Do livro “A Única Revolução”-Terra sem Caminho, RJ, 2001.
Editado e organizado livremente por Moacir Amaral, novembro de 2008.
1.
Meditação não é um escape do mundo; não é atividade egocêntrica, isolante, porém, antes, a compreensão do mundo e seus costumes.
Pouco tem o mundo para oferecer, além de alimento, roupa e morada; além do prazer e suas aflições.
Meditação é um movimento para fora deste mundo; pois temos de estar totalmente fora dele. Assim, o mundo tem significado e é constante a beleza do céu e da terra. Assim, o amor não é prazer.
Daí nasce uma ação que não é resultado de tensão, nem de contradição, nem da busca de autopreenchimento, nem da arrogância do poder.
2.
O importante na meditação é a qualidade da mente e do coração. Não é o que você alcança ou diz alcançar, mas a qualidade da mente que é inocente e vulnerável. Pela negação encontra-se o estado positivo. Juntar experiência, ou nela viver, nega a pureza da meditação.
Meditação não é um meio para levar a um fim. Ela é meio e fim.
Mediante a experiência a mente nunca se tornará inocente. A negação da experiência é que faz nascer o estado positivo da inocência, que não pode ser cultivado pelo pensamento. O pensamento nunca é inocente.
Meditação é o findar do pensamento, mas não por parte do meditador, pois o meditador é a meditação. Se não existe meditação, então você é como um homem cego num mundo cheio de beleza; cheio de luz e de cor.
Caminhe pela praia e deixe essa qualidade meditativa vir a você. Se ela não vier, não a busque. O que se busca é a memória do que foi, e o que foi é a morte do que é.
Caminhe pelas colinas, deixe que tudo lhe fale da beleza e da dor da vida, de modo que você desperte para o seu próprio sofrimento, e para o findar do sofrimento.
Meditação é a raiz, a planta, a flor e o fruto. São as palavras que separam o fruto, a flor, a planta e a raiz. Nessa separação, a ação não cria bondade.
Virtude é a percepção total.
3.
Meditação não é a repetição de uma palavra, nem o experimentar de uma visão, nem o cultivo do silêncio. A conta do rosário e a palavra podem de fato aquietar a mente agitada, mas isso é uma forma de auto-hipnose. Você poderia igualmente tomar uma droga.
Meditação não significa envolver-se num padrão de pensamento, nem no encantamento de um prazer.
Meditação não tem começo e, por conseguinte, não tem fim.
Se você diz: “Começarei hoje a controlar os meus pensamentos, sentando tranquilamente em postura meditativa, respirando ritmadamente”; nesse caso você é apanhado pelos artifícios com os quais uma pessoa engana a si mesma.
Meditação não é uma questão de estar absorvido em alguma idéia ou imagem grandiosa: isso traz uma aquietação momentânea, como uma criança que, absorvida por um brinquedo, fica quieta por um certo tempo; mas, tão logo o brinquedo deixa de ser interessante, recomeçam a inquietação e as travessuras.
Meditação não é seguir um caminho invisível, para ser conduzido a uma bem-aventurança imaginária.
A mente meditativa está vendo, observando, escutando, sem a palavra, sem o comentário, sem opinião – atenta ao movimento da vida em todas as suas relações, do começo ao fim do dia; e à noite, quando todo o organismo está em repouso, a mente meditativa não tem sonhos, porque esteve desperta todo o dia.
Só os indolentes têm sonhos; só os semi-adormecidos precisam ser advertidos dos seus próprios estados. Mas enquanto a mente vê, escuta o movimento da vida – o exterior e o interior –, a essa mente vem um silêncio não construído pelo pensamento.
Não é um silêncio que o observador possa experimentar. Se ele o experimenta e reconhece, isso já não é mais silêncio.
O silêncio da mente meditativa não se encontra entre os limites do reconhecimento, porque é um silêncio sem fronteiras.
Existe apenas silêncio – no qual cessa o espaço da divisão.
4.
Meditação é a revelação do novo.
O novo está além do passado repetitivo. A meditação é o fim dessa repetição.
A morte que a meditação traz é a imortalidade do novo. O novo não se acha na área do pensamento; e a meditação é o silêncio do pensamento.
Meditação não é uma conquista, nem é o capturar de uma visão, nem a excitação de uma sensação. É como o rio, que não é para ser domado, correndo rapidamente e transbordando suas margens. É música sem som. Não pode ser domesticada nem utilizada. É o silêncio no qual o observador deixou de existir desde o começo.
O sol ainda não tinha levantado; e se podia ver a estrela matutina por entre as árvores. Havia um silêncio que era realmente extraordinário. Não o silêncio entre dois barulhos ou entre duas notas, mas o silêncio completamente sem causa; o silêncio que talvez existisse no início do mundo.
O silêncio preenchia todo o vale e as colinas.
5.
O silêncio tem muitas qualidades.
Há o silêncio entre dois barulhos, o silêncio entre duas notas e o silêncio que se estende no intervalo entre dois pensamentos.
Há aquele silêncio peculiar, sereno, penetrante, que chega com o anoitecer no campo; há o silêncio por entre o qual se ouve o latido de um cão ao longe ou o apito de um trem a galgar um declive forte; o silêncio em uma casa quando todos foram dormir, e sua peculiar intensidade quando você desperta no meio da noite e ouve a coruja piando no vale; e existe aquele silêncio antes da resposta do companheiro da coruja.
Há o silêncio da casa velha e abandonada, e o silêncio de uma montanha; o silêncio entre dois seres humanos quando viram a mesma coisa, sentiram a mesma coisa, e agiram.
Naquela noite, particularmente naquele vale longínquo, com suas velhas colinas e rochedos de formas peculiares, o silêncio era tão real como a parede que você toca. E, pela janela, olhamos as estrelas brilhantes.
Não era um silêncio gerado pela mente; não era porque a terra estava quieta e os aldeões adormecidos, mas vinha de todas as partes – das estrelas distantes, daquelas colinas escuras, e de nossa própria mente e coração.
Esse silêncio parecia envolver todas as coisas, do minúsculo grão de areia no leito do rio – onde só corria água em tempo de chuva –, à alta e frondosa árvore.
Agora começava a soprar uma leve brisa.
Há o silêncio da mente que nunca é tocada por barulho algum, por nenhum pensamento, nem pelo vento passageiro da experiência. É o silêncio que é inocente e, assim, infinito. Quando existe esse silêncio da mente, a ação brota dele, e essa ação não causa confusão ou miséria.
A meditação de uma mente que está totalmente silenciosa é a bênção que o homem está sempre buscando. Nesse silêncio estão todas as variedades de silêncio.
Existe aquele estranho silêncio de um templo, ou de uma igreja vazia ao longe no sertão, sem o barulho de turistas e de devotos. E o silêncio pesado que se estende por sobre as águas faz parte do silêncio existente fora da mente.
A mente meditativa contém todas essas variedades, mudanças e movimentos do silêncio. O silêncio da mente é a verdadeira mente religiosa; e o silêncio dos deuses é o silêncio da terra.
A mente meditativa flui nesse silêncio, e o amor é o modo de ser dessa mente. Nesse silêncio há felicidade e risos.
6.
Se você se dispõe a meditar, não será meditação.
Se você se dispõe a ser bom, a bondade jamais florescerá.
Se você cultiva a humildade, ela deixa de existir.
Meditação é como a brisa, que entra quando deixamos a janela aberta; mas se, deliberadamente, a conservamos aberta; se deliberadamente a convidamos a entrar, ela nunca aparecerá.
Meditação não é um aspecto do pensamento, porque o pensamento é astuto, com infinitas possibilidades de enganar a si próprio e, assim, perder o fluxo da meditação.
Como o amor, a meditação não pode ser buscada.
7.
O pensamento não pode conceber nem formular para si mesmo a natureza do espaço. Seja lá o que ele formule, tem em si mesmo a limitação de suas próprias fronteiras. Não é o espaço onde ocorre a meditação. O pensamento tem sempre um horizonte.
A mente meditativa não tem horizonte.
A mente não pode passar do limitado ao imenso, nem pode transformar o limitado em imensidão. Um tem que cessar para que o outro exista.
Meditação é o abrir a porta para uma vastidão que não se pode imaginar ou especular à respeito.
O pensamento é o centro em torno do qual existe o espaço da idéia, e esse espaço pode ser expandido através de novas idéias. Mas essa expansão, que acontece por qualquer tipo de estimulação, não é a vastidão na qual não existe centro.
Meditação é o entendimento desse centro e, assim, ir além dele.
O silêncio e a vastidão vêm juntos. A imensidão do silêncio é a imensidão da mente na qual não existe um centro. A percepção desse espaço e desse silêncio não é do pensamento. O pensamento só pode perceber sua própria projeção, e o reconhecimento disso é a sua própria fronteira.
8.
Meditação é um trabalho árduo. Exige a disciplina em sua forma mais elevada – não conformismo, não imitação, não obediência –, mas a disciplina oriunda do percebimento constante, não só das coisas que nos cercam externamente, mas também interiormente.
Assim, meditação não é uma atividade de isolamento, mas, sim, ação na vida diária, que exige cooperação, sensibilidade e inteligência.
Se não se lançam as bases de uma vida íntegra, a meditação se torna uma fuga e, portanto, completamente sem valor.
Uma vida íntegra não é o seguir da moralidade social, mas a libertação da inveja, da avidez e da busca de poder – tudo que gera inimizade.
Libertação não vem através de atividade da vontade, mas, sim, pelo percebimento do eu e de suas atividades, no autoconhecimento.
Sem conhecer as atividades do eu, a meditação se torna apenas excitação dos sentidos e, por conseguinte, muito pouco significativa.
9.
Não pense que meditação é uma continuação e expansão da experiência. Na experiência existe sempre o observador, que está sempre ligado ao passado.
Meditação, ao contrário, é a completa inação, que é o findar do observador e de toda experiência.
A ação da experiência tem suas raízes no passado e, assim, está presa ao tempo; leva à ação que é reação e produz a desordem.
Meditação é a total inação da mente que vê o que é, sem o embaraço do passado. Essa ação não é resposta a nenhum desafio, mas, sim, é a ação do próprio desafio, na qual não existe dualidade.
Meditação é o esvaziar da experiência e acontece todo tempo, consciente ou inconscientemente; assim, não é uma ação restrita a um certo período do dia. É ação infinitiva, de dia e de noite – é observação sem observador.
Não há divisão entre vida cotidiana e meditação; entre vida religiosa e vida profana. A divisão vem somente quando o observador está presente, preso ao tempo. Nessa divisão há desordem, infelicidade e confusão, que é o estado da sociedade.
Assim, meditação não é ato individual nem social; transcende ambas as coisas e, portanto, abrange ambas. Isto é amor.
O florescer do amor é meditação.
10.
Meditação é um movimento na quietude.
O silêncio da mente é o caminho da ação. A ação nascida do pensamento não é ação, é reação e gera desordem.
O silêncio não é o produto do pensamento, nem é o fim da agitação da mente. A mente quieta só é possível quando o próprio cérebro está quieto. As células cerebrais, que durante tanto tempo foram condicionadas para reagir, projetar, defender, afirmar – só se tornam quietas através do ver o que realmente é.
Do silêncio, a ação que não produz desordem só é possível quando o observador – o centro, o experimentador – chega a um fim.
Ver é agir.
Ver só é possível a partir do silêncio no qual toda a avaliação e todos os valores morais chegam a um fim.