Pratyāhāra

 

Por Cláudio Azevedo

Extraído de Azevedo, Cláudio; A Caminho no Ser: Uma Visão Transpessoal

da Psicologia no Yoga Sūtra de Patāñjalī, Editora Órion, Fortaleza, 2.007

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“Pratyāhāra significa que crio uma condição em que a minha mente está tão absorvida por algo que os sentidos não reagem mais a outros objetos” 1:167.

T. K. V. Desikachar

Atingiu-se um estado mental de grande tranqüilidade, através de uma imobilidade relaxada, sentindo a espiral ascendente e retendo naturalmente a respiração depois da expiração YS I:34, mas essa tranqüilidade está vulnerável, exposta a qualquer estímulo externo. Esses estímulos externos naturalmente são causas de distração (vikṣepa) para a mente, perturbando-lhe a tranqüilidade adquirida.

A Caminho no SerAgora, mesmo com a facilidade de se concentrar sobre as próprias imagens mentais (pratyaya), obtida com prāṇāyāma, como a mente está habituada a se voltar para os estímulos externos (parāṇgacetanā), provenientes dos cinco sentidos (pañca jñanendriyas), uma perfeita interiorização (pratyakcetanā) YS I:29 ainda não pode ocorrer.

O cérebro processa cerca de 400 bilhões de bits de informação por segundo, mas só conscientizamos cerca de 2.000 bits, referente ao que está ao nosso redor, nosso corpo e o tempo. Dessa forma, nos abstraímos da quase totalidade dos estímulos externos (99,999999995%) em função do que julgamos importante, de uma forma totalmente involuntária. Da mesma forma, normalmente nos abstraímos, também involuntariamente, todas as vezes que nos distraímos (ou nos concentramos) com algum estímulo externo (uma leitura agradável, um pôr do sol, etc.).

Mas esse tipo de abstração involuntária, decorrente de estímulos externos, é extremamente frágil, uma vez que qualquer estímulo externo mais intenso pode atrair a atenção da mente e sobrepujar aquele outro estímulo que está causando a abstração. Se examinarmos nossos conteúdos mentais, quando nenhum esforço mental específico estiver sendo realizado, verificaremos que nossas imagens mentais (pratyaya) podem decorrer de cinco fontes:

1.     Dos estímulos sensoriais externos;

2.     Do campo de nossas imaginações;

3.     Vinculadas à perspectiva futura;

4.     Do reservatório de nossas memórias; ou

5.     Do estado de sonho ou sono.

Pratyāhāra é um estado mental voluntário em que, naturalmente e conscientemente, nos desconectamos dos sinais que nos chegam através de nossos sentidos, liberando a mente das sensações físicas para poder reconhecer internamente aquelas outras imagens de nossa tela mental. Esse estado mental, em que os órgãos sensoriais deixam de funcionar, só poderá ser perfeitamente dominado se todas as etapas anteriores já descritas (do aṣṭāṇgayoga) tiverem sido dominadas: dominar todas as perturbações emocionais (yamas e niyamas), resultantes das nossas imperfeições de caráter, e controlar o corpo físico e a respiração (āsana e prāṇāyāma).

Pratyāhāra, literalmente, é ir contra (prati) qualquer alimento (āhāra), no sentido de controlar a alimentação de nosso corpo, de nossos sentidos e de nossos relacionamentos. Não que os outros controles não sejam importantes no Yoga, mas, no aṣṭāṇgayoga, pratyāhāra é o controle da nossa alimentação sensorial, para que a mente se volte, imperturbável, a si mesma. Por isso prāṇāyāma é uma preparação para pratyāhāra, pois o redirecionamento consciente do prāṇa, sob o controle da vontade, leva consigo os sentidos. Aonde vai o pensamento vai o pr??a e vão os sentidos (indriyas).

Então, o objetivo desse aṇga é libertar a mente do controle dos sentidos que, segundo o Sāṅkhya darśana, são de dois tipos: jñanendriyas e karmendriyas. Dessa forma, jñanendriyas pratyāhāra é o controle das cinco faculdades dos sentidos (da visão, da audição, do olfato, do paladar e o tato), e karmendriyas pratyāhāra é o controle dos cinco órgãos de ação (da boca, das mãos, dos pés, dos órgãos de reprodução e excreção. Assim, prāṇa pratyāhāra (ou prāṇāyāma), jñanendriyas pratyāhāra e karmendriyas pratyāhāra são etapas necessárias para se obter mano pratyāhāra: o controle sobre aquilo que alimenta manas (a mente).

Com mano pratyāhāra a mente não é mais influenciada por nenhum objeto exterior e volta-se, naturalmente, para o mundo interno (para as outras fontes de modificações mentais YS I:5 com as quais estamos identificados), num processo denominado pratyakcetanā YS I:29. Encerra-se aqui a prática com objetos externos (bahiraṇgayoga) e inicia-se a prática com objetos internos (antaraṇgayoga).

Somente depois que dominarmos a prática de pratyāhāra, dominando totalmente os sentidos, é que seremos capazes de começar a exercitar a verdadeira concentração (dhāraṇā). Se quisermos sucesso em nossa busca, temos que estar convencidos de que todo esse trabalho prévio deve ter em vista a obtenção de pratyāhāra, com vistas à interiorização (pratyakcetanā): recolher a mente para dentro de si mesma.

Milhares de pessoas se contentam em buscar o autoconhecimento e auto-aperfeiçoamento kriyā-yogaḥ, outros em dominar todas as perturbações emocionais (yamas e niyamas) e outro tanto em controlar o corpo físico e a respiração (āsana e prāṇāyāma) em busca de saúde e bem-estar. Mas se estivermos em ‘Busca do Eu’, não podemos estar satisfeitos com essas ninharias.

Dominar essa técnica é tarefa árdua, passível de falhas mesmo após anos de prática, mas a felicidade obtida por esse domínio perdura muito mais do que todas as felicidades efêmeras de satisfação dos prazeres dos sentidos.

“O pratyāhāra oferece muitos métodos para preparar a mente para a meditação. Também nos ajuda a evitar os apelos do ambiente… é um maravilhoso instrumento para tomar controle da própria existência e abrir-nos para nosso ser interior”. 2:111

Pedro Kupfer

BIBLIOGRAFIA

  • As referências bibliográficas acham-se assim indicadas: xx:yy, onde ‘xx’ é o número da referência contido na BIBLIOGRAFIA (no final do livro) e ‘yy’ é a página onde se encontra.

  • Quando precedendo ‘xx’ estiver escrito YS, a obra referenciada é o Yo-ga Sūtra de Patāñjalī 5, BG quando for Bhagavad Gītā 33, VC quando for o Viveka Chūdāmani 35, TB quando for o Tattvabodha 36 e SS quando a obra referenciada for o Śiva Sūtra 43 (obra de referência no Śivaísmo de Cachemira). Nesses casos ‘xx’ é o capítulo e ‘yy’ é o sūtra.

  1. Desikachar, T. K. V.; o Coração do Yoga, Editora Jaboticaba, São Paulo, 2007;
  2. Kupfer, Pedro; Yoga Sutra de Pat?ñjal?, 3ª Edição, Yogabindu, Florianópolis, 2.005.

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