Nível 2: Outras Bolhas Pós-Inflação
Se é difícil aceitar o multiverso de nível 1, tente imaginar um conjunto de multiversos de nível 1 diferentes, alguns quem sabe, com diferentes dimensões espaço-tempo, onde as constantes físicas fossem diferentes. Estes outros multiversos – que formam um multiverso de nível 2 – são previstos pela teoria da inflação caótica, bastante popular atualmente.
A teoria da inflação é uma extensão de teoria do Big Bang que lhe dá mais consistência, amarrando algumas pontas soltas, como por exemplo: por que o Universo é tão grande, tão uniforme e tão plano? Esta e outras dúvidas podem ser explicadas de uma só vez se pensarmos numa rápida expansão do espaço há muito tempo. Essa distensão do espaço está prevista em várias teorias de partículas elementares e é confirmada por todas as evidências disponíveis. O termo “caótico eterno” refere-se aos acontecimentos em grande escala. O espaço como um todo está se distendendo e assim continuará para sempre. No entanto, algumas regiões param de se distender e formam bolhas separadas, como bolhas de ar na massa de pão que está fermentando. Muitas bolhas como essa estão surgindo indefinidamente. Cada uma delas é um embrião de um multiverso de nível 1: dimensão infinita e preenchido por matéria depositada pelo campo de energia que provocou a inflação.
Estas bolhas estão infinitamente afastadas da Terra. Você jamais chegaria lá, mesmo que viajasse indefinidamente à velocidade da luz. Isto acontece porque o espaço entre a nossa bolha e suas vizinhas está se expandindo mais rapidamente que você poderia viajar através dele. Seus descendentes nunca verão seus duplos eus em nenhum outro lugar do nível 2. Pela mesma razão, se a expansão cósmica estiver se acelerando como sugerem as observações recentes, eles não poderão ver seus alter egos nem no nível 1.
O multiverso de nível 2 é muito mais diverso que o multiverso de nível 1. As bolhas variam não só nas suas condições iniciais mas também em aspectos semelhantes e imutáveis da natureza. A visão que prevalece hoje na física é que na dimensão espaço-tempo, as características das partículas elementares e muitas constantes físicas não são construídas de acordo com leis físicas, mas resultam de processos conhecidos como quebra de simetria. Por exemplo, o espaço em nosso Universo, num certo momento, pode ter tido nove dimensões, todas com o mesmo status. Nos primórdios da história cósmica, três delas participaram da expansão cósmica e se tornaram as três dimensões que conhecemos hoje. As outras seis não são observáveis neste momento, por permanecerem microscópicas com uma tipologia semelhante a um toróide, ou porque toda a matéria está confinada em uma superfície tridimensional (uma membrana, ou simples “brana”) no espaço de nove dimensões.
Dessa forma a simetria original entre as dimensões se quebrou. As flutuações quânticas que produzem a inflação caótica poderiam causar diferentes quebras de simetria em bolhas diferentes. Algumas se tornariam quadridimensionais, outras poderiam conter somente duas, em vez de três gerações de quarks e outras, ainda, poderiam ter uma constante cosmológica mais forte que a do nosso Universo.
Uma outra forma de produzir um multiverso de nível 2 seria através de ciclos de nascimento e destruição de universos. Essa idéia foi apresentada cientificamente pelo físico Richard C. Tolman nos anos 30 e recentemente implantada por Paul J. Steinhardt da Princeton University e por Neil Turok da University of Cambridge. A proposta de Steinhardt e Turok e os modelos relacionados envolvem uma segunda membrana tridimensional bastante paralela à nossa, simplesmente deslocada numa dimensão mais alta. Este universo paralelo não é realmente um universo à parte porque interage com o nosso. Mas o conjunto de universos – passado, presente e futuro – que estas membranas criam, formaria um multiverso que teria, indiscutivelmente, uma diversidade semelhante àquela produzida pela inflação caótica. Uma idéia proposta pelo físico Lee Smolim do Perimeter Institute em Waterloo (Ontário), envolve mais um outro multiverso com diversidade semelhante ao de nível 2 que modifica e faz surgir novos universos por meio de buracos negros e não através da física de branas.
Embora não possamos interagir com outros universos paralelos de nível 2, os cosmólogos são capazes de inferir a presença deles indiretamente, porque sua existência pode justificar coincidências inexplicáveis que ocorrem no nosso Universo. Imagine, por exemplo, que ao se registrar num hotel lhe é entregue a chave da suíte 1967 e você percebe que esse é exatamente o ano do seu nascimento. “Que coincidência!”- você pensaria. Depois de alguns minutos de reflexão, você poderia perceber que não é tão surpreendente assim. O hotel tem centenas de quartos e você nem teria pensado nisso se lhe tivesse sido dado um outro apartamento com um número que não significasse nada para você. Este exemplo, nos mostra que, mesmo sem saber nada de hotéis, você pode inferir a existência de outros apartamentos no hotel de modo a explicar a coincidência.
Vejamos um exemplo mais representativo. Pense na massa do Sol. A massa de uma estrela determina a sua luminosidade e, utilizando equações da física básica, podemos mostrar através de cálculos que a vida, como a conhecemos na Terra, é viável somente se a massa do Sol estiver numa faixa estreita entre 1,6 x 1030 e 2,4 x 1030 kg. Caso contrário, a temperatura da Terra seria muito mais baixa que a de Marte ou muito mais alta que a de Vênus. A massa solar medida é de 2 x 1030 kg. A primeira vista, esta coincidência aparente entre as condições de vida na Terra e o valor observado da massa do Sol, parece ser o cúmulo da sorte. As massas estelares variam de 1029 a 1032 kg, de modo que, se o Sol adquire sua massa através de um processo aleatório, haveria somente uma pequena chance de estar numa faixa que privilegia a vida. Mas, exatamente como no caso do quarto de hotel, pode-se explicar essa coincidência aparente imaginando um conjunto (no caso, um número de sistemas planetários) e um efeito de seleção (prova de que nos encontramos num planeta habitável). Esses efeitos de seleção relacionados ao observador são conhecidos como “antrópicos” e embora “uma palavra” seja suficiente para criar polêmica, os físicos em geral concordam que esses efeitos de seleção não podem ser desprezados ao se testar teorias básicas.
O que se pode aplicar aos quartos de hotel e aos sistemas planetários também se pode considerar para universos paralelos. A maioria, se não todos, dos atributos criados pela quebra de simetria parece estar bem afinada. Se alterássemos os volumes dos universos paralelos de pequenas quantidades o resultado seria um universo qualitativamente diferente — um universo onde provavelmente não existiríamos. Se os prótons fossem 0,2% mais pesados decairiam em nêutrons, desestabilizando os átomos. Se a força eletromagnética fosse 4% mais fraca não haveria hidrogênio nem estrelas comuns. Se a interação fraca fosse muito mais fraca, o hidrogênio não existiria; se fosse muito mais forte, as supernovas não poderiam semear o espaço com os elementos pesados. Se a constante cosmológica fosse muito maior, o Universo teria se despedaçado antes de as galáxias se formarem.
Embora o grau de sintonia fina ainda esteja em debate, estes exemplos sugerem a existência de universos paralelos com outros valores de constantes. A teoria do multiverso de nível 2 prevê que os físicos nunca serão capazes de determinar os valores dessas constantes a partir de princípios fundamentais. Eles simplesmente vão calcular distribuições de probabilidade para os resultados que esperam encontrar, levando em conta os efeitos de seleção. O resultado seria genérico o suficiente para justificar nossa existência.