Caderno de Meditação (Parte 4)

Do livro “A Única Revolução”-Terra sem Caminho, RJ, 2001.

Editado e organizado livremente por Moacir Amaral, novembro de 2008.

31.

Na luz do silêncio, todos os problemas são dissolvidos.

Essa luz não nasce do antigo movimento do pensamento. Não nasce, também, do conhecimento introspectivo. Não é acesa pelo tempo, nem por nenhum ato da vontade. Surge na meditação.

Meditação não é um assunto particular; não é uma busca pessoal de prazer. O prazer é sempre separativo, e divisor.

Na meditação, desaparece a linha divisória entre você e eu; nela, a luz do silêncio destrói o conhecimento do eu.

O eu pode ser estudado indefinidamente, pois varia de dia para dia, mas seu alcance é sempre limitado, por mais extenso que o pensamento seja.

Silêncio é liberdade; e a liberdade vem com a ordem completa.

32.

A imaginação e o pensamento não têm lugar na meditação. Levam à escravidão; e a meditação traz a liberdade.

O bom e o agradável são duas coisas diferentes; um traz a liberdade, e a outro leva à escravidão do tempo.

Meditação é estar liberto do tempo. O tempo é o observador, o experimentador, o pensador. Tempo é pensamento.

Meditação é o ir além das atividades do tempo.

A imaginação está sempre no campo do tempo e, por mais oculta e secreta que seja, ela agirá. Essa ação do pensamento levará inevitavelmente ao conflito e à escravidão ao tempo.

Meditar é ser inocente do tempo.

33.

Meditar é transcender o tempo.

Tempo é a distancia que o pensamento percorre nas suas realizações. Essa viagem é sempre pelo velho caminho, coberto com uma nova capa, novas aparências, mas sempre a mesma estrada, que não leva a parte alguma, a não ser à dor e ao sofrimento.

É somente quando a mente transcende o tempo que a verdade deixa de ser uma abstração. Então a bem-aventurança não é uma idéia derivada do prazer, porém uma realidade que não é verbal.

Esvaziar a mente do tempo é o silêncio da verdade. Ver isso é ação. Assim não há divisão entre ver e agir. No intervalo entre ver e agir nasce o conflito, a aflição e a confusão.

Aquilo que não depende do tempo é eterno.

34.

Meditação é o despertar da bem-aventurança.

Meditação é tanto os sentidos quanto o transcender dos sentidos; é sem continuidade, porque não é do tempo.

A felicidade e a alegria do relacionamento; a visão de uma nuvem passando sobre a terra; e a luz da primavera nas folhas, são os deleites dos olhos e da mente. Esse deleite pode ser cultivado pelo pensamento e ter duração no espaço da memória, mas não constitui a bem-aventurança da meditação, na qual se inclui a intensidade dos sentidos.

Os sentidos devem ser penetrantes, não distorcidos pelo pensamento, pela disciplina da conformidade e pela moralidade social. Liberdade dos sentidos não significa indulgência para com eles. A indulgência é o prazer do pensamento. O pensamento é como a fumaça de uma chama, e a bem-aventurança é a chama sem a nuvem de fumaça que traz lágrimas aos olhos.

Prazer é uma coisa, e felicidade, outra. Prazer é escravidão ao pensamento, e a felicidade está além do pensamento. O fundamento da meditação é a compreensão do pensamento e do prazer, com sua moralidade e sua disciplina, que dá conforto.

A bem-aventurança da meditação não pertence ao tempo e à duração; está além de ambos e, portanto, não é mensurável. Seu êxtase não está nos olhos de quem vê, nem é uma experiência do pensador.

O pensamento não pode tocar nesse êxtase, nem com suas palavras e seus símbolos nem com a confusão que gera. Êxtase não é uma palavra que pode enraizar-se no pensamento e ser moldada por ele.

A bem-aventurança da meditação vem do completo silêncio.

35.

É necessário colocar de lado tanto o ensinamento, como o instrutor, e como o seguidor que está tentando viver um modo diferente de vida. Só existe aprender, e no aprender está o fazer.

Aprender não é separado da ação. Se eles são separados, então o aprender é apenas uma idéia, ou um conjunto de ideais, de acordo com os quais a ação deveria acontecer; ao passo que aprender é o fazer no qual não existe conflito. Quando isto é compreendido, qual é a questão?

Aprender não é uma abstração, uma idéia, mas uma verdadeira realização. Você não pode aprender sem fazer; você não pode aprender sobre si mesmo exceto em ação.

Não é que você primeiro aprende sobre si mesmo, e então age a partir desse conhecimento, pois essa ação é apenas imitação, conforme seu condicionamento.

36.

Meditação é a ação do silêncio.

Nós costumamos agir a partir de uma opinião, de uma conclusão, de um conhecimento, ou a partir de intenções especulativas. Isto resulta inevitavelmente em contradição na ação – entre o que é e o que deveria ser, ou o que foi.

Essa ação, a partir do passado, chamado conhecimento, é mecânica; pode ser capaz de ajustamento e modificação, mas tem suas raízes no passado. E, assim, a sombra do passado sempre encobre o presente.

Tal ação no relacionamento é produto da imagem, do símbolo, e da conclusão; o relacionamento é, então, uma coisa do passado, é uma memória, e não uma coisa viva.

A partir dessa desordem e contradição, procedem atividades que se dispersam em padrões de cultura, comunidades, instituições sociais e dogmas religiosos. Desse barulho sem fim, faz-se uma revolução para se conquistar uma nova ordem social, para ser uma coisa verdadeiramente nova, mas, como vai do conhecido para o conhecido, não é revolução nenhuma.

Revolução só é possível quando se nega o conhecido; a ação então, não está de acordo com nenhum padrão, mas vem de uma inteligência que está constantemente se renovando.

Inteligência não é discernimento, nem julgamento, nem avaliação crítica. Inteligência é ver o que é.

O que é está constantemente mudando e, quando o ver está ancorado no passado, cessa a inteligência do ver. Então quem dita a ação é o peso morto da memória, não a inteligência da percepção.

Meditação é ver tudo isso num relance. Para ver, deve haver silêncio. Esse silêncio é uma ação que é inteiramente diferente das atividades do pensamento.

37.

Era um vasto prado, com uma vegetação luxuriante, rodeado de colinas verdes; naquela manhã estava brilhante, cintilando com o orvalho; e os pássaros cantavam ao céu e à terra.

Nesse prado com tantas flores, havia uma única árvore, majestosa e só. Alta e formosa, tinha um significado especial naquela manhã. Fazia uma sombra longa e profunda; entre a árvore e a sombra, existia um extraordinário silêncio. Estavam em comunicação uma e outra – a realidade e a irrealidade, o símbolo e o fato.

Era, realmente, uma árvore esplêndida, com suas folhas de fim de primavera tremulando na brisa; saudável, ainda não comida pelos vermes. Havia grande majestade nela. Não se cobria com as vestes de majestade, mas, em si mesma, era esplêndida e imponente.

Com o anoitecer, iria recolher-se em si mesma, silenciosa e impassível, mesmo que houvesse um vendaval. Ao levantar do sol, despertava também, e estendia sua benção generosa sobre o prado, sobre as colinas, sobre a terra.

Os gaios azuis cantavam e os esquilos estavam muito ativos naquela manhã. A beleza da árvore, em sua solitude, apertava o coração. Não era a beleza do que você via; sua beleza estava em si mesma. Embora seus olhos já tivessem visto muitas coisas lindas, não eram os olhos acostumados que viam aquela árvore, sozinha, imensa, plena de maravilha.

Talvez fosse muito velha, mas você não pensava nela como sendo velha. Você se sentou à sua sombra, suas costas contra o tronco; você sentiu a terra, o poder naquela árvore, e sua grande indiferença.

Você quase podia conversar com ela; e ela lhe contou muita coisa. Mas havia sempre aquela sensação de distanciamento, embora você estivesse em contato com ela, sentisse sua casca áspera, por onde subiam muitas formigas.

Nessa manhã sua sombra era bem definida e clara, e parecia estender-se para além das colinas, para outras colinas. Era realmente um lugar de meditação, se você sabe meditar.

Era muito quieto e, se sua mente fosse sensível, clara, também se tornava quieta, não influenciada pelos arredores; era uma parte daquela brilhante manhã, com o orvalho ainda na grama e nos juncos.

Haveria sempre aquela beleza ali, naquele prado, com aquela árvore.

38.

Raramente escutamos o som do latido de um cão, ou o choro de uma criança, ou a risada de um homem que passa ao lado.

Nós nos separamos de todas as coisas, e então, desse isolamento, olhamos e escutamos todas as coisas. É essa separação que é tão destrutiva, pois nela está todo conflito e confusão.

Se você ouviu o som daqueles sinos em completo silêncio, você iria com ele – ou, melhor, o som o carregaria através do vale e além da colina. A beleza disso só é sentida quando você e o som não estão separados, quando você é parte dele.

Meditação é o fim da separação, não pela ação da vontade ou do desejo, nem pela busca do prazer nas coisas ainda não experimentadas.

Meditação não é uma coisa separada da vida; é a própria essência da vida, a própria essência do viver diário.

Escutar aqueles sinos, ouvir os risos daquele camponês ao caminhar com a esposa; escutar o som da campainha da bicicleta da menininha ao passar ao lado – é o todo da vida, e não somente um fragmento dela, que a meditação expõe.

39.

Se você caminha, atravessando os prados com suas milhares de flores de todas as cores imagináveis, do vermelho vivo ao amarelo e à púrpura; a grama verde brilhante, lavada pela chuva da noite anterior, rica e verdejante – sem um único movimento do mecanismo do pensamento –, então você sabe o que é o amor.

Olhar para o céu azul, para as nuvens altas e bem delineadas; para as colinas verdes bem desenhadas contra o céu; para o capim viçoso e a flor murcha – olhar sem uma só palavra de ontem, quando a mente é completamente quieta, silenciosa, não perturbada por nenhum pensamento, quando o observador está completamente ausente –, então existe unidade.

Não é que você está unido à flor, ou à nuvem, ou àquelas colinas arrebatadoras; há um sentimento de completo não-ser, no qual a divisão entre você e o outro, cessa.

A mulher carregando aquelas provisões que comprou no mercado, o grande cão alsaciano, preto, as duas crianças brincando com a bola – se você pode olhar tudo isso sem uma palavra, sem uma medida, sem associação alguma –, então a disputa entre você e o outro, cessa.

Esse estado sem a palavra, sem o pensamento, é a expansão da mente que não tem limites, que não tem fronteiras dentro das quais o eu e o não-eu possam existir.

Não pense que isto é imaginação, ou vôo da fantasia, ou alguma desejada experiência mística. Não é. É tão real como a abelha naquela flor, ou a menininha em sua bicicleta, ou o homem subindo a escada para pintar a casa – todo o conflito da mente, em sua separação, chegou a um fim.

Você olha sem o olhar do observador; você olha sem o valor da palavra e a medida de ontem.

O olhar do amor é diferente do olhar do pensamento.

O olhar do amor leva a uma direção que o pensamento não pode seguir, e o olhar do pensamento leva à separação, ao conflito, e ao sofrimento.

Desse sofrimento não se pode passar ao amor. A distancia entre os dois é feita pelo pensamento, e o pensamento não pode, nem a passos largos, alcançar o amor.

40.

No animal, o instinto para seguir e obedecer é natural e necessário à sobrevivência, mas no ser humano ele se torna um perigo.

Seguir e obedecer, no indivíduo, se torna imitação, ajustamento a um padrão da sociedade que ele próprio construiu.

Sem liberdade, a inteligência não pode funcionar.

Entender a natureza da obediência e da aceitação na ação, traz liberdade.

Liberdade não é o impulso para fazer o que se quer.

Numa vasta e complexa sociedade, não é possível fazer o que se quer; por isso, existe o conflito entre o indivíduo e a sociedade, entre os muitos e o um.

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