“Sobre o poder da Kundalini, que está enroscada oito vezes sobre o bulbo, se diz que causa a escravidão do desatento e garante a emancipação do iogue” 50:132.
Goraksa Sataka, 58
Sri Sri A’nandamu’rti (1.921-1.990), mestre hindu, ensinava que no início do processo criativo divino, a Consciência divina desceu à matéria, se densificando progressivamente nos estágios de Mente Cósmica, vazio (energia vibratória), luz (energia luminosa), gás, líquido e por fim sólidos, sendo os últimos cinco, os estados da matéria (Prakriti). Dessa forma, como descrito na Parte II do Volume 1, as centelhas de vida passam pelos reinos elementais e pelo mineral. No estágio final, com os cinco elementos em perfeito equilíbrio, começa a formação da mente individual, a qual inicia um caminho de volta, a partir dos seres unicelulares, passando pelos vegetais, animais, homens e Homens Perfeitos: o retorno à Consciência divina.
Pela filosofia Shânkia, Prakriti, a matéria, apresenta três qualidades (gunas), ou tipos de energias (filamentos ou cordões): tamas, rajas e sattva. Dessa forma, cada um dos cinco estados da matéria pode apresentar qualquer uma dessas três qualidades. Tamas é a energia estática, Rajas é a energia mutativa (de crescimento) e Sattva é a energia sutil (criadora), três forças que aprisionam a consciência (a centelha de vida, o espírito) e a mente (a individualidade, a alma) na matéria. Assim imersa na matéria, a mente individual pode ser “tamásica” (lenta e inercial, com dificuldade de aprendizado e entendimento), “rajásica” (ativa e rápida) ou “satvásica” (calma e tranqüila, mas não inerte).
No seu estágio máximo de condensação (forma mineral sólida tamásica), sua sutil energia divina fica densificada e adormecida. A Kundalini é essa energia acumulada, a energia cósmica adormecida presente em todas as formas e seres vivos, mas que, aparentemente, somente pode ser despertada na única máquina orgânica terrestre preparada para esse fim: o corpo físico humano. Nesse corpo ela fica localizada na base da espinha, no primeiro Chakra, e é conhecida como “fogo serpentino”.
A Kundalini é a energia mais sublime do ser humano, que se encontra “adormecida”, num aglomerado de esferas concêntricas de material etérico e astral, presentes na região do primeiro Chakra etérico, aonde Ida, Pingala e Sushumna se unem. Seu nome deriva do termo sânscrito kundal, que significa espiral. É só na esfera mais externa que essa energia se encontra ativa. A filosofia hindu a representa como uma serpente enrolada em si mesmo, que repousa no Lingam Svayambhu do Chakra fundamental, fechando a entrada do Nadi Sushumna com sua cabeça e que, quando desperta, ascende em espiral.
Normalmente o homem passa toda a sua vida sem tomar conhecimento ou entrar em contato com essa energia latente, a qual é ativada, durante nossa evolução espiritual, através de inúmeros tipos de exercícios espirituais e meditativos/contemplativos, que serão descritos no próximo capítulo. No seu despertar, o homem começa a viver o presente, a exercer a presença no aqui e agora. Ela ascende através dos três Nadis, passando por todos os Chakras etéricos, reavivando-os, até alcançar o sétimo Chakra etérico, no alto da cabeça, momento esse em que o indivíduo alcança a meta suprema da iluminação, descrita no capítulo passado.
Por Ida sobe predominantemente o aspecto feminino da energia e por Pingala o masculino, enquanto por Sushumna a energia sobe quase não polarizada, com uma pequena preponderância da energia feminina. Essas energias, nos pontos de encontro dos três Nadis, fluem pelos tubos dos Chakras até a sua saída na superfície de cada corpo, onde se encontram com as energias cósmicas (e as energias dos corpos mais sutis) que afluem do exterior, ocasionando o movimento giratório dos Chakras.
Esse casamento, entre as energias externas absorvidas (predominantemente masculinas) e a Kundalini (predominantemente feminina), gera uma combinação energética que se chama vulgarmente, “magnetismo pessoal”. O desejo de satisfação da libido, que leva ao desperdício da energia sexual, afeta negativamente os Chakras e, conseqüentemente, o ser como um todo, pois desvia a energia da Kundalini de sua verdadeira função para fortalecer o eu inferior pelo prazer, num processo de intelectualização da libido. Quanto mais energia é desviada para a produção de sêmen, mais diminui a vitalidade e, conseqüentemente, o tempo de vida.
Para a grande maioria da humanidade, essa energia sexual, descarregada no momento do orgasmo, revitaliza e limpa o organismo, desfazendo bloqueios e tensões. Dessa forma é importante para o bem estar físico. Quando o ato sexual é feito, não como modo de satisfazer a libido, mas como uma comunhão profunda, um dar e receber mútuo, com o tempo se consegue experimentar a unidade, desfazendo-se a “ilusão da separatividade” (sakkayaditthi). É uma experiência sagrada, onde ocorre o casamento dos aspectos físicos e espirituais do casal (Cf. no Epílogo à Parte I). Somente para aqueles que já experimentam essa unidade com o Universo essa descarga energética não é mais necessária ao bem-estar pessoal.
À medida que nos espiritualizamos, e a energia da Kundalini ascende e energiza cada Chakra etérico, mudanças físicas, emocionais e mentais, para melhor, ocorrem. Analogamente, mudanças físicas, emocionais e espirituais, para melhor, também energizam os Chakras etéricos e nos espiritualizam, ativando a Kundalini. Como cada Chakra etérico está associado a algum componente físico (nervoso, imunológico ou endócrino), emocional ou psicológico, a vivificação de qualquer um dos Chakras etéricos repercute nesses aspectos da vida humana e vice-versa. Ademais, à medida que o homem evolui espiritualmente, os Chakras que antes eram depressões por onde entrava energia, se transformam em proeminências doadoras de energia.
Segundo a filosofia taoísta 36:24, essa energia primordial, muito mais densa (material) que as energias provenientes do ar e da luz, é utilizada no corpo físico desde a fase de embrião até a velhice, de uma forma não renovável. Assim, quando essa energia chega ao fim o corpo físico “morre”. Impregnando os genes, dá energia à sexualidade humana, à função reprodutiva e aos instintos básicos de sobrevivência. Quanto mais for economizada, mais o nosso tempo de “vida” no corpo físico se aproximará do programado nos genes e mais energia estará disponível para a vivificação dos Chakras.
No hebraico encontramos a Kundalini como nahash, na Septuaginta, em grego, como ophis e na Vulgata latina a encontramos como serpens. Ela é a serpente enrolada criada pela mão de Deus citada em Jó 26:13. O próprio Cristo se compara com a serpente (Jo 3:14), que verticalizada dá a vida eterna. Jesus serve-se desse símbolo, o símbolo da inteligência (Gn 3:1), quando ensina aos seus discípulos: “Sede, pois, prudentes como as serpentes, mas simples como as pombas” (Mt 10:16).
Muitas disciplinas espirituais se utilizam da meditação/concentração para conter, transformar e dirigir essa energia ao longo da espinha dorsal, além da contenção do líquido seminal, como forma de se transformar essa energia em energia espiritual superior. Quando em meditação se experimenta quaisquer fenômenos paranormais, é porque essa energia se deslocou superiormente em algum grau. O caminho à auto-realização (Cf. no capítulo passado) é o caminho do despertar dessa energia.
A Kundalini pode ascender e recuar novamente muitas vezes antes de concluir sua jornada até o Chakra Coronário, no topo da cabeça, e a experiência total da Kundalini provoca a transformação de todo o ser. Ela pode ser comparada a um segundo início que se faz acompanhar do costumeiro trauma do nascimento. Seu despertar, segundo os Gurus mais responsáveis, deve ser acompanhado por um Mestre, pois a experiência direta comprova que quando o poder latente desperta, a experiência assume formas subordinadas à consciência do praticante.
A experiência da Kundalini, ditada por certas pessoas que a despertaram, levou-os próximo à morte física em certos momentos, com dores terríveis e dilaceramento de tecidos e, em outros momentos, ao sentimento de estar perdendo a saúde mental. A subida dessa energia, quando ocorre em indivíduos não preparados fisicamente, pode forçar passagem pelos condutos (Nadis), cujos diâmetros ainda são insuficientes para lhe dar passagem. Nesses casos a energia sobe queimando o seu trajeto e causando grandes dores. Não se pode fazer passar pelo corpo uma energia maior do que aquela que ele está preparado para suportar.
O perigo maior se dá em ativar os Chakras inferiores (fundamental, sacral e epigástrico) enquanto energias “negativas” os dominarem, como as energias do medo, da raiva, do prazer sensual, da ambição e do orgulho. Esses indivíduos se transformam em monstros insanos de maldade e depravação, pela alimentação desses desejos vis, guardados energeticamente nos Chakras, com uma energia muito superior à do poder da vontade humana (Cf. “AS SENDAS” no Volume 3). Tornam-se viciados por toda uma vida. Com certeza adquirirão certos poderes psíquicos, mas entrarão em contato com seres de uma ordem compatível com a sua vibração energética, se transformando em escravos deles durante o resto de suas vidas.
Segundo o jesuíta William Johnston, “a idéia de que as entidades nativas atuam sobre os Chakras é semelhante ao ensino tradicional cristão de que o mau espírito se posta no portão entre os sentidos e o espírito, produzindo seu impacto não sobre o ponto mais profundo do espírito, mas sobre a imaginação” 44:102. Mas se o praticante está conectado com o Espírito Santo, presente em si (seu Eu superior), se consegue ir além de seus pensamentos e emoções, nada tem a temer.
Por isso se afirma que, uma vez posta em atividade corretamente, através de diversos exercícios espirituais e sob a supervisão de alguém experiente, a força da serpente irá penetrar um a um todos os Chakras, até atingir o Chakra coronário, no topo da cabeça. Derramando uma crista, semelhante a uma fonte, ela cai dali como um aguaceiro de néctar divino (para os taoístas, se materializa como saliva abundante e adocicada: o elixir) para alimentar todas as partes do corpo. Entendem-se aqui como exercícios espirituais, o esforço da vontade, a maneira de respirar, a entoação de mantras (orações), certas posturas e movimentos físicos, emocionais e mentais, que aperfeiçoam o caráter da persona e a fazem sentir e seguir as energias vindas de esferas superiores (do “Eu superior”). Impregnando-se, desta forma, com a suprema energia espiritual, o buscador poderia experimentar a iluminação.
Resta frisar que despertar a Kundalini é algo de muita responsabilidade, que tanto pode libertar o buscador como escravizar o insensato. Não se deve confundir sabedoria com intelectualidade, pois esta, nas mãos do eu inferior, pode gerar um caos, produzindo quase tudo aquilo que quebra as leis da natureza e colocando em risco a própria vida e a da humanidade como um todo.