Caderno de Meditação (Parte 3)

Do livro “A Única Revolução”-Terra sem Caminho, RJ, 2001.

Editado e organizado livremente por Moacir Amaral, novembro de 2008.

21.

Meditação é um movimento na atenção.

A atenção não é uma conquista, pois não é pessoal. Só aparece o elemento pessoal quando existe o observador como centro, de onde ele concentra ou controla a ação. Assim, toda conquista é fragmentária e limitada.

A atenção não tem fronteiras ou limites para atravessar; atenção é clareza, livre de todo pensamento. O pensamento jamais pode levar à clareza, pois tem suas raízes no passado morto. Assim, pensar é uma ação no escuro. Dar-se conta disso é estar atento.

Dar-se conta não é um método que conduz à atenção; essa atenção está contida no campo do pensamento, podendo, assim, ser controlada ou modificada. Estar cônscio dessa desatenção é atenção.

Meditação não é um processo intelectual – o qual ainda se encontra na esfera do pensamento. Meditação é libertar-se do pensamento, e um movimento no êxtase da verdade.

22.

Inocência e amplidão são o florescer da meditação. Não há inocência sem espaço.

Inocência não é imaturidade. Você pode estar amadurecido fisicamente, mas o vasto espaço que vem com o amor não é possível se a mente não estiver livre das inúmeras marcas da experiência. São essas cicatrizes da experiência que impedem a inocência.

Libertar a mente da constante pressão da experiência é meditação.

23.

A mente meditativa é silenciosa.

Não o silêncio que o pensamento é capaz de conceber; não o silêncio de uma tarde tranqüila. É o silêncio que vem quando o pensamento – com todas suas imagens, palavras e percepções – cessou inteiramente.

A mente meditativa é a mente religiosa – religião que não é tocada pela igreja, nem pelos templos, nem pelos cânticos.

A mente religiosa é a explosão do amor. O amor que não conhece separação. Para ele, longe é perto.

Amor que não é a unidade nem a multiplicidade. É, sim, um estado de ser em que cessam todas as divisões.

Como a beleza, o amor não cabe na medida das palavras.

É só desse silêncio que a mente meditativa age.

24.

Meditação nunca é oração. A oração e a súplica, nascem da autopiedade.

Rezamos quando nos vemos em dificuldades, quando existe sofrimento; mas na felicidade, na alegria, não há súplicas.

Esta autopiedade, tão profundamente arraigada no ser humano, é a raiz da separação. Aquele que está separado, ou se julga separado, e que está sempre buscando se identificar com alguma coisa que não é dividida, só cria mais divisão e dor.

A partir dessa confusão a pessoa clama aos céus, ou ao cônjuge, ou a alguma divindade da mente. Esse clamor pode obter uma resposta, mas a resposta é o eco da autopiedade, na sua separação.

A repetição de palavras, de orações, é auto-hipnótica, auto-envolvente e destrutiva. O isolamento do pensamento está sempre dentro da esfera do conhecido, e a resposta à oração é a resposta do conhecido.

A meditação está longe disso. Nesse campo o pensamento não pode entrar. Nesse campo não há separação e, portanto, não há identidade.

Meditação acontece às claras; não há lugar para segredo nela. Tudo fica exposto, claro. Assim, a beleza do amor é.

25.

Meditação é o findar da palavra.

O silêncio não é suscitado por uma palavra, a palavra sendo pensamento.

A ação vinda do silêncio difere totalmente da ação nascida da palavra.

Meditação é a libertação da mente de todos os símbolos, imagens e lembranças.

26.

A mente libertando-se do conhecido é meditação.

A oração vai do conhecido para o conhecido, pode produzir resultados, mas é sempre dentro do campo do conhecido; e o conhecido é o conflito, a miséria e a confusão.

Meditação é a total negação de tudo o que a mente acumulou.

O conhecido é o observador, e o observador só enxerga através do conhecido. A imagem vem do passado.

Meditação é o findar do passado.

27.

Meditação é sempre nova. Não tem a marca do passado, porque não tem continuidade.

A palavra “nova” não transmite a qualidade de inocência e frescor do que não estava lá antes. É como a chama de uma vela que se apaga e se torna a acender. A chama nova não é a velha, embora a vela seja a mesma.

A meditação que tem continuidade, quando o pensamento lhe dá cor, forma, e propósito, não é meditação. O propósito e o significado da meditação, dado pelo pensamento, é uma escravidão ao tempo. A meditação, não tocada pelo pensamento, tem seu movimento próprio, que não é do tempo.

O tempo implica o velho e o novo, como um movimento que vai das raízes de ontem ao florescimento do amanhã. Meditação é um florescer completamente diferente; não é produto da experiência de ontem e, portanto, não tem, realmente, raízes no tempo.

Meditação tem uma continuidade que não é essa do tempo. A palavra “continuidade”, aplicada à meditação, é enganadora, pois aquilo que aconteceu ontem não está ocorrendo hoje.

A meditação de agora é um novo despertar, um novo florescer da beleza da bondade.

28.

Meditação é a culminância de toda energia.

Energia que não é para ser ajuntada pouco a pouco, negando isto e aquilo, agarrando uma coisa e segurando outra; ela é, antes, a negação total, sem qualquer escolha, de todo desperdício de energia.

A escolha é produto da confusão; e a essência da energia desperdiçada é a confusão e o conflito.

Ver claramente o que é, a qualquer momento, requer atenção de toda energia; e nisso não há contradição ou dualidade.

Essa energia total não surge por meio da abstinência, nem por meio de votos de castidade e de pobreza, porquanto toda determinação e ação da vontade é um desperdício de energia, porque o pensamento está envolvido nisso.

O pensamento é energia desperdiçada; a percepção nunca é.

Ver não é um esforço determinado. Não há “eu quero ver”, porém, unicamente, ver. A observação põe à margem o observador, e nisso não há desperdício de energia.

O pensador que tenta observar arruína a energia. O amor não é energia desperdiçada, mas quando o pensamento o converte em prazer, então a dor dissipa energia.

A culminância da energia, da meditação, está sempre se expandindo e a ação na vida diária é parte dela.

29.

Meditação é libertar a mente de toda desonestidade.

O pensamento gera desonestidade.

O pensamento, no seu esforço para ser honesto, é comparativo e, portanto, desonesto. Toda comparação é sempre um processo de fuga e, assim, gera desonestidade.

Honestidade não é o oposto de desonestidade. Honestidade não é um princípio; não é conformidade a um padrão; mas, sim, é a total percepção do que é.

Meditação é o movimento da honestidade no silencio.

30.

Você nunca pode se preparar para meditar: ela deve acontecer sem que você a busque. Se você a busca, ou pergunta como meditar, então o método não só o condicionará mais, mas também fortalecerá o seu atual condicionamento.

Meditação, em verdade, é a negação de toda a estrutura do pensamento.

O pensamento é estrutural, razoável ou não, objetivo ou doentio; e, quando tenta meditar com base na razão ou a partir de um estado neurótico e contraditório, projetará inevitavelmente o que ele próprio é, e tomará, à sério, sua própria estrutura por realidade. É como um crente meditando em sua própria crença; ele fortalece e santifica aquilo que, por medo, ele próprio criou.

A palavra é a representação ou a imagem cuja idolatria se torna um fim.

O som constrói sua própria gaiola, e o barulho que o pensamento faz procede dessa gaiola; e é essa palavra e seu som que separam o observador e a coisa observada.

A palavra não é apenas uma unidade da linguagem, não apenas um som, mas é também um símbolo, uma lembrança de qualquer evento, o qual põe em movimento a memória, o pensamento.

Meditação é a total ausência da palavra. A raiz do medo é o mecanismo da palavra.

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