O Morrer Inconsciente

Quando o quaternário superior, separado do corpo físico-etérico e do Prana que o dava vida, adentra no mundo dos desejos (Kama-loka), a díade superior, Atma-Buddhi, tenta extrair para si a essência (as afeições nobres e aspirações puras) da díade inferior, Kama e Manas superior, para renascer no Rupa-loka do Devachan. É um período de tempo terrestre que varia desde algumas horas até uns poucos anos (na dependência de fatores como o estado mental no momento da morte, o caráter da morte, etc.). É como uma tentativa de extrair todo o perfume e beleza de uma flor para a fabricação de uma essência perfumada, deixando para trás a flor esmagada e em decomposição.

 

Se conseguir, o que restar de Kama e Manas superior permanece no Kama-loka como um “cascão espiritualmente vazio” (o Kama-rupa, corpo astral de desejos ou fantasma) e, gradualmente, desenvolve uma espécie de vaga consciência própria a partir do que lhe restou de personalidade, a qual somente se manifesta quando encontra algum intermediário vivo (um médium). Essa consciência do cascão engloba tudo o que foi considerado indigno e deixado como refugo sensório-psicológico nos cinco Skandhas inferiores. Esses “cascões” astrais ou “elementares” são os “espíritos” comumente recebidos em mesas mediúnicas, que estão vagando pela atmosfera terrestre sem parte de sua memória e com seus instintos animais plenamente despertos, mas conscientes somente quando incorporados ao cérebro do médium.

Sem um organismo humano, o cascão permanece “adormecido” até o seu total aniquilamento. Com intermediários humanos, após um considerável período de tempo de repetidas “incorporações”, adquirem uma vaga consciência de sua própria morte física, exceto se o cascão for proveniente de pessoas apaixonadamente apegadas ao Eu, que tiveram um enorme desejo de continuar vivendo e cujo último pensamento foi “eu não posso morrer”. O mesmo caso ocorre em certos suicidas e em feiticeiros mal-sucedidos.

Do contrário, uma exceção à regra, se a díade superior, Atma-Buddhi, não conseguir extrair nada dos princípios inferiores, são esses que extrairão tudo o que possa restar de lembranças e percepções pessoais de Atma-Buddhi 3:302Atma-Buddhi não renascerá no Rupa-loka do Devachan nem terá qualquer lembrança dessa encarnação, e, depois de um período prolongado de descanso totalmente inconsciente, se verá desperto novamente em outra reencarnação física. Quanto aos princípios inferiores (um tipo pior de cascão astral), eles não passarão muito tempo no Kama-loka, reencarnando logo a seguir como um “equívoco da Natureza”. Monstros mentalmente insanos em sua maldade, reencarnarão sem conexão alguma com o divino (“Deus não estará neles”), pois não haverá princípios superiores (Atma-Buddhi). 

Esse primeiro período do Bardo, em que ocorre a “luta” entre Atma-Buddhi (a Mônada dual) e Kama-Manas superior, uma nova versão da luta do “Eu Superior” com o “eu inferior”, tem uma função bem definida. Todos os sentimentos, percepções e emoções puramente espirituais de Buddhi são fortalecidos e cimentados pelas sensações psicológicas relacionadas e guardadas naquela parte de Manas que é incorporada à Mônada dual. A incorporação de Manas possibilita a retenção da própria noção divina e espiritualizada da Mônada, que de outro modo não teria autoconsciência alguma.

Então, após um período intermediário de total inconsciência, no qual ocorre a “gestação” de Atma-Buddhi, após ter assimilado o melhor de Kama-Manas superior, Atma-Buddhi (a Mônada dual) adentra ao Devachan tão puro e inocente quanto um bebê no mundo físico, trazendo consigo todo o carma de suas boas ações, palavras e pensamentos, e sendo recompensado por isso. Seu mau carma é deixado para trás, em campos de ressonância morfogênicos (Rm 6:7), para segui-lo posteriormente com sua próxima personalidade em sua próxima reencarnação, pois nenhuma lembrança sensual, material ou impura pode seguir a memória purificada até o Devachan. É um tipo de estado consciencial em que a díade fica completamente envolvida em suas afeições, preferências e pensamentos terrestres, sem nenhuma sombra de dor, aflição ou tristeza: mais um estado de Maya, só que cem vezes mais intenso 3:299.

Cria para si uma história de felicidade com os entes queridos, desencarnados ou não, a qual vive como em um sonho. Assim, o Devachan é um estado pessoal de bem-aventurança, um paraíso feito de idéias, existindo em tantas formas quanto as diferenças de percepção do homem: a bem merecida recompensa pelo bem realizado. E é esta variedade que o guiará no renascimento em uma condição mais baixa ou mais elevada.

Na realidade, a Mônada dual (Atma-Buddhi) não poderá existir nem ter existência consciente no Devachan, sem ter assimilado e registrado em sua memória algum atributo mental abstrato e puro em seu corpo causal. Ela precisa de qualquer atributo superior de Manas para despertar a sua consciência, especialmente a consciência de uma individualidade pessoal. Por isso, crianças mortas prematuramente, antes do aperfeiçoamento de seus sete princípios, não encontram seu caminho ao Devachan, mas reencarnam imediatamente, da mesma forma, que os deficientes mentais congênitos e aqueles citados “equívocos da Natureza”. Utilizando-se da mesma personalidade prévia (psique) registrada nos princípios inferiores (Kama e Manas superior), mas em um novo corpo físico-etérico, nesses casos é Manas quem reencarna.

Há, no entanto, duas situações especiais de morte: os suicidas e as vítimas de acidentes. Considera-se suicida somente aquele que teve motivação real de morrer com o ato realizado, ou seja, aqueles que praticam o suicídio em plena consciência de que o seu ato culminará em sua morte prematura. Nessas duas situações, o período passado no Kama-loka será a quantidade de anos que restava, no momento da morte física, à programação de vida dessa encarnação.

“É Ele quem leva vossas almas… Depois vos acorda até que se cumpra o tempo prefixado de vossas vidas. Então voltareis para Ele. E Ele vos revelará o que tiverdes feito”.

Alcorão 6:60

Os suicidas ao chegarem no Kama-loka com seus quatro princípios superiores, percebem-se ainda “vivos”, pois mataram apenas a sua tríade física, e envolvidos com suas próprias angústias. Num sofrimento muito mais intenso e atormentados por elementais parasitas (Cf. no Volume 3 em “O MUNDO ASTRAL”), se tornam tentados a recuperar o controle sobre sua própria vida por intermédio de intermediários vivos: os médiuns. Mas, ao fazê-lo repetidamente, Kama-Manas se afasta progressivamente de Atma-Buddhi até perder definitivamente a sua conexão com ele, a qual já estava por um fio. Perdem a última chance de aceitar seu estado, sem se lamentar, e aproveitar as possibilidades de redenção.

Quanto aos acidentados, como não são responsáveis diretos pela sua morte, embora possam até ter agido para tal de forma indireta, sejam eles bons ou maus se tornam inconscientes até a hora da disputa final entre Kama-Manas e Atma-Buddhi. Nessa hora têm-se três situações. Na primeira, se tiverem sido muito bons e puros, cairão num estado de sonho agradável, ou sono profundo sem sonhos, no qual não se lembrarão do acidente, até que seu período de tempo, o qual estava programado para viver encarnado, cesse e eles despertem já no Devachan.

Na segunda situação, em que perderam suas vidas em pleno fluxo das paixões terrenas, da luxúria e do vício, na hora da disputa final se põem a vagar sem rumo até serem seduzidos pela facilidade oferecida por intermediários vivos de se sentirem novamente “vivos” e perderem definitivamente a sua conexão com Atma-Buddhi. São os Pisachas (os demônios das lendas hindus), os Incubi e Succubi da Igreja Católica, demônios obsessores da gula, da luxúria, da avareza, etc., que vampirizam psiquicamente seus intermediários, fazendo-os praticar atos horríveis e festejando seu sucesso. Assim o fazem até que, no momento estabelecido para o término natural de sua ex-vida terrena, são carregados para regiões de sofrimentos intensos que culminam com sua inteira destruição.

Na terceira situação, as pessoas medianas, nem muitas boas nem muito más, na hora da disputa final poderão ser atraídas por um intermediário encarnado que lhe dará a possibilidade de viver novamente, pelo menos temporariamente, em um corpo físico. Da mesma forma que no exemplo anterior, o fato de realizarem novamente seu desejo de viver encarnado (Trishna em sânscrito ou Tanha em páli) aumentará seu apego e culminará por fazê-los perder sua conexão com Atma-Buddhi e se transformarem em seres elementares, os cascões astrais, pois a realização tão fácil daquele desejo (Upadana) faz com que eles desenvolvam novos Skandhas com tendências e paixões muito piores que as da existência que recentemente findou.

Uma quarta situação, a dos seres que reencarnaram sem qualquer conexão com Atma-Buddhi, absolutas “não-entidades” ou “equívocos da Natureza”, quando privados novamente de seu veículo físico, raras vezes conseguem novamente reencarnar pois têm como destino certo um total esquecimento até a sua aniquilação. Já aqueles seres maldosos, sensuais, ambiciosos, avarentos e falsos, etc., monstros cuja maldade é de um tipo refinadamente espiritual, uma força maléfica forte e definida que foi alimentada e desenvolvida pelas circunstâncias, ao morrerem não são simplesmente aniquilados, mas renascem numa dimensão correspondente ao Devachan, sua exata antítese conhecida como Avitchi (em sânscrito: inferno ininterrupto).

O Devachan se estende por vários níveis de gradação até, no seu nível mais baixo, se descobrir no grau mais leve de Avitchi prosseguindo até o seu grau mais intenso (estado de egoísmo de Avitchi). Amor e Ódio são os dois sentimentos que moldam o futuro estado no Devachan ou no Avitchi. Nós próprios criamos nosso Devachan assim como nosso Avitchi, principalmente nos últimos dias e momentos de vida sensível e intelectual.

Todos aqueles provenientes de seus Devachan e Avitchi só reencarnam devido à sua sede de viver novamente encarnado (Trishna) e para isso criam novos princípios inferiores (Kama e Manas superior) a partir de campos morfogênicos que encontram ressonância com o seu karma pessoal, e criam uma nova personalidade em um novo corpo físico-etérico: são apenas os atributos espirituais de Buddhi-Manas que reencarnam. Salvo algumas poucas exceções, como no caso de Teshu-Lamas ou Bodhisatwas (Cf. no Volume 3), o período entre encarnações sucessivas não é inferior a mil ou dois mil anos, ou seja, em linhas gerais a “vida” permanece cem vezes mais tempo nos planos sutis da existência do que na realidade densa da mesma.

Em suma, somente os cascões (Kama-rupa), alguns casos de vítimas de acidente e os suicidas, todos habitantes no Kama-loka, aparecem em mesas mediúnicas: são os “espíritos” sofredores do espiritismo. O Kama-Rupa dos animais se desintegra totalmente, e os frutos da existência retornam à alma grupal (Cf. no Volume 3), mas o Kama-Rupa do homem pode vagar errante, separado dos princípios superiores e gozando breves momentos de vida no corpo de pessoas susceptíveis, influenciando-as e, às vezes, até dominando-as com seus caprichos, vivendo, por assim dizer, por procuração.

O verdadeiro ser espiritual, Atma-Buddhi, não se comunica na Terra (Ecl 9:5), apenas vive o seu Devachan ou seu Avitchi (Ecl 9:10) até que entra novamente no processo reencarnatório. Apenas aqueles Seres que encontraram a iluminação e se tornaram “Homens Perfeitos”, podem se comunicar com alguns habitantes da Terra, mas somente se esses últimos conseguirem ampliar a sua consciência até atingi-los. Não são Seres “mortos”, mas Mestres vivos que habitam outras dimensões em nosso universo, ou a nossa própria dimensão física, formando para si corpos diferentes de acordo com a sua dimensão (Nirmanakaya, Sambhogakaya ou Dharmakaya – veja no Volume 3 e adiante em Tulku).

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