Nível 1: Além do Horizonte Cósmico
Os universos paralelos de seus Alter egos constituem o multiverso de nível 1. É o tipo menos controvertido. Todos nós aceitamos a existência de coisas que não podemos ver, mas que poderíamos ver se nos deslocássemos para um outro ponto mais adequado, ou simplesmente se esperássemos, como aquelas pessoas que ficam observando os navios desaparecerem na linha do horizonte. Objetos além do horizonte cósmico têm um status muito semelhante. O universo observável cresce à razão de um ano-luz a cada ano, à medida que a luz se desloca de um ponto muito distante até nós. Além desse ponto está uma infinitude esperando para ser vislumbrada. Você provavelmente vai morrer muito antes que seus alter egos se tomem visíveis, mas em princípio, e se a expansão cósmica colaborar, seus descendentes poderão observá-los utilizando um telescópio suficientemente poderoso.
Com as devidas ressalvas o multiverso de nível 1 parece trivialmente óbvio. Como o espaço poderia não ser infinito? Existe por acaso alguma placa dizendo: “O espaço termina aqui”, ou, “Cuidado com o abismo”? Se houver, o que existe além dela? Na verdade, a teoria da gravidade de Einstein põe em dúvida essa questão. O espaço poderia ser finito se tivesse uma curvatura convexa ou uma topologia incomum (isto é, falta de interconectividade). Um universo esférico, em forma de toróide (doughnut) ou de pretzel teria um volume limitado, sem bordas. A radiação cósmica de fundo permite fazer testes sensíveis de cenários como este, mas, até agora, as evidências são contrárias. Os modelos infinitos se ajustam aos dados e impõem limitações severas às concepções alternativas.
Uma outra possibilidade é que o espaço seja infinito, mas a matéria esteja restrita a uma região finita em torno de nós – modelo historicamente conhecido como “universo-ilha”. Uma variante deste modelo propõe que a matéria se dilui em grandes escalas de acordo com um padrão fractal. Em ambos os casos, praticamente todos os universos no multiverso de nível 1 estariam vazios e mortos. Observações recentes da distribuição tridimensional de galáxias e da radiação de fundo em microondas mostraram que o arranjo de matéria em grandes escalas não é tão uniforme quanto se supunha, não havendo estruturas coerentes maiores que cerca de 10 elevado a 1024 metros. Admitindo que esse padrão vigore, o espaço além do nosso Universo observável seria povoado por galáxias, estrelas e planetas.
Observadores vivendo em universos paralelos de nível 1 estariam sujeitos às mesmas leis da física que nós, mas com condições iniciais diferentes. De acordo com as teorias atuais, os processos primordiais pós-Big Bang espalharam a matéria com um certo grau de aleatoriedade, gerando todas as combinações possíveis com probabilidade não nula. Os cosmólogos admitem que o nosso universo, com uma distribuição quase uniforme de matéria e com flutuações da densidade inicial de uma parte em 100 mil, seja uma aproximação bastante razoável (pelo menos entre os universos que contêm observadores). Essa hipótese dá respaldo à estimativa de que nossa cópia idêntica mais próxima estaria a uma distância de 10 elevado a 1028 metros. A aproximadamente 10 elevado a 1092 metros de distância, estaria uma esfera de raio de 100 anos-luz idêntica àquela centrada aqui, de modo que todas as percepções que tivéssemos durante o próximo século seriam idênticas àquelas de nossas contrapartes de lá. A cerca de 10 elevado a 10118 metros estaria em volume de Hubble completo, idêntico ao nosso.
Há estimativas extremamente conservadoras, que se baseiam na simples contagem de todos os possíveis estados quânticos que um volume de Hubble pode ter, desde que sua temperatura não ultrapasse 108 K. Uma forma de se fazer esses cálculos é descobrir quantos prótons podem caber em um volume de Hubble a essa temperatura. São 10118 prótons. Cada uma dessas partículas pode estar presente ou não, o que totaliza 2 elevado a 10118 possíveis arranjos de prótons. Uma caixa contendo essa quantidade de volumes de Hubble esgotaria todas as combinações possíveis. Uma caixa dessas teria 10 elevado a 10118 metros de extensão. Além dela, os universos – incluindo o nosso – começariam a se repetir. Chegaríamos aproximadamente ao mesmo número utilizando no cálculo estimativas termodinâmicas ou quantum-gravitacionais do conteúdo de total de informação do Universo.
É muito provável que seu duplo eu (doppelgänger) mais próximo esteja mais perto de você do que sugerem estes números, tendo em vista que os processos de formação do planeta e da evolução biológica conspiram a seu favor. Os astrônomos suspeitam que o nosso volume de Hubble tenha pelo menos 1020 planetas habitáveis, e alguns podem muito bem se parecer com a Terra.
A estrutura do multiverso de nível 1 é usada rotineiramente para avaliar teorias da cosmologia moderna, embora isso não seja dito explicitamente. Por exemplo: imagine como os cosmólogos usaram a radiação de fundo para abolir a idéia de uma geometria esférica finita. O tamanho característico das manchas mais quentes e mais frias que aparecem nos mapas de radiação de fundo depende da curvatura do espaço. Além disso, as manchas observadas parecem pequenas demais para serem consistentes com uma forma esférica. Mas é fundamental que o rigor estatístico seja mantido. O tamanho médio das manchas varia aleatoriamente de um volume de Hubble para outro. Assim, é possível que o nosso Universo esteja zombando de nós – poderia ser esférico, mas tem manchas anormalmente pequenas. Quando os cosmólogos alegam que aboliram o modelo esférico com um nível de confiança de 99,9%, na verdade, querem dizer que se esse modelo fosse válido menos de um em cada mil volumes de Hubble mostraria manchas tão pequenas quanto as observadas.
O que podemos aprender disso tudo é que a teoria do multiverso pode ser testada e invalidada mesmo que outros universos não possam ser vistos. A questão é predizer o que é o conjunto de universos paralelos e especificar uma distribuição de probabilidades ou aquilo que os matemáticos chamam de uma “medida” desse conjunto. Nosso Universo poderia estar incluído entre os mais prováveis. Se não fosse assim, de acordo com a teoria do multiverso, se vivêssemos em um universo improvável, então a teoria estaria com problemas. Como vou discutir mais adiante, o problema da medida pode tornar-se bastante desafiador.