Notas sobre um Capítulo Preliminar sobre Deus (Continuação)

Resumo de uma carta de K.H. para Hume. Foi recebida para meu exame no final da estação de 1882. (A.P.S.)

Sinnett não faz qualquer comentário sobre o modo como esta carta veio a ser escrita, mas parece que, depois que Hume recebeu as notas do Mahatma sobre seu “Capítulo Preliminar Sobre Deus” (Carta nº 88, ML-10), ele escreveu novamente para o Mahatma questionando algumas das suas afirmações, e que esta carta é a resposta.

Carta nº 90 (ML-22), recebida em outubro de 1882

Extraído do Original em  “Cartas dos Mahatmas para A. P. Sinnett” Editora Teosófica, Volume II, julho 2001

Já lhe ocorreu alguma vez – e agora, do ponto de vista da sua ciência ocidental e sob a sugestão do seu próprio Ego, que já captou os elementos essenciais de todas as verdades, prepare-se para zombar da idéia errônea – você já suspeitou alguma vez que a mente universal, assim como a mente humana e finita, pode ter dois atributos, ou um poder dual, de um lado voluntário e consciente, e de outro involuntário e inconsciente, ou mecânico? Para reconciliar a dificuldade de muitas proposições teístas e antiteístas, estes dois poderes são uma necessidade filosófica. A possibilidade do primeiro atributo voluntário e consciente, em relação à mente infinita, apesar das afirmativas de todos os Egos em todo o mundo vivo – permanecerá para sempre uma mera hipótese, enquanto na mente finita esta possibilidade é um fato científico e demonstrado. O mais elevado Espírito Planetário ignora o primeiro tanto quanto nós o ignoramos, e a hipótese permanecerá sempre como tal mesmo no Nirvana, já que ela é uma mera possibilidade dedutiva, lá como aqui.

Considere a mente humana em sua relação com o corpo. O homem tem dois cérebros físicos distintos; o cérebro propriamente dito, com seus dois hemisférios, na parte frontal da cabeça – fonte dos nervos voluntários – e o cerebelo, situado na parte posterior do crânio, fonte dos nervos involuntários, que são os agentes dos poderes inconscientes ou mecânicos através dos quais a mente age. E embora possa ser fraco e incerto o controle do homem sobre suas funções involuntárias como a circulação do sangue, as batidas do coração e a respiração, especialmente durante o sono – no entanto, quão imensamente mais poderoso, quanto maior é o potencial do homem como senhor e governante da movimentação molecular cega – das leis que governam seu corpo (uma prova disso é dada pelos poderes fenomênicos do Adepto e mesmo do iogue comum) do que o controle que aquilo que você chamará de Deus mostra ter sobre as leis imutáveis da Natureza. Ao contrário da mente finita, neste ponto a “mente infinita” – que chamo assim somente para efeitos de argumentação, porque nós a chamamos de FORÇA infinita – de-monstra ter apenas as funções do seu cerebelo; a existência do seu suposto cérebro é admitida como foi dito acima somente na hipótese inferencial deduzida da teoria cabalística (correta em todas as outras relações) de que o Macrocosmo é o protótipo do Microcosmo. Até onde nós sabemos, e a corroboração disso pela ciência moderna merece pouca consideração – e até onde foi averiguado pelos Espíritos Planetários (os quais, lembre bem, têm uma relação com o mundo transcósmico, que alcança além do véu primitivo de matéria cósmica, de modo semelhante ao fato de que nós temos que ir além do véu deste nosso mundo físico denso) – a mente infinita não mostra para eles, como para nós, nada além dos batimentos inconscientes e regulares do pulso eterno e universal da Natureza, ao longo das miríades de mundos, tanto dentro como fora do véu primitivo do nosso sistema solar.

Até esse ponto – NÓS SABEMOS. Dentro e até o limite último, até o próprio limite do véu cósmico, sabemos que o fato é correto – devido à experiência própria; em relação à informação reunida sobre o que ocorre mais além, nós somos gratos aos Espíritos Planetários, ao nosso abençoado Senhor Buddha. Isso, é claro, pode ser visto como informa-ção de segunda mão. Há aqueles que, antes de ceder à evidência dos fatos, preferirão ver até mesmo os deuses planetários como filósofos desincorporados “equivocados”, se não de fato mentirosos. Que assim seja. “Cada um é o senhor da sua própria sabedoria” – diz um provérbio tibetano, e tem a liberdade de honrar ou degradar sua escrava. No entanto, continuarei pelo bem daqueles que ainda puderem captar minha explicação do problema e entender a natureza da solução.

A faculdade peculiar do poder involuntário da mente infinita – que ninguém jamais poderia pensar em chamar de Deus – é estar eter-namente transformando 2 matéria subjetiva em átomos objetivos (você lembrará, por favor, que estes dois adjetivos são usados apenas em sentido relativo), ou matéria cósmica, a ser transformada mais tarde em forma. 3 E é, de modo semelhante, este mesmo poder involuntário e mecânico que nós vemos tão intensamente ativo em todas as leis fixas da natureza – que governa e controla o que é chamado de Universo ou Cosmo. Há alguns filósofos modernos que gostariam de comprovar a existência de um Criador pelo movimento. Nós dizemos e afirmamos que aquele movimento – o movimento universal perpétuo que nunca cessa, nunca diminui nem aumenta sua velocidade, nem mesmo durante os intervalos, os pralayas ou “noites de Brahma”, mas continua como um moinho que se movimenta haja ou não haja algo para moer (porque o pralaya implica a perda temporária de toda forma, mas não, absolutamente, a destruição da matéria cósmica, que é eterna) – dizemos que este movimento perpétuo é a única Divindade perpétua e não-criada que somos capazes de reconhecer. Ver Deus como um espírito inteligente, e aceitar ao mesmo tempo sua absoluta imaterialidade, é conceber uma não-entidade, um vazio total; ver Deus como um Ser, um Ego, e colocar sua inteligência em algum recipiente por alguma razão misteriosa – é o mais completo absurdo; atribuir-lhe inteligência diante do Mal cego e brutal é fazer dele um demônio – um Deus extremamente ignóbil. Um Ser, embora gigantesco, que ocupe espaço e tenha comprimento, largura e profundidade, é com toda certeza a divindade mosaica; o “não-Ser” e um mero princípio levam você diretamente ao ateísmo budista, ou ao primitivo acosmismo vedanta. O que está além e fora dos mundos da forma e do ser, em mundos e esferas em seu estado mais espiritualizado – (e você talvez nos faça o favor de dizer onde poderia estar esse além, já que o Universo é infinito e ilimitado) será buscado inutilmente por qualquer um, porque mesmo os Espíritos Planetários não têm conhecimento ou percepção disso. Embora nossos maiores adeptos e Bodhisattvas nunca tenham ido eles próprios além do nosso sistema solar – e a idéia parece servir maravilhosamente à sua teoria teísta preconcebida, meu respeitado Irmão – eles ainda assim sabem da existência de outros sistemas solares como este, com uma certeza tão matemática quanto aquela pela qual um astrônomo ocidental sabe da existência de estrelas invisíveis das quais ele nunca pode se aproximar e as quais nunca pode nem explorar. Mas daquilo que fica dentro dos mundos e sistemas, não na trans-infinitude – (uma estranha expressão) – mas no aquém-infinitude, no estado da mais pura e inconcebível imaterialidade, ninguém soube nem jamais poderá falar, já que isto é algo não-existente para o universo. Você está livre para colocar neste eterno vácuo os poderes intelectuais ou voluntários de sua divindade – se for capaz de conceber tal coisa.

Enquanto isso, nós podemos dizer que é o movimento que governa as leis da natureza; e que ele as governa como o impulso mecânico dado à água corrente, e que as impelirá seja em uma linha direta ou por centenas de sulcos laterais que elas possam encontrar em seu caminho, quer estes sulcos sejam canais naturais ou preparados artificialmente pela mão do homem. E nós sustentamos que onde quer que haja vida e ser, e por mais espiritualizada que seja a forma, não há espaço para governo moral, muito menos para um Governante moral – um Ser que ao mesmo tempo não tem forma nem ocupa espaço! Verdadeiramente, se a luz brilha na escuridão, e a escuridão não a compreende, é porque esta é a lei natural, mas é muito mais sugestivo e pleno de significado, para alguém que sabe, dizer que a luz é ainda menos capaz de compreender a escuridão, e tampouco jamais pode conhecê-la, já que a mata onde quer que penetre e a liquida instantaneamente. Um Espírito puro, e no entanto volitivo, é um absurdo para a mente volitiva. O resultado do organismo não pode existir independentemente de um cérebro organizado, e um cérebro organizado feito a partir do nada constitui uma falácia ainda maior. Se você me perguntar: “De onde vêm, então, as leis imutáveis? – leis não podem fazer a si mesmas” – perguntarei a você por meu turno: e de onde vem, então, o suposto criador delas? Um Criador não pode criar ou fazer a si mesmo. Se o cérebro não pode ter feito a si mesmo, já que isso significaria dizer que o cérebro atuou antes de existir, como poderia a inteligência, resultado de um cérebro organizado, atuar antes que seu criador fosse feito?

Tudo isso nos faz lembrar das discussões pelo título de Senior 4. Se as nossas doutrinas se chocam demasiado com as suas teorias, então facilmente podemos renunciar ao assunto e falar de outra coisa. Estude as leis e doutrinas dos swabhavikas nepaleses, a principal escola filosófica budista na Índia, e você verá que eles estão entre os polemistas mais cultos e cientificamente lógicos do mundo. O Swabhavat deles, plástico, invisível, eterno, onipresente e inconsciente, é Força ou Movimento gerando permanentemente sua eletricidade que é a vida.

Sim; há uma força tão ilimitada quanto o pensamento, tão potente quanto a vontade sem fronteiras, tão sutil quanto a essência da vida, tão inconcebivelmente terrível em seu poder destruidor que bastaria ser usada como alavanca para contrair o universo em seu centro, mas essa Força não é Deus, já que há homens que aprenderam o segredo pelo qual podem sujeitá-la à sua vontade quando necessário. Olhe ao seu redor e veja a miríade de manifestações de vida, tão infinitamente multiformes; de vida, movimento, de mudança. O que as causou? De que fonte inexaurível elas vieram, por que meio? Saindo do invisível e do subjetivo, elas entraram em nossa pequena área do visível e do objetivo. Foi a Força que trouxe essas filhas do Akasha, evoluções concretas surgidas do éter, para o campo do perceptível; e é a Força que, no devido tempo, as afastará da visão do homem. Por que esta planta no seu jardim, à direita, tinha de ser produzida com tal forma, e aquela outra, à esquerda, com uma forma totalmente diversa? Não serão, estes, resultados da ação variada da Força – correlações diferentes? Dada uma perfeita monotonia de atividades em todo mundo, nós teríamos uma completa identidade de formas, cores, modelos e propriedades ao longo de todos os reinos da natureza. É ao movimento, com o conflito, a neutralização, o equilíbrio e a correlação resultantes dele, que se deve a infinita variedade que prevalece. Você fala de um Pai inteligente e bom – (um atributo escolhido de modo algo infeliz) –, um guia e governante moral do universo e do homem. Há em torno de nós uma certa condição de coisas que nós chamamos de normal. Dentro disso, nada pode ocor-rer que transcenda nossa experiência cotidiana, “as leis imutáveis de Deus”. Mas suponha que nós mudemos esta condição e obtenhamos o melhor daquele sem cuja aprovação nem mesmo um cabelo de sua cabeça cairá, como se diz no Ocidente. Uma corrente de ar chega a mim do lago próximo ao qual, com meus dedos meio congelados, eu agora escrevo esta carta para você. Transformo, por uma certa combinação de influências elétricas, magnéticas, odílicas5 ou outras, a corrente de ar que entorpece meus dedos em uma brisa mais quente; eu contrariei a intenção do Todo-Poderoso, e o destronei com minha vontade! Posso fazer isso, ou, quando não quero que a Natureza produza fenômenos estranhos e demasiado visíveis, forço meu ser interior, que vê a natureza e a influencia, a despertar subitamente para novas percepções e sentimentos, e assim sou meu próprio Criador e governante.

Mas você pensa que está certo ao dizer que “as leis nascem”? Leis imutáveis não podem nascer, porque são eternas e incriadas, impelidas na Eternidade, e mesmo Deus, se uma tal coisa existisse, nunca poderia ter o poder de pará-las. E quando foi que eu disse que essas leis são for-tuitas em si? Eu me referi às suas correlações cegas, nunca às leis, ou melhor à lei – já que nós reconhecemos apenas uma lei no universo, a lei da harmonia, do perfeito EQUILÍBRIO. Então, para um homem dotado de uma lógica tão sutil, e de uma compreensão tão fina do valor das idéias em geral, e das palavras em especial – para um homem tão exato como você geralmente é, fazer longos discursos sobre “um Deus total-mente sábio, poderoso e cheio de amor” parece estranho, para dizer o mínimo. Não protesto de modo algum, como você parece pensar, contra seu teísmo, ou contra a crença em um ideal abstrato de alguma forma, mas não posso deixar de perguntar a você como sabe, ou como pode saber, que o seu Deus é totalmente sábio, onipotente e cheio de amor, quando tudo na natureza, físico e moral, comprova que um tal ser, se existe, é completamente o oposto de tudo o que você diz dele? Estranha ilusão, e uma ilusão que parece sobrepujar o seu próprio intelecto.

A dificuldade para explicar o fato de que “Forças não-inteligentes possam originar seres altamente inteligentes como nós próprios” é eli-minada pela eterna progressão dos ciclos, e o processo da evolução que sempre aperfeiçoa seu trabalho à medida que avança. Ao não acreditar em ciclos, é desnecessário para você aprender algo que apenas criará mais um pretexto, meu caro Irmão, para que você combata a teoria e argumente contra ela ad infinitum. Tampouco tornei-me alguma vez culpado da heresia de que sou acusado em relação a espírito e matéria. A concepção de matéria e espírito como totalmente diferentes, e eternos, certamente jamais poderia haver entrado em minha cabeça, por menos que eu conheça sobre ambos, porque uma das doutrinas elementares e fundamentais do Ocultismo diz que os dois são um, e são diferentes a-penas em suas respectivas manifestações, e só nas percepções limitadas do mundo dos sentidos. Longe de “não terem amplitude filosófica”, por-tanto, nossas doutrinas mostram apenas um princípio na natureza – espírito-matéria ou matéria-espírito, sendo o terceiro o Absoluto último ou a quintessência dos dois – se posso ter a permissão de usar um termo errôneo neste caso – perdendo-se além da vista e das percepções espirituais até mesmo dos “Deuses” ou Espíritos planetários. Este terceiro princípio, dizem os filósofos vedantinos – é a realidade una, e tudo o mais é Maya, já que nenhuma das manifestações proteanas6 do espírito-matéria ou Purusha e de Prakriti jamais foi vista como algo diferente de ilusões temporárias dos sentidos. Mesmo na filosofia toscamente delineada em Ísis, esta idéia está claramente colocada. No livro de Kiu-te, o Espírito é qualificado como a sublimação última da matéria, e a matéria como a cristalização do espírito. E não poderia ser dada uma ilustração melhor do que a do fenômeno muito simples do gelo, da água, do vapor e da dispersão final deste último, um fenômeno que é revertido nas suas manifestações consecutivas, sendo descrito como a queda do Espírito na geração ou na matéria. Esta trindade que se converte em unidade – uma doutrina tão velha quanto o mundo do pensamento – foi apropriada por alguns cristãos primitivos, que a tinham nas escolas de Alexandria, e a transformaram no Pai, ou espírito gerador; o Filho ou matéria, o homem; e o Espírito Santo, a essência imaterial, ou o ápice do triângulo eqüilátero, uma idéia encontrada até hoje nas pirâmides do Egito. Assim, mais uma vez se comprova que você interpreta inteiramente mal o que afirmo, sempre que, para resumir, uso uma fraseologia habitual dos povos ocidentais. Mas, por minha vez, devo observar que a sua idéia de que a matéria é apenas a forma temporária alotrópica do espírito, diferindo dele assim como o carvão vegetal difere do diamante 7, é tão não-filosófica quanto não-científica, tanto do ponto de vista oriental como ocidental, pois o carvão vegetal é apenas uma forma de resíduo de ma-téria, enquanto a matéria em si é indestrutível e, segundo eu sustento, contemporânea do espírito – aquele espírito que nós conhecemos e que podemos conceber. Despojado de Prakriti, Purusha (Espírito) é incapaz de manifestar-se, e portanto deixa de existir, torna-se nada. Sem espírito ou Força, mesmo aquilo que a ciência descreve como matéria “sem vi-da” – os assim chamados ingredientes minerais que alimentam plantas – jamais poderia ter assumido formas. Há um momento na existência de cada molécula e átomo de matéria em que, por uma ou outra causa, a última centelha de espírito, movimento ou vida (chame-a como quiser) é retirada; e no mesmo instante, com uma rapidez que ultrapassa a rapidez do raio de luz do relâmpago do pensamento, o átomo, molécula ou agregado de moléculas é aniquilado, e retorna para sua pureza prístina de matéria intracósmica. É atraído pela fonte-mãe com a velocidade com que um glóbulo de mercúrio é atraído pela sua massa central. Matéria, força e movimento são a trindade da natureza objetiva e física, assim como a unidade trinitária de espírito-matéria representa o mesmo para a natureza espiritual ou subjetiva. O movimento é eterno porque o espírito é eterno. Mas nenhum modo de movimento pode jamais ser concebido a menos que esteja em conexão com a matéria.

E agora vejamos a sua hipótese extraordinária de que o Mal, com suas seqüências secundárias de pecado e sofrimento, não seja resultado da matéria, mas possa ser talvez um sábio esquema do Governante mo-ral do Universo. Embora a idéia possa parecer aceitável para você, treinado na perniciosa falácia do cristão – “os caminhos do Senhor são inescrutáveis” –, ela é completamente inconcebível para mim. Devo repetir de novo que os melhores Adeptos estudaram o Universo durante milênios e não viram em lugar algum o mais leve traço de um tal planejador maquiavélico – mas encontraram por toda parte a mesma lei imutável e inexorável. Você deve desculpar-me, portanto, se me recuso firmemente a perder meu tempo com especulações tão infantis. O que me resulta incompreensível não são os “caminhos do Senhor”, mas sim os de alguns homens que são extremamente inteligentes em tudo, exceto algum passatempo particular preferido.

Como você diz, não é necessário que isso “faça diferença entre nós” – pessoalmente. Mas realmente faz uma diferença enorme se você se propõe a aprender e pretende que eu lhe ensine. Por minha vida, não posso compreender como seria possível em algum momento transmitir a você aquilo que sei quando o próprio A.B.C. do que eu conheço, a rocha sobre a qual os segredos do universo oculto, seja deste ou do outro lado do véu, estão registrados, é negado por você invariavelmente e a priori. Meu muito caro irmão, ou nós sabemos algo ou não sabemos nada. No primeiro caso, para que serve o seu aprendizado, já que você pensa que sabe mais? No segundo caso, por que você deveria perder o seu tempo? Você diz que não tem importância alguma se estas leis são expressão da vontade de um Deus inteligente e consciente, como você pensa, ou constituem os atributos inevitáveis de um “Deus” não-inteligente, inconsci-ente, como eu sustento. Eu digo, isso tem total importância, e já que você acredita firmemente que estas questões fundamentais (de espírito e matéria – e Deus ou não-Deus) “estão claramente além de nós dois” –, em outras palavras, que nem eu nem os nossos maiores adeptos pode-mos saber nada além do que você sabe, então o que haverá, na terra, que eu possa ensinar-lhe? Você sabe que para habilitar-se a ler teve primeiro que aprender as letras – no entanto você quer saber o rumo dos acontecimentos antes e depois dos Pralayas, de cada acontecimento aqui neste globo na abertura de um novo ciclo, isto é, um mistério transmitido em uma das últimas iniciações, como foi dito ao sr. Sinnett – pois minha carta para ele sobre os Espíritos Planetários foi apenas circunstancial, provocada por uma pergunta dele. E agora você dirá que estou evitando a questão direta. Abordei pontos colaterais, mas não expliquei tudo o que você deseja saber e me pediu que dissesse. Eu “me esquivo”, como sempre faço. Perdoe-me por contradizê-lo, mas não o-corre nada semelhante. Há mil questões que nunca terei permissão para responder, e esquivar-me seria responder de modo diferente do que faço. Digo claramente que você não tem condições de aprender, porque sua mente está demasiado cheia, e não tem um canto vazio de onde um ocupante anterior não surgiria para lutar com qualquer recém-chegado e expulsá-lo. Portanto eu não evito, só dou-lhe tempo para refletir, deduzir e aprender bem antes o que já lhe foi dado, para depois absorver outra coisa. O mundo da força é o mundo do Ocultismo e o único mun-do para onde o mais alto iniciado vai com o objetivo de investigar os segredos do ser. Portanto ninguém, exceto um tal iniciado, pode saber alguma coisa destes segredos. Guiado por seu Guru, um chela primeiro descobre esse mundo, depois suas leis, mais tarde as evoluções centrífugas deste mundo e das leis no mundo da matéria. Tornar-se um perfeito adepto toma dele longos anos, mas, afinal, ele se transforma no mestre. As coisas ocultas se tornaram claras, e mistérios e milagres fugiram para sempre da sua visão. Ele sabe como guiar a força nesta ou naquela direção para produzir os efeitos desejados. As propriedades secretas químicas, elétricas ou ódicas das plantas, ervas, raízes, minerais, de te-cidos animais, são tão familiares para ele como as penas dos seus pássaros são para você 8. Nenhuma mudança das vibrações etéricas pode es-capar da sua observação. Ele aplica seu conhecimento e, veja, é um mi-lagre! E ele, que começou repudiando a própria idéia de que um milagre fosse possível, é imediatamente classificado como um fazedor de milagres e adorado pelos tolos como um semideus ou rejeitado por tolos ainda maiores como um charlatão. E para mostrar-lhe até que ponto é exata a ciência do ocultismo, deixe-me dizer-lhe que os meios de que nos servimos estão todos estabelecidos em um código tão antigo quanto a humanidade, até o mais ínfimo detalhe; mas cada um de nós tem de começar do início, não do final. Nossas leis são tão imutáveis como as da Natureza, e elas já eram conhecidas pelo homem uma eternidade antes que este pomposo galo-de-briga, a ciência moderna, fosse chocado. Se não revelei a você o modus operandi nem comecei pelo lado errado, pelo menos mostrei-lhe que construímos nossa filosofia sobre experimentos e deduções – a menos que você decida questionar e discutir esse fato junto com todos os outros. Aprenda primeiro as nossas leis e eduque suas percepções, caro Irmão. Controle seus poderes involuntários, desenvolva sua vontade na direção certa, e você se tornará um instrutor ao invés de um aprendiz. Eu não recusaria o que tenho direito de ensinar. Porém, precisei estudar durante 15 anos antes de chegar às doutrinas dos ciclos, e no início tive de aprender coisas mais simples. Mas seja o que for que façamos, e aconteça o que acontecer, confio em que não teremos mais discussões, algo que é tão inútil quanto doloroso.

 


1 Texto transcrito de uma cópia feita com a letra do sr. Sinnett. (N. da 1ª edição)

2 No original em inglês, “evolving subjective matter into objective atoms”. Também poderia ser traduzido como “provocando a evolução de matéria subjetiva de modo que ela surja como átomos objetivos”. (N. ed. bras.)

3 Em forma – isto é, em matéria dotada de forma. No original temos “cosmic matter to be later on developed into form”. (N. ed. bras.) 70

4 Referência a um título acadêmico, obtido através de defesa oral em universidades como a de Cambridge, na Inglaterra, segundo esclarece a edição espanhola das Cartas dos Mahatmas (Editorial Teosófica, Barcelona, 1994, ver p. 194). (N. ed. bras.) 71

5 Odílicas – ou ódicas – relativas a od, o fluido vital e magnético sutil, conceito muito semelhante ao da luz astral. (N. ed. bras.) 72

6 Isto é, à maneira de Proteu, o deus marinho mitológico que era multiforme. (N. ed. bras.)

7 Alotropia é a propriedade de certos elementos químicos, como o carbono e o fósforo, de existirem de duas ou mais formas diferentes. Este é o caso do carvão vegetal e do diamante. Ambos são feitos exclusivamente de átomos de carbono. O que explica a enorme diferença das duas substâncias é a disposição dos átomos de carbono. (N. ed. bras.)

8 A.O. Hume era um ornitólogo amador. (N. ed. bras.) 76

 

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