A Meditação Dirigida

A Visualização Criativa

Morihei Ueshiba, o fundador do Aikido, chamava esse exercício meditativo de chinkon (acalmar-se) kishin (retornar a fonte) 86:62. Dizia que 20 minutos era um bom tempo para chinkon e que 40 minutos era o tempo que deveria durar kishin, mas que chinkon-kishin não deveria ser medido com rigor e sim ser um processo natural. Nas palavras de Morihei Ueshiba:

“Sente-se confortavelmente e primeiro contemple a manifestação do reino da existência. Esse reino está relacionado com coisas externas, a forma física das coisas. Em seguida, encha o seu corpo com ki, e sinta a maneira com que o universo funciona – sua forma, sua cor e suas vibrações. Inspire e deixe-se levar até os confins do universo; expire e traga o cosmo de volta para dentro de si. Inspire toda a fecundidade e a vibração da terra. Então, incorpore a respiração do céu e a respiração da terra juntamente com a sua, tornando-se a respiração da própria vida. Ao acalmar-se, deixe-se naturalmente acomodar-se no coração das coisas. Encontre o seu centro e encha-se de luz e calor. Mantenha a sua mente brilhante e limpa como a vastidão do céu, profunda como o alto-mar, e majestosa como a montanha mais alta” 86:61.

Esse processo é usado na medicina integrativa como auxiliar na cura com resultados comprovados cientificamente. O pioneiro de seu uso foi o médico Carl Simonton, radioterapeuta, que usava visualizações no tratamento e cura de pacientes com câncer 15:125. É um processo de cura que tenta, pela visualização e imaginação, debelar algum processo físico. Como? Através de imagens mentais especialmente escolhidas como a desobstrução de artérias escolhidas por escovas, tubarões destruindo células cancerosas grandes e frágeis, ou qualquer outra forma de ver uma maneira de se estar sadio.

De aspecto central na prática católica, a visualização tem no Terço católico (o Rosário) o seu expoente. A visualização dos mistérios do Terço (Cf. no APÊNDICE) é de grande valor como forma inicial de prática contemplativa. Gradualmente evolui, transcendendo a imaginação (ondas beta ao EEG) e surge a visualização interna (ondas alfa e teta ao EEG), onde vívidas imagens aparecem na tela mental, até que se passa a um estado mais profundo de percepções interiores em que há um ver, um ouvir, um sentir e um tocar de uma espécie diferente: todo o ser parece sentir as sensações. Vê-se, ouve-se, cheira-se e sente-se com todo o corpo, nítida experiência dos sentidos astrais (Cf. no capítulo anterior).

Enfim se chega à sua essência que é a contemplação pura em que palavras não podem descrever o que acontece, a não ser usando-se de metáforas e símbolos (surgem as ondas delta ao EEG). Santa Teresa d’Ávila (1.515-1.582) escreveu em seu livro “Castelo Interior ou Moradas” 92:1106:

“Chamo eu de meditação discorrer muito com o intelecto, desta maneira: começamos a pensar na graça que Deus nos fez em nos dar seu único Filho. Sem nos determos, vamos adiante, percorrendo os mistérios de sua gloriosa vida. Ou, meditando na oração do Horto, o intelecto não pára até ver o Senhor pregado na cruz. Ou escolhemos um passo da paixão, como, por exemplo, a prisão do Senhor, e vamos pensando nesse mistério, considerando detalhadamente as circunstâncias que se nos oferecem nele para refletir e para sentir, como a traição de Judas, a fuga dos apóstolos e tudo mais. Admirável é essa oração e muito meritória!”

Concordando no grande valor dessa prática meditativa, recentemente o Papa João Paulo II acrescentou mais cinco mistérios aos quinze antes existentes no Terço. Dessa forma ficaram quatro grupos de cinco mistérios: os Mistérios Gozosos, os Dolorosos, os Gloriosos e os Luminosos. Outra forma dessa prática é a meditação sobre símbolos, como o crucifixo, as pinturas ou os ícones do cristianismo ortodoxo.

Aliás, o costume de se meditar observando esculturas e pinturas, de deuses e de santos, e visualizando, na tela mental, suas histórias, ensinamentos e lembranças correlatas, é tão antigo quanto o hinduísmo e o budismo. Uma prática comum, na escola Vajrayana do budismo tibetano, usa as deidades de meditação como ícones de visualização, com o objetivo de trazer à consciência uma auto-identificação dos nossos aspectos negativos, presentes nas deidades, como forma de livrar-nos deles. Através de símbolos e objetos visíveis que lembram o invisível, a doutrina sufi usa a intuição como forma de se ter um conhecimento mental de Alá (presente em tudo), e de se extinguir (fana) a noção de separatividade do eu inferior.

Os “Exercícios Espirituais” de Santo Inácio de Loyola (1.491-1.556) são visualizações sobre a Criação, sobre o Universo e sua História, busca do autoconhecimento através do auto-exame, visualizações sobre a espera do Salvador, no Antigo Testamento, e sobre a Presença do Cristo encarnado na Terra, Sua vida, Sua paixão, Sua morte, ressurreição e ascensão e, por fim, a contemplação para alcançar o Amor 56:12 (Deus é Amor – I Jo 4:16).

Santa Faustina Kowalska (1.905-1.938) recomendou o exercício diário de se fitar a imagem da Divina Misericórdia de Jesus Cristo meditando nas Suas palavras ditas a ela: “por meio desta imagem concederei muitas graças às almas. Ela [a imagem] deve lembrar as exigências da Minha misericórdia, porque mesmo a fé mais forte de nada serve sem as obras” 31:12. O objetivo é fazer com que se floresça, entre os familiares, o espírito de misericórdia e de generosidade em suas relações com o próximo, seja da mesma família ou não 31:27.

A Associação Cultural Nossa Senhora de Fátima, entidade que cuida, no Brasil, da divulgação da mensagem dada por Maria, Mãe de Jesus, em Fátima, e incentiva que se reze o Rosário diariamente, distribui um lindo pôster da imagem de Nossa Senhora com a seguinte recomendação: “proponho-lhe fazer um quadro do pôster e introduzi-lo num local de sua residência que seja calmo. Faça desse local seu ponto predileto do dia-a-dia. Coloque em frente ao quadro uma cadeira cômoda. Chegando da rua, sente-se ali por uns minutinhos, sem pensar em nada, até passar as agitações da rua. Apenas olhe para Nossa Senhora e deixe-se envolver pelo bondoso olhar dEla. Passados esses primeiros minutos, fale com ela sobre o seu dia-a-dia … Não se preocupe com frases feitas. Fale com a alma, de maneira informal, íntima mesmo …E deixe que Ela lhe fale em seu coração”.

Sabendo-se que a mente é irrequieta por natureza, a forma mais básica de domá-la é levá-la a percorrer os caminhos da imaginação, aos quais ela está acostumada. Esse tipo meditativo é automaticamente escolhido por aqueles que têm grande dificuldade de concentração. Como não conseguem se concentrar, por exemplo, na palavra proferida (na oração devocional), pois a mente divaga demais, preferem seguir divagando com a mente, mas orientando essa divagação no sentido de uma história inspiradora. Aqui a intenção devocional de busca do Amor também deve estar presente (Bhakti-yoga).

Mesmo assim, os pensamentos advindos do exterior e do interior conseguem se intrometer em nossa visualização, embora com menos freqüência. Seria uma forma preliminar de exercício de concentração usando uma divagação mental dirigida, mas não se deve esquecer desse seu caráter preliminar. Esse tipo de visualização deve necessariamente evoluir para uma forma de meditação mais silenciosa mentalmente, como a oração devocional.

Existem formas de visualização meditativa que levam à meditação analítica (Jnana-yoga). A concentração em imagens geométricas, específicas para essa função, é muito utilizada na filosofia tântrica (hinduísmo, budismo Vajrayana e Umbanda). Essas imagens geométricas (confeccionadas em duas ou três dimensões e compostas de círculos e quadrados concêntricos), conhecidas como mandalas (Yantras), são o ponto de partida para a reflexão e levam o praticante a um estado de consciência ampliado, pela percepção do Universo e do Divino, simbolizados no desenho.

Seguindo essa mesma linha analítica de Jnana-yoga, como forma de se levar ao autoconhecimento, técnicas meditativas de se sonhar acordado são muito usadas. Visualizar luzes divinas entrando pelo topo de nossa cabeça, atravessando nosso corpo e saindo pelo final da coluna, iluminando todo o nosso ser, visualizar a nós mesmos como seres ligados a todo o universo ou imaginar que estamos numa selva conversando com animais (xamanismo), são exemplos dessa prática de visualização. Pelo fato de se deixar a mente correr livre através de um caminho pré-determinado, surgem fatos, pessoas e animais, em nossa mente, que funcionam como símbolos pessoais (como nos sonhos), de forma que sua interpretação lança luz sobre aspectos internos inconscientes de nossa mente.

Também conhecida como contemplação, a visualização deve ser transformada em meditação analítica sempre que algum mecanismo interno de dor (mental ou emocional) for disparado. Essa transformação fará com que descubramos a causa da dor, trazendo-a à luz da consciência para que seja desfeita. Em seguida poderemos, então, prosseguir com a prática que estávamos realizando.

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