Impactos da Passagem do Milênio (Parte 2)

3- Nous

Então, nós somos aqui, uma bi-dimensionalidade, corpo, psique, e podemos ainda, adicionar o terceiro risco e chamar isso de Nous. Nous se refere à dimensão noética, uma consciência pura, sem objeto, Nous se refere a uma dimensão silenciosa, serena e pacífica da psique profunda. Buda, um grande líder e mestre, um um paradigma de ser humano que deu certo. Temos que estudar muito a vida de seres como Buda, Cristo, seres que deram certo, seres que mostraram do que o ser humano é capaz. Eles não queriam que você fosse um Budista, um Cristão… Cristo dizia: 'Seja perfeito como o Pai'. Depois vieram, vocês sabem, um clube, e caiu-se alguma coisa. E nós perdemos essa referência. E há um ditado Zen que diz: 'Se você encontra Buda em seu caminho, mate-o, para que ele possa nascer dentro do seu próprio coração'. Buda não queria que você fosse um budista; ele queria que você se tornasse, também, um Buda. Porisso há um ditado zen que diz: Seres como Buda foram os grandes mestres da inteligência noética. Quando você faz isso, o Buda da minha vida se inclina para o Buda do meu coração se inclina diante do Buda do seu coração. Namaskar: os meus deuses se inclinam diante dos seus deuses. Buda, dizia que a mente, a alma, é um macaco pulando de galho em galho, em busca do fruto, na selva do condicionamento humano. Esta definição aponta para esta inquietude da alma ordinária. Atinge-se nous quando o macaco se aquieta, e há toda uma pedagogia orientada para este alvo. É importante salientar que todos os seres humanos tem o potencial de realização búdica. Buda não é um nome; é um termo que significa desperto, ou seja, alguém que despertou para o seu potencial máximo (o nome era Sidarta Gautama, um príncipe que viveu há 2.600 anos, na Índia)

Você consegue desligar os seus pensamentos? Se você é capaz disso, então você é um líder na sua mente. Se não conseguir você está sendo levado, está sendo pensado, você não é o pensador, o sujeito. A NASA, construiu um capacete fantástico, ligado por eletrodos à cabeça do piloto para que a nave seja comandada por seus pensamentos. O capacete esta lá, mas, onde está o piloto capacitado para tal façanha? A dimensão noética é uma dimensão silenciosa, contemplativa, que penetramos quando silencia os nossos diálogos internos. É como penetrar no fundo do lago, além do tumulto de sua superfície; aí poderemos encontrar com o Grande Silênico, que é mãe de toda palavra justa, de toda virtude e de uma consciência capaz de apreender a realidade. Tereza de Calcutá dizia: 'o fruto do silêncio é a oração, o fruto da oração é a fé, o fruto da fé é o amor, o fruto do amor é o trabalho'. Tudo começa pelo silêncio e termina com aquilo que o companheiro Leonardo Boff denomina de 'mística dos olhos abertos e das mãos operosas'.

Portanto, para desenvolver a qualidade noética nós temos tecnologias milenares que vêm das tradições sapienciais que, na UNIPAZ, denominamos de holopraxis: o yoga, a oração – que hoje é estudada e já foram evidenciados os seus efeitos benéficos para a saúde -, a contemplação, enfim, os caminhos meditativos das tradições orientais e ocidentais. Todas as grandes tradições tribais, por exemplo, prescrevem a oração. Orar, no sentido mais amplo, universal, é ter uma intenção sagrada. Qual é a sua intenção sagrada? Para quem você se levantou essa manhã? Para que você se coloca de pé? Ter uma intenção sagrada é ter um sentido maior. Enfim, encontraremos as tecnologias de transmutação consciencial no sufismo, nas diversas modalidades meditativas do budismo, do cristianismo hesicástico, sobretudo do cristianismo ortodoxo, no xamanismo e em todos os caminhos de despertar da consciência sintética. É preciso introduzi-las nas escolas, se quisermos que a educação abranja a dimensão consciencial.

Então, nós temos os instrumentos, porém, onde estão esses instrumentos? Se você não sossega o seu corpo, se você não é capaz de sentar e imobilizar o corpo – que é o mais fácil – como você será capaz de chegar a uma quietude da mente, a uma quietude do pensamento, do sentimento? As novas escolas que já estão emergindo, incluem nos seus currículos a psique, levando em consideração, também, a notável dimensão onírica, a inteligência dos sonhos. Vocês sabiam que tem professores que nunca perguntaram pelos sonhos dos seus alunos? O sonho é um estado de consciência extraordinário que complementa a consciência de vigília. Nós já temos 100 anos de pesquisa científica dos sonhos e milênios de pesquisa nas grandes tradições culturais. No entanto, o ocidental ordinário, condicionado pelo reducionismo racionalista, é como aquele pescador que chegou muito cedo para pescar, não tendo o sol ainda nascido; para passar o tempo ele jogava pedrinhas nas águas escuras do rio – e quando ele pegou a última pedrinha, o primeiro raio de sol da vigília surgiu, e ele viu que a pedrinha era um diamante! E assim fazemos, jogando nas águas da alienação e do descuido toda a riqueza simbólica dos sonhos. É fundamental resgatar a pedagogia simbólica dos antigos, se quisermos facilitar a emergência de seres humanos inteiros.

È preciso, também, desenvolver a dimensão noética para chegarmos na fonte da criatividade máxima, no manancial da sabedoria da espécie e da liderança intuitiva e silenciosa. O bom líder, dizia Lao Tsé, é aquele que ninguém sabe que existe; terminada a tarefa todos dizem: 'eu fiz isso por mim mesmo'. Da dimensão noética surge a mais elevada maestria. A dimensão noética tem sido comparada a um espelho que pode refletir a realidade; é através de nous que podemos espelhar, fidedignamente, a realidade. Uma pessoa que não tem essa qualidade noética é como uma pulga saltitante, uma 'barata tonta' que todo o tempo projeta as suas memórias em suas experiências, cegando-se para a realidade além de suas fantasias. Quando Cristo indicava: 'quem não for adúltero atire a primeira pedra', ele falava com relação aos olhos. Adulterar a realidade é você projetar na realidade seus pensamentos, seus conceitos, suas memórias; não adulterar é você ter os olhos abertos. Diz o poeta Pessoa, no Guardador de Rebanhos:

Em nous atingimos uma qualidade de mente que transcende o pensamento, Krishnamurti insistiu nisso ao longo de toda sua existência: o pensamento é o ruído do passado. Quando estou doente, eu penso. Porém Descartes, um dos pais da modernidade, vai dizer: penso, logo existo! Poderemos dizer: não penso, logo eu sou! É a partir dessa dimensão que nós poderemos resgatar uma maestria inata.

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