si e sempre prontos a demonstrar compaixão, mas perante todas as outras pessoas só sentiam ódio e inimizade. “Embora como raça sejam propensos à luxúria, exaltando a fertilidade feminina, aceitando o concubinato e o divórcio e protegendo todos os recém-nascidos, gostam de guerrear, exaltando também a coragem masculina”.

  • Os zelotas (ativistas, subversivos, guerrilheiros), sem organização definida, ligados apenas a uma idéia de força messiânica, passaram a contar com elementos de todos os demais grupos à medida que se intensificaram os incidentes com as tropas dos procuradores romanos, formando-se um partido da revolução contra o domínio romano. Uma facção mais extremista, conhecida como Sicarii (“homens do punhal” em grego), matavam romanos e seus simpatizantes na rua, espalhando o pânico. Deram os seus primeiros passos à luta aberta em 66 d.C..
  • Os essênios (escatologistas, celibatários, rurais), surgidos por volta de 150 a.C., habitaram as grutas de Qumran, no deserto, por volta de 100 a.C.. Foram citados pelo historiador romano Plínio (23-79), o Velho (História Natural), por Flavius Josephus (Antigüidades Judaicas XVIII, 2 e Guerra Judaica II,12) e nos escritos rabínicos. Fílon de Alexandria (20 a.C.-40 d.C.) chamava-os de atletas da virtude e teriam chegado a 4.000 membros. Passaram uma época de exílio em Damasco, devido a conflitos com adversários judeus, detentores do poder leigo e religioso em Jerusalém (época do despertar da espera messiânica), e após sua volta a Qumran, lá permaneceram até 68-70 d.C., quando foram expulsos pelos romanos. Sua comunidade será descrita com mais detalhes posteriormente.

Em aproximadamente 100 a.C. surgiu entre os judeus um homem conhecido como Jeschua Ben Pandira, que teria realizado inúmeros milagres e se voltado contra eles, motivo pelo qual teria sido apedrejado até a morte e enforcado em uma árvore pelos próprios judeus.

Os rabinos mantinham a resistência espiritual do povo judeu, contra várias seitas emergentes. Após a guerra aberta contra Roma, o judaísmo, que até então subsistia como organização religiosa com um governo títere, perdeu sua velha estrutura, desaparecendo tanto o suporte saduceu, que controlava o governo religioso, como também o essênio, porquanto também se desmonta a vida rural. As comunidades essênias foram dispersas com a guerra, sendo assimiladas pelo judaísmo farisaico, que toma a liderança, e pela seita cristã emergente.

Às seitas judaicas se acrescentou a dos cristãos. Considerada similar a dos essênios, era constituída pela população urbana, a dos nazarenos, que em Antioquia passaram a ser denominados cristãos. Com a particularidade especial de serem fortemente escatológicos, acreditavam em Jesus como o Messias ressuscitado que logo voltaria. O total silêncio sobre os essênios no Novo Testamento, e também, o total silêncio sobre os cristãos e Jesus nos escritos essênios, nos faz pensar numa identidade entre eles. Já então era claro o conflito entre os cristãos e os judeus fariseus, nada ganhando estes com a expansão daqueles.

Em face de que os primeiros cristãos não diferiam muito dos essênios e que os zelotas não eram definidos senão como ativistas, arrolando seus membros entre as demais seitas, Flavius Josephus (37-100) reduzia as seitas a apenas três: “…a primeira era a dos fariseus, a segunda a dos saduceus e a terceira, a o dos essênios, que é a mais perfeita de todas.” (Guerra Judaica II,12).

Já o judeu Fílon de Alexandria (20 a.C.-40 d.C.) cita a existência dos, por ele denominados, Terapeutas de Alexandria, os “padres do deserto”, adeptos da vida contemplativa, filósofos em busca da Inteligência criadora e médicos que cuidam do corpo através do cuidar do sopro (pneuma) que o anima, a dimensão espiritual. Para eles, saúde plena era a saúde do corpo (soma), da alma (nephesh), da psique (nous) e do espírito (pneuma) – vide Volume 2.

Como os essênios, se dedicavam ao estudo das Escrituras, sem a dimensão escatológica essênia e sem a figura do Messias que viria combater os “exércitos do mal”. Não há o “Mestre de Justiça” e há um incentivo à vida solitária e não em comunidade, como o faziam os essênios. Praticavam a cura, mas não visando apenas o corpo, mas também os males do psiquismo, do “Ser que É”. Oravam ao nascer do Sol e ao seu pôr, e dedicavam o dia a exercícios e à interpretação das Escrituras por meio de alegorias, nunca literalmente, num santuário em suas residências, sozinhos, durante seis dias da semana. No sétimo dia se reuniam em assembléia, onde o mais sábio discorria sobre o verdadeiro sentido de alguma alegoria das Escrituras. Diferentemente dos outros judeus, as mulheres (terapêutridas) participavam em tudo com os homens.

Reservavam tão somente a noite para as necessidades do próprio corpo, como a alimentação, havendo aqueles que se alimentavam somente no sétimo dia, considerado santo para eles. Um dia de festa, em que finalmente cuidariam do corpo, massageando-o com óleos para relaxá-lo e alimentando-o com água da fonte e pão temperado com sal, mas fugindo da saciedade como um inimigo astucioso.

A cada sete semanas se reuniam, vestidos de branco, com gravidade e alegria, para um banquete sagrado em que se servia água fresca (morna para os mais velhos), pão com fermento e sal para tempero. Antes se era lida ou discutida alguma parte das Escrituras e cantavam-se hinos de louvor. O canto retornava ao final da refeição, em forma de coros, perdurando até a aurora, quando então se voltavam ao nascente e observavam o Sol nascer. Levantavam as mãos ao céu, oravam pedindo um dia favorável aos seus estudos e retornavam aos seus santuários em suas residências.

O judaísmo, espalhado pelo mundo, foi perseguido, do século XII em diante, principalmente pelos católicos. No século XVIII, como forma de revigorar a religião e o povo de um período negro, surgiram, como dito anteriormente, dois movimentos: o hassidismo e o caminho de Hascalá, defendido pelo filósofo alemão Moisés Mendelssohn (1.729-1.786). Esse afirmava que os judeus tinham que se adequar à cultura ocidental se quisessem sobreviver. Devido às perseguições o movimento centrou forças na busca de um Estado judeu originando o conceito de sionismo, sob a inspiração de Theodor Herzl (1.860-1.904). O hassidismo baseou-se nos ensinamentos de Israel ben Eleazar (1.700-1.760), conhecido como Ba’al Shem Tov (Mestre do bom nome), escritos na Cabala.

O judaísmo, sem dogmas aceitos universalmente, professa a fé na Shema, oração baseada numa passagem do livro da Torah: “Ouve, ó Israel: O Senhor nosso Deus, é Um só” (Dt 6:4). Paulatinamente o conceito de uma alma imortal, dos gregos, foi aceita por todos os judeus, enquanto a ressurreição dos mortos não o foi. A literatura cabalística acrescentou o conceito de reencarnação, proveniente dos hindus.

Atualmente (cerca de 20 milhões de seguidores) estão divididos em ortodoxos (que ainda esperam o Messias), os hassidins (cabalistas), os reformistas (seguidores de Mendelssohn) e os conservadores (ramificação dos reformistas)

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