NOTAS DE K.H. SOBRE UM “CAPÍTULO PRELIMINAR” INTITULADO “DEUS”, ESCRITO POR HUME, QUE DEVERIA PREFACIAR UMA EXPOSIÇÃO SOBRE FILOSOFIA OCULTA (RESUMO).
Carta nº 88 (ML-10), recebida em Simla e copiada por A.P. Sinnett em 28 de setembro de 1882
Extraído do Original em “Cartas dos Mahatmas para A. P. Sinnett” Editora Teosófica, Volume II, julho 2001
Agora chegamos àquela que é provavelmente a carta mais polêmica. Na verdade não se trata propriamente de uma carta, mas de algumas notas feitas pelo Mahatma K.H. sobre o que Hume chamou de um “Capítulo Preliminar Sobre Deus”, que deveria prefaciar um livro que ele estava escre-vendo sobre Filosofia Oculta. A cópia do Museu Britânico está com a letra de Sinnett.
Estas “notas” fizeram com que algumas pessoas rejeitassem toda a filosofia oculta por causa da negação do conceito tradicional de Deus. Recomenda-se, portanto, que o estudante evite conclusões apressadas. (as cartas 30 e 90, entre outras, abordam o mesmo tema. (N. ed. bras.))
A CARTA 88
A idéia de Deus não é uma noção inata, mas adquirida, e nós só temos uma coisa em comum com as teologias – nós revelamos o infinito. Mas enquanto atribuímos causas materiais, naturais, sensíveis e conhecidas (por nós, pelo menos) a todos os fenômenos que procedem do espaço, da duração e do movimento infinitos e ilimitados, os teístas atribuem a eles causas espirituais, sobrenaturais, ininteligíveis e desconhecidas. O Deus dos teólogos é simplesmente um poder imaginário, un loup garou 4 na expressão de d’Holbach – um poder que até agora nunca se manifestou. Nossa principal meta é libertar a humanidade deste pesadelo, ensinar ao homem a virtude pelo bem da virtude, e ensiná-lo a caminhar pela vida confiando em si mesmo, ao invés de depender de uma muleta teológica que por eras incontáveis foi a causa direta de quase toda a miséria humana. Podemos ser chamados de panteístas – de agnósticos, NUNCA. Se as pessoas estiverem dispostas a aceitar e a ver como Deus nossa VIDA UNA, imutável e inconsciente em sua eternidade, poderão fazê-lo e assim manter mais um gigantesco equívoco de denominação. Mas então terão de dizer como Spinoza que não há e não podemos conceber qualquer outra substância além de Deus, conforme aquele famoso e infeliz filósofo 5 diz em sua décima-quarta proposição: “praeter Deum neque dari neque concipi potest substantia” – e assim tornarem-se panteístas… Quem, exceto um teólogo formado no mistério e no mais absurdo sobrenaturalismo pode imaginar um ser auto-existente, necessariamente infinito e onipresente, fora do universo manifestado que não tem fronteiras? A palavra infinito é apenas uma negativa que exclui a idéia de limites. É evidente que um ser independente e onipresente não pode estar limitado por nada que seja externo a ele; que não pode haver nada externo a ele – nem mesmo um vácuo; portanto, onde haverá espaço para a matéria? Para aquele universo manifestado, mesmo que este último seja limitado? Se perguntarmos aos teístas se o Deus deles é vácuo, espaço ou matéria, eles responderão que não. E no entanto eles sustentam que o Deus deles penetra a matéria embora ele próprio não seja matéria. Quando nós falamos da nossa Vida Una, também dizemos que ela não só penetra, mas é a essência de cada átomo de matéria; e que, portanto, ela não apenas tem correspondência com a matéria mas possui também todas as suas propriedades, etc. – conseqüentemente, é material, é a própria matéria.” “Como poderia a inteligência proceder ou emanar da não-inteligência?” – você insistia em perguntar no ano passado. “Como poderia uma humanidade altamente inteligente, o homem, que é o coroamento da razão, ter evoluído a partir de uma lei ou força cega, não-inteligente!” Mas uma vez que raciocinamos nesta direção, eu posso perguntar por minha vez, como poderiam deficientes mentais congênitos, animais que não raciocinam, e o resto da “criação” ter sido criados ou haver evoluído a partir de uma Sabedoria absoluta, se esta última é um ser pensante inteligente, o autor e governante do Universo? “Como?” diz o dr. Clarke, em seu exame das provas da existência da Divindade. “Deus que fez o olho, não enxergará? Deus que fez o ouvido, não escutará?” Mas de acordo com este modo de pensar eles teriam que admitir que, ao criar um deficiente mental, Deus é um deficiente mental; que aquele que fez tantos seres irracionais, tantos monstros físicos e morais, deve ser irracional …
… Nós não somos advaitas 6, mas nosso ensinamento com respeito à vida una é idêntico ao dos advaitas com relação a Parabrahmam. E nenhum verdadeiro advaita treinado filosoficamente jamais se definirá como agnóstico, porque sabe que ele é Parabrahmam e idêntico em todos os aspectos à vida e à alma universal – o macrocosmo e o microcosmo, e sabe que não há Deus separado dele, nenhum criador, como nenhum ser. Tendo encontrado a Gnose, nós não podemos esquecê-la e trans-formar-nos em agnósticos.
… Se nós fôssemos admitir que até mesmo os mais altos Dhyan Chohans podem cair em alguma ilusão, então de fato não haveria realidade para nós, e as ciências ocultas seriam uma quimera tão grande quanto Deus. Se há um absurdo em negar aquilo que não conhecemos, é ainda mais absurdo atribuir a ele leis desconhecidas.
Segundo a lógica, o “nada” é aquilo do qual tudo pode ser corretamente negado e do qual nada pode ser corretamente afirmado. Portanto, a idéia, seja de um nada finito ou um nada infinito, é uma contradição em termos. E no entanto, de acordo com os teólogos, “Deus, o ser auto-existente, é extremamente simples, imutável e incorruptível; sem partes, sem figura, movimento, divisibilidade ou quaisquer outras propriedades como estas, que encontramos na matéria. Porque todas estas coisas implicam muito clara e necessariamente finitude em sua própria noção, e estão totalmente afastadas da infinidade completa”. Portanto, o Deus aqui oferecido à adoração do século XIX perde toda qualidade sobre a qual a mente do homem seja capaz de ter qualquer julgamento. O que é isto, na verdade, além de um ser do qual eles não podem afir-mar coisa alguma que não seja negada instantaneamente? A própria Bíblia deles, no Apocalipse, destrói todas as perfeições morais que eles empilham sobre ele, a menos, de fato, que qualifiquem como perfeições aquelas qualidades que a razão e o senso comum de qualquer outro ho-mem chamam de vícios odiosos e maldade brutal. Mais; quem lê as nossas escrituras budistas, escritas para as massas supersticiosas, não encontrará nelas um demônio tão vingativo, injusto, tão cruel e tão estúpido quanto o tirano celestial ao qual os cristãos atribuem prodigamente perfeições negadas em cada página da sua Bíblia. Autêntica e verdadeiramente, a sua teologia criou o Deus dela apenas para destruí-lo pedaço por pedaço. A Igreja de vocês é o Saturno da fábula, que tem filhos apenas para devorá-los.
(A Mente Universal) – Algumas reflexões e argumentos deveriam embasar cada nova idéia – por exemplo, nós certamente seremos criticados pelas aparentes contradições existentes. (1) Negamos a existência de um Deus pensante, consciente, com base em que um tal Deus deveria ser condicionado, limitado e sujeito a mudança, e portanto não infinito, ou (2) se ele for descrito para nós como um ser eterno, imutável e independente, sem partícula alguma de matéria em si, então responderemos que ele não é um ser, mas um princípio imutável e cego, uma lei. E no entanto, eles dirão, nós acreditamos em Dhyan Chohans, ou Planetários (“espíritos”, também), e atribuímos a eles uma mente universal, e isso deve ser explicado.
Nossas razões podem ser brevemente resumidas assim:
(1) Rejeitamos a proposição absurda de que pode haver, mesmo em um universo ilimitado e eterno – duas existências eternas e onipresentes.
(2) Sabemos que a matéria é eterna, isto é, que não tem começo, (a) porque a matéria é a própria Natureza; (b) porque aquilo que não pode aniquilar a si mesmo e é indestrutível existe necessariamente – e portanto não poderia começar a existir, nem pode deixar de existir; e (c) porque a experiência acumulada de eras incontáveis e da ciência exata mostra que a matéria (ou natureza) age por sua própria energia peculiar, da qual nem um só átomo está jamais em estado de repouso absoluto, e portanto ela deve ter existido sempre, isto é, com seus materiais sempre mudando de forma, de combinações e propriedades, mas com seus princípios e elementos absolutamente indestrutíveis.
(3) Quanto a Deus – já que ninguém jamais e em tempo algum o viu – a menos que ele seja a própria essência e natureza desta matéria eterna e ilimitada, sua energia e seu movimento, não podemos vê-lo como eterno nem como infinito, e tampouco como auto-existente. Nós nos recusamos a admitir um ser ou uma existência da qual não sabemos absolutamente nada; (a) porque não há espaço para ele na presença daquela matéria cujas propriedades e qualidades inegáveis nós conhecemos completamente bem, (b) porque, se ele é apenas uma parte daquela matéria, seria ridículo sustentar que ele movimenta e governa aquilo de que ele é apenas uma parte dependente, e (c) porque se eles nos dizem que Deus é um puro espírito auto-existente e independente da matéria – uma deidade extra-cósmica – nós respondemos que mesmo admitindo a possibilidade de tal impossibilidade, isto é, a existência dele, nós sustentaríamos que um espírito puramente imaterial não pode ser um governante consciente e inteligente, nem pode ter nenhum dos atributos atribuídos a ele pela teologia, e assim um tal Deus se torna novamente uma força cega. A inteligência tal como encontrada em nossos Dhyan Chohans é uma faculdade que pode pertencer apenas a seres organizados ou animados – por mais imponderáveis, ou melhor, invisíveis que sejam os materiais das suas organizações 7. A inteligência torna necessário o pensamento; para pensar alguém deve ter idéias; idéias supõem sentidos que são físicos e materiais, e como pode qualquer coisa material pertencer ao puro espírito? Se for feita a objeção de que o pensamento não pode ser uma propriedade da matéria, nós perguntaremos: por quê? Devemos ter uma prova inegável desta afirmativa, antes que possamos aceitá-la. Ao teólogo, nós perguntaríamos o que havia para impedir que seu Deus – já que ele é o suposto criador de tudo – dotasse a matéria com a faculdade do pensamento; e quando nos fosse respondido que evidentemente Ele preferiu não fazê-lo, e que esse é um mistério assim como uma impossibilidade, nós insistiríamos em que nos fosse dito por que é mais impossí-vel a matéria produzir o espírito e pensamento do que o espírito ou pensamento de Deus produzir e criar matéria.
Nós não inclinamos nossas cabeças até o pó do chão diante do mistério da mente – porque já o resolvemos eras atrás. Rejeitando com desprezo a teoria teísta, rejeitamos ao mesmo tempo a teoria do autômato, que ensina que os estados de consciência são produzidos pela disposição das moléculas do cérebro; e sentimos um respeito igualmente pequeno por aquela outra hipótese – a produção de movimento molecular pela consciência. Então, em que acreditamos? Bem, acreditamos no muito ridicularizado flogisto (veja o artigo “O Que é Força, o Que é Matéria”, Theosophist, setembro) 8 e no que alguns filósofos da natureza chamam de nisus, o movimento ou esforços incessantes embora perfeitamente imperceptíveis (para os sentidos comuns) que um corpo faz em relação a outro – as pulsações da matéria inerte – a sua vida. Os corpos dos espíritos Planetários são formados com aquilo que Priestley e outros chamaram de flogisto 9, e para o qual nós temos outro nome. Esta essência, em seu sétimo e mais elevado estado, forma a matéria da qual são compostos os organismos dos Dhyans mais elevados e puros, e em sua forma mais inferior ou densa (tão impalpável, no entanto, que a ciência a chama de energia e força) serve como uma cobertura para os Planetários do primeiro grau, o mais inferior. Em outras palavras, nós acreditamos na MATÉRIA apenas, na matéria como natureza visível e na matéria em sua invisibilidade, como o Proteu 10 invisível, onipresente, com seu movimento incessante que é a sua vida, e que a natureza extrai de si mesma já que ela é o grande todo fora do qual nada pode existir. Porque Bilfinger corretamente afirma que “o movimento é um modo de existência que flui necessariamente da essência da matéria; que a matéria se movimenta por suas próprias energias peculiares; que seu movimento é devido à força inerente a si mesma; que a variedade de movimentos e os fenômenos que resultam procedem da diversidade das propriedades, das qualidades e das combinações que são encontradas originalmente na matéria primitiva”, da qual a natureza é o conjunto, e da qual a ciência de vocês sabe menos do que um dos nossos condutores de iaque 11 sabe a respeito da metafísica de Kant.
A existência de matéria, então, é um fato; a existência de movimento é outro fato, e a auto-existência ou eternidade e indestrutibilidade deles constitui um terceiro fato. E a idéia de puro espírito como um Ser ou uma Existência – dê a isso o nome que quiser – é uma quimera, um gigantesco absurdo.
Nossas idéias a respeito do mal. O mal não tem existência per se 12 e é apenas a ausência do bem; e existe apenas para aquele que é transformado em vítima sua. Ele surge de duas causas e, tanto quanto o bem, não é uma causa independente na natureza. A natureza é destituída de bondade ou maldade; ela segue apenas leis imutáveis quando dá vida e alegria ou manda sofrimento e morte, destruindo o que havia criado. A natureza tem um antídoto para cada veneno, e suas leis possuem uma recompensa para cada sofrimento. A borboleta devorada pelo pássaro se torna aquele pássaro, e o pequeno pássaro morto por um animal alcança uma forma mais elevada. Essa é a lei cega da necessidade e da eterna adequação das coisas, e portanto não pode ser considerada um Mal na Natureza. O verdadeiro mal surge da inteligência humana e sua origem está inteiramente no homem que raciocina e que se dissocia da Natureza. Só a humanidade, portanto, é a verdadeira fonte do mal. O mal é o exagero do bem, produto do egoísmo e da ganância humanos. Pense profundamente e descobrirá que com a exceção da morte – que não é um mal mas uma lei necessária – e de acidentes, que sempre terão suas recompensas em uma vida futura – a origem de cada mal, seja pequeno ou grande, está na ação humana, no homem, cuja inteligência faz dele o único agente livre da natureza. Não é a natureza que cria doenças, mas o homem. A missão e o destino dele na economia da natureza é ter uma morte natural provocada pela velhice; salvo acidentes, nem um homem selvagem nem um animal selvagem (livre) morrem devido a doenças. Comida, relações sexuais, bebida, são todas necessidades naturais da vida; no entanto, o excesso delas traz doenças, miséria, sofrimento mental e físico; e estes últimos são transmitidos como os maiores males para as gerações futuras, os descendentes dos culpados. A ambição e o desejo de assegurar felicidade e conforto para aqueles que amamos através da obtenção de honras e riquezas são sentimentos naturais dignos de elogios, mas quando eles transformam o homem em um tirano cruel e ambicioso, um miserável, um egoísta, trazem miséria indescritível para os que estão ao redor dele; e para nações tanto quanto para indivíduos. Tudo isso então – comida, riqueza, ambição, e outras mil coisas que deixamos de mencionar – se torna fonte e causa do mal, seja por causa da sua abundância, seja devido à ausência. Torne-se um glutão, um devasso, um tirano, e você se transforma em um gerador de doenças, de sofrimento e miséria humanos. Deixe de lado tudo isso e você passa fome, é desprezado como um ninguém, e a maior parte do rebanho, os seus semelhantes, transforma você em um sofredor a vida toda. Portanto, não é a natureza nem uma Divindade imaginária que devem ser acusadas, mas a natureza humana transformada pelo egoísmo em algo mau. Pense bem sobre estas poucas palavras; identifique a causa de cada mal em que você pode pensar e localize a sua origem e terá resolvido uma terça parte do problema do mal. E agora, depois de deixar de lado, como é devido, os males que são naturais e não podem ser evitados – e eles são tão poucos que eu desafio todo o conjunto dos metafísicos ocidentais a qualificá-los como males ou a atribuir-lhes uma causa independente – direi a você qual é a maior, a principal causa de cerca de dois terços dos males que perseguem a humanidade desde que esta causa se tornou um poder. É a casta sacerdotal, o clero e as igrejas; é nestas ilusões que o homem vê como sagradas, que ele deve procurar a fonte daquele sem-número de males, que é a grande maldição da humanidade e que quase domina totalmente o gênero humano. A ignorância criou os Deuses e a astúcia aproveitou a oportunidade. 13 Veja a Índia, veja a Cristandade, o Islamismo, o Judaísmo e o fetichismo. Foi a impostura dos cleros que fez com que estes Deuses passassem a ser tão terríveis para o homem; é a religião que o transforma no beato egoísta, no fanático que odeia toda a humanidade fora da sua própria seita, sem torná-lo em nada melhor ou mais moral por isso. É a crença em Deus e nos Deuses que faz de dois terços da humanidade escravos de um punhado daqueles que os enganam com o falso pretexto de salvá-los. O homem não está sempre pronto a cometer qualquer tipo de maldade se lhe disserem que seu Deus ou Deuses exigem o crime – vítima voluntária de um Deus ilusório, escravo abjeto de seus ministros astuciosos? Os camponeses irlandeses, italianos e eslavos passarão fome, e verão suas famílias famintas e sem roupa, para alimentar e vestir seu padre e seu papa. Durante dois mil anos a Índia gemeu sob o peso das castas, com os brâmanes engordando só a si mesmos com o melhor da terra, e hoje os seguidores de Cristo e os de Maomé estão cortando as gargantas uns dos outros em nome – e para maior glória – dos seus respectivos mitos. Lembre que a soma da miséria humana nunca será diminuída até aquele dia em que a parte melhor da humanidade destruir, em nome da Verdade, da moralidade e da caridade universal, os altares dos seus falsos deuses.
Se for feita a objeção de que nós também temos templos, de que nós também temos sacerdotes e que nossos lamas também vivem da caridade … que se saiba que os objetos mencionados acima só têm o nome em comum com seus equivalentes ocidentais. Assim, em nossos templos não há um deus ou deuses adorados, apenas a memória três vezes sagrada do maior e mais santo homem que já viveu. Se nossos lamas, para honrar a fraternidade dos Bhikkhus 14, estabelecida pessoalmente pelo nosso abençoado mestre, saem para serem alimentados pelos leigos, estes últimos freqüentemente, em números que vão de 5 a 25.000, são alimentados e cuidados pela Samgha (a fraternidade de monges lamáicos), e a lamaseria atende as necessidades dos pobres, dos doentes e dos aflitos. Nossos lamas aceitam comida, nunca dinheiro, e é nesses templos que a origem do mal é explicada e transmitida para o povo. Lá são ensinadas as quatro nobres verdades – ariya sacca –; e a cadeia da causação (os 12 nidanas) 15 lhes dá uma solução para o pro-blema da origem do sofrimento e a sua destruição.
Leia o Mahavagga 16 e tente compreender, não com a mente ocidental preconceituosa, mas com o espírito de intuição e de verdade, o que o ser Completamente Iluminado diz no 1º Khandhaka. Permita que eu traduza para você.
“Na época em que o abençoado Buddha estava em Uruvela, às margens do rio Neranjara, quando ele descansava sob a árvore da sabedoria Bodhi, depois de haver se tornado Sambuddha, ao final do sétimo dia, mantendo sua mente fixa na cadeia de causação, ele falou assim: ‘da Ignorância surgem os samkharas 17 de natureza tríplice – produtos do corpo, da fala e do pensamento. Dos samkharas surge consciência, da consciência surgem o nome e a forma, deles surgem as seis regiões (as seis regiões dos seis sentidos, sendo que o sétimo é propriedade apenas do iluminado); destes surge o contato, deste a sensação; desta surge a ânsia (ou desejo, kama, tanha), da ânsia o apego, a existência, o nascimento, a velhice, a morte, a aflição, a lamentação, o sofrimento, o desânimo e o desespero. E no sentido inverso, pela destruição da ignorância os samkharas são destruídos, e a consciência deles, nome e forma, as seis regiões, o contato, a sensação, a ânsia, o apego (egoísmo), a existência, o nascimento, a velhice, a morte, a aflição, a lamentação, o sofrimento e o desânimo e desespero são destruídos. Assim é a cessação de toda essa massa de sofrimento’.”
Sabendo disso, o Ser Abençoado fez esta afirmação solene:
“Quando a natureza real das coisas se torna clara para o Bhik-shu 18 que medita, então todas as suas dúvidas desaparecem, já que ele compreendeu qual é aquela natureza e qual a sua causa. Da ignorância surgem todos os males. Do conhecimento vêm a cessação desta massa de infelicidade, e então o brâmane que medita ergue-se dispersando as hostes de Mara como o sol ilumina o céu.”
Meditação, aqui, significa as qualidades super-humanas (não sobrenaturais), ou a condição de arhat nos seus mais altos poderes espirituais.
1 Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, desenvolveu um enfoque matemático para uma filosofia da natureza. Neste aspecto, entre outros, seu pensamento teve certa influência sobre Benedictus de Spinoza (1632-1677). (N. ed. bras.)
2 Francis Bacon (1561-1626), filósofo inglês, grande ocultista, considerado o formula-dor do método científico experimental moderno. A literatura teosófica o considera o verdadeiro autor das obras assinadas por William Shakespeare. (N. ed. bras.)
3 A grafia mais usada atualmente é Ishwara ou Ishvara. (N. ed. bras.) 54
4 Loup-garou – bicho-papão, em francês: fantasma imaginário que se usa para assustar crianças. (N ed. bras.)
5 Benedictus de Spinoza foi perseguido por suas idéias filosóficas mesmo na Holanda do século 17, conhecida por seu clima de liberdade religiosa. Sua principal obra, Ética, não pôde ser publicada enquanto ele viveu. Foi acusado de ateísmo e considerado um he-rege pela comunidade judaica. A décima-quarta proposição mencionada a seguir pelo Mestre pertence à parte I, “De Deus”, do seu famoso tratado sobre a Ética (publicado no Brasil pela Ed. Ediouro). (N. ed. bras.)
6 Advaita – escola não-dualista da tradição dos Vedas ou Vedanta; foi fundada por Shankaracharia. (N. ed. bras.)
7 Isto é, dos seus organismos. (N. ed. bras.)
8 O texto O Que é Força, o Que é Matéria? está publicado no volume quatro de Collected Writtings, de H.P. Blavatsky. Em Letters of H.P.B. to A.P. Sinnett, p. 8, Blavatsky afirma que o texto é de autoria do Mahatma K.H. O flogisto, segundo O Que é Força, o Que é Matéria?, constitui de certo modo uma essência da matéria. O Mahatma sugere que ele corresponde a um nível do akasha e tem parentesco com a “matéria radiante” do professor William Crookes (isto é, com a radiatividade e a energia atômica). No mesmo texto, o Mahatma diz: “Os Ocultistas sustentam que a concepção filosófica do espírito e a concepção da matéria devem ter uma mesma e única base de fenômenos, acrescentando que Força e Matéria, Espírito e Matéria, ou Divindade e Matéria, em-bora possam ser vistos como pólos opostos nas suas respectivas manifestações, são em essência e em verdade apenas um; e que a vida está presente tanto em um corpo morto como em um corpo vivo, na matéria orgânica como na matéria inorgânica. É por isso que, enquanto a ciência ainda está pesquisando e pode continuar pesquisando eternamente para resolver o problema do que é a vida, o Ocultista pode deixar de lado a questão, já que ele alega, com razões tão boas quanto as possíveis razões contrárias, que a Vida, seja na sua forma latente ou dinâmica, está em todo lugar. Que ela é tão infinita e indestrutível como a própria matéria, já que nenhuma das duas pode existir sem a outra, e que a eletricidade é a verdadeira essência e origem da – própria vida”. (N. ed. bras.)
9 Flogisto – O termo foi criado por Georg Ernest Stahl em 1729. Joseph Priestley, químico inglês, também trabalhou com este conceito. (N. ed. bras.)
10 Proteu – Na mitologia clássica, um Deus marinho, filho de Oceano e de Tétis. Co-nhecia o presente, o passado e o futuro, e assumia todas as formas possíveis. (N. ed. bras.)
11 Iaque – Animal doméstico tibetano de grande porte, equivalente ao boi. (N. ed. bras).
12 Per se – por si mesmo. (N. ed. bras.)
13 O Mahatma esclarece mais este tema na Carta 43, primeira série, de Cartas dos Mest-res de Sabedoria (pp. 103-104). (N. ed. bras.)
14 Bhikkhus – Discípulos, em sânscrito. (N. ed. bras.)
15 12 nidanas – Nidana, em sânscrito, significa causa ou essência. Os 12 nidanas são um conceito fundamental da doutrina budista: o encadeamento de causa e efeito em todo o transcurso da existência, cuja compreensão resolve o enigma da vida. Os doze degraus, segundo o Glossário Teosófico de H.P.B., são: 1. Jati, nascimento; 2. Jara-marana, velhice e morte; 3. Bhava, o agente cármico que leva ao nascimento; 4. U-padana, a causa criadora de Bhava; 5. Trishna, amor, seja puro ou impuro; 6. Veda-na, sensação, percepção pelos sentidos; 7. Sparza, o sentido do tato; 8. Chadayatana, os órgãos de sensação; 9. Nama-rupa, a personalidade; 10. Vijnana, perfeito conhe-cimento de tudo que é perceptível e do encadeamento unitário dos objetos; 11. Sams-kara, ação no plano ilusório; 12. Avidya, ignorância. Helena Blavatsky escreveu em A Doutrina Secreta que os ensinamentos esotéricos sobre a relação entre os Nidanas e as Quatro Nobres Verdades são secretos (Vol. I, item 7 do Comentário à Estância I). (N. ed. bras.)
16 Mahavagga – parte de uma escritura budista. O Tripitaka, literalmente “três cestas” em páli, constitui um cânone do budismo hinayana e tem três grandes divisões, uma das quais é intitulada Vinayapitaka. Vinayapitaka tem por sua vez quatro subdivi-sões, entre as quais Khandhaka. Mahavagga, citado pelo Mahatma, é a maior das du-as partes que compõem Khandhaka. Há alguns anos o Tripitaka está sendo traduzido do chinês para o inglês. O empreendimento é de grande vulto e de longo prazo. (N. ed. bras.)
17 Samkharas – termo páli equivalente a samskara ou sanskaras em sânscrito. Significa germes e tendências cármicas estabelecidos em vidas anteriores. Também pode desig-nar as impressões deixadas na mente pelas ações individuais e pelas circunstâncias externas, e que vão influenciar o futuro a curto ou longo prazo. (N. ed. bras.)
18 Bhikshu – literalmente “discípulo mendicante”, em sânscrito. O equivalente em páli é bikku. O termo se refere ao discípulo budista, especialmente dos primeiros tempos. (N. ed. bras.)