Impactos da Passagem do Milênio (Parte 2)

4 – Pneuma

E ainda há um último risco, e esse, não pode ser da mesma cor e não pode ser também no sentido horizontal. Tem que ser vertical. Alguns vão traduzir Nous por espírito, não é assim como estou traduzindo; eu traduzo Nous por consciência sem objeto, não por espírito. Se você olha o sol se refletindo no espelho você vai dizer, olhando para o espelho, que o espelho é o sol? O espelho reflete o sol, assim como a dimensão noética pode refletir a luz de alguma coisa que está além da existência, e é isso que os antigos chamavam de pneuma.

Pneuma é uma tradução do hebraico Ruah, que na sua origem é feminino e significa sopro. Pneuma é neutro em grego e foi traduzido depois como espírito, em latim, um termo masculino. Isto é uma distorção pois, na sua origem, essa é a dimensão uterina do feminino-luz. Pneuma é, filosoficamente falando, a essência. Há um termo ainda menos contaminado e que gosto muito: Pneuma é Vida. Precisamos diferenciar vida de existência, eu insisto muito nisso. Existência é uma manifestação da vida, é aquilo que passa: estes riscos horizontais representam a existência.

 Certa vez Buda, indagou aos seus discípulos sobre o que era o oposto da morte? 'Vida', eles disseram, com a mente polar. E Buda respondeu: 'Não, é o nascimento, porque a vida é eterna'. Já dizia Cristo: 'Eu sou o caminho, a verdade e a vida'. Nós confundimos muito a vida com a existência. O que nós denominamos, com diversas palavras, Deus, talvez seja um princípio de vida inerente a todos os universos. Portanto, essa é a dimensão essencial e, para os antigos como para os novos terapeutas, uma pessoa em boa saúde é aquela cuja dimensão noética, cuja psique e cujo corpo ou dimensão somática são habitadas pela essência. Uma pessoa com saúde plena, no dizer do doutor Graf Durkheim, o criador da terapia iniciática, é aquela cuja essência se manifesta na existência. É quando o que você pensa coincide com que você é; é quando o que você fala coincide com o que você pensa; é quando o que você faz coincide com que você fala; é quando você se torna congruente, verdadeiro. É quando você se torna aquilo que você é, nem mais nem menos. E essa, é uma dimensão que não é desenvolvida. Essa palavra desenvolvimento espiritual é muito contraditória, pois como pode desenvolver-se aquilo que não nasceu, que não teve início, que não tem fim? Como afirma a sabedoria Crística: 'O espírito está pronto, mas a carne é fraca!'. A carne é tudo que passa, enquanto a essência é Aquilo Que É.

Acontece que, no Século XVII, foi parida a Idade Moderna, por bons motivos, já que estávamos superando um tempo no qual a ciência era reprimida em nome de alguma coisa que, confusamente, era chamada Deus – basta lembrar a diabólica Inquisição que matou mais seres humanos, proporcionalmente, do que a 2ª Guerra Mundial! Então, surgiu um Descartes, traumatizado pelos dogmas, que desenvolveu o método analítico, enaltecendo o racionalismo mecanicista. Bacon, falou dos sentidos, desenvolvendo o empirismo. Surgiu um Galileu que nos introduziu no mundo da quantidade e o genial Newton, que fez uma grande síntese que denominou de física mecânica, entre outros. Todos eles conspiraram na época e modelaram a obra prima do racionalismo científico que foi um movimento compensatório, de resgate da objetividade e da razão, que às vezes tem razão…

Com a nossa tendência polar, nós saímos de um extremo para o outro, neste momento sombrio de uma esgotada modernidade, onde o sagrado, a dimensão essencial, é reprimida em nome de alguma coisa que, confusamente, chamamos ciência. Se você viver alguma experiência genuinamente espiritual e procurar um psicólogo convencional, ele vai lhe rotular de 'doente', porque não há, em sua antropologia, a categoria do espírito. Se você estiver vivendo aquilo que o notável psiquiatra Stanislav Grof, e a sua esposa Christina, denominam de emergência espiritual – eles criaram, há anos, um movimento internacional que chamam de emergência espiritual – se você viver uma experiência mística, se a essência bater em sua porta e você for procurar um psiquiatra convencional, ele vai lhe dar algum nome esquisito e vai lhe prescrever remédios, também. Agora, talvez o mais impactante, como afirmou Grof num recente congresso: se você tiver uma legítima experiência espiritual e procurar um sacerdote convencional, um pastor, ele vai lhe levar a um psiquiatra! Eles falam de coisas acontecidas há 2000 anos, mas se você viver uma experiência parecida, você será ouvido com uma escuta suspeita. Onde podemos encontrar um espaço de escuta da essência e da inteireza humana?… E é por isso, nesse momento, as pessoas mais revolucionárias, os verdadeiros conspiradores são aqueles que falam do espírito e que não temem dizer essa palavra em universidades, em lugares como esse, em lugares públicos, porque enquanto nós não ousarmos falar em espiritualidade, ainda estaremos muito longe de uma humanidade plena.

Quando eu falo em espiritualidade, me entendam bem, não estou me referindo a nenhuma igreja, a nenhuma religião particular, embora respeite todas. Refiro-me à espiritualidade como o fazia Einstein, apontando para uma vivência cósmica; ou, ainda, outro físico contemporâneo, que recentemente trouxemos a Brasília, Fritijof Capra, que denominou o seu penúltimo livro de Pertencendo ao Universo. Espiritualidade é uma consciência não-dual, uma consciência de participação, da parte no todo, que na essência é amor, e na prática é solidariedade. Uma pessoa que despertou para essa dimensão espiritual, é uma pessoa que não se vê separada do outro, da comunidade e do Universo. Eu pergunto: em sã consciência, você colocaria fogo no seu corpo? Se você sente-se não-separada do outro, você jogaria fogo em alguém que está dormindo num banco? E se você se sente não-separado da natureza, você iria empestá-la, você iria destruir os ecossistemas por uma neurose de progresso compulsivo, que foi decantada no século passado por Comte e que, agora, testemunhamos o lado sombrio dessa religião do progresso a qualquer custo, progresso a custa da hecatombe; você empestaria a natureza se você se sentisse não-separada dela?

Não estamos farejando ai uma grande questão da doença contemporânea, que é a repressão da essência, a repressão do espírito? Dizia Jung, que as doenças, as neuroses, são outros nomes para os deuses! Vai se manifestar em mania-depressiva, vai se manifestar por pânico. Todas as pessoas que me procuraram com pânico, eram pessoas abertas para o 'inconsciente coletivo', como nós estamos vivendo uma crise de quase instinção da espécie. Nós vivemos um momento dramático para aqueles que têm os olhos abertos e a escuta do inconsciente coletivo; essas pessoas entram em pânico! A esclerose é outra doença do momento!

Sinto-me feliz por estar sendo um operário, há mais de dez anos, da UNIPAZ, que é um verdadeiro canteiro de obras, para a edificação de um novo paradigma, onde lutamos com muita dificuldade e já desenvolvemos programas que foram enviados para o mundo inteiro: Japão, Europa, Índia, Canadá, EUA… Nós falamos na tridimensionalidade de uma ecologia: a ecologia interior, a ecologia social e a ecologia ambiental. Há que trabalhar com uma visão de ecologia profunda e denunciar a existência dessa repressão perversa do espírito, da essência, com consequências que se manifestam através de doenças a nível pessoal, a nível social, coletivo e a nível ambiental. Gosto de confiar que o ser humano vai ser descoberto no Século XXI. E se isto não acontecer, não haverá Século XXI para o ser humano! Portanto, estes riscos são como um dedo indicando para a lua e a partir dessa imagem do ser humano podemos, brevemente, falar de liderança.

 

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