Universos Paralelos

Nível 3: Quantum de Muitos Mundos

Os multiversos de nível 1 e 2 envolvem mundos paralelos infinitamente afastados, além do domínio dos próprios astrônomos. Mas o próximo nível de multiverso está bem perto de você. Surge da famosa interpretação controvertida sobre os multimundos da mecânica quântica – a idéia de que processos quânticos aleatórios fazem o Universo se ramificar em múltiplas cópias, uma para cada resultado possível.

No início do século 20 a teoria da mecânica quântica revolucionou a física explicando que o reino atômico não obedece às leis clássicas da mecânica newtoniana. Apesar dos êxitos da teoria, surgiu um debate caloroso em torno do seu real significado. A teoria define o estado do Universo não em termos clássicos, como a posição e velocidade de todas as partículas, mas em termos de um recurso matemático chamado função de onda. De acordo com a equação de Schrödinger, esse estado evolui no tempo de uma forma que os matemáticos denominam “unitário”, o que quer dizer que a função de onda gira num espaço abstrato de dimensões infinitas, o espaço de Hilbert. Embora a mecânica quântica seja comumente descrita como inerentemente aleatória e incerta, a função de onda evolui de forma determinística. Quanto a isso, não há dúvida ou aleatoriedade.

A parte mais complicada está em se conseguir associar esta função de onda ao que é observado. Muitas funções de onda legítimas correspondem a situações que vão contra a intuição, como o caso do gato que, ao mesmo tempo, está vivo e morto, na chamada superposição. Na década de 20, os físicos tentaram justificar esses fatos estranhos afirmando que a função de onda “colapsava” em certos casos clássicos bem definidos, toda vez que alguém fazia uma observação. Esse postulado, que deveria servir para explicar as observações, tornou-se uma teoria elegante e unitária dentro de uma outra teoria não-unitária. A aleatoriedade intrínseca normalmente atribuída à mecânica quântica é o resultado desse postulado. Ao longo dos anos, muitos físicos abandonaram essa visão em benefício de uma outra perspectiva desenvolvida, em 1957, por um aluno de graduação de Princeton, Hugh Everett III. Ele mostrou que o postulado do colapso é desnecessário. A teoria quântica original, na verdade, não é contraditória. Embora ela prediga que uma realidade clássica gradualmente se subdivide em superposições de muitas dessas realidades, os observadores subjetivamente experimentam esta subdivisão simplesmente como uma leve aleatoriedade, com probabilidades que concordam com as do antigo postulado do colapso. Esta superposição de mundos clássicos constitui o multiverso de nível 3.

A interpretação de mundos múltiplos de Everett vem surpreendendo os físicos e outros especialistas por mais de quatro décadas. Tudo se toma mais fácil de assimilar quando se percebe que uma teoria física pode ser vista de duas formas: a visão externa, a de um físico estudando as equações matemáticas, como um pássaro descortinando a paisagem a partir de um ponto elevado, e a visão interna de um observador vivendo no mundo descrito pelas equações, como uma rã, na paisagem do pássaro.

Do ponto de vista do pássaro, o multiverso de nível 3 é simples. Há somente uma função de onda. Ela evolui suavemente e de forma determinística ao longo do tempo sem nenhum tipo de divisão ou paralelismo. O mundo quântico abstrato descrito por essa função de onda evolvente, contém, em si, um número enorme de linhas clássicas de estórias paralelas, continuamente se dividindo e se misturando, assim como muitos fenômenos quânticos que precisam ser descritos classicamente. Da perspectiva da rã, os observadores percebem somente uma pequena fração de toda a realidade. Eles conseguem ver seu próprio universo de nível 1, mas um processo chamado de decoerência — que imita o colapso da função de onda e ao mesmo tempo preserva a unitariedade – os impede de ver as cópias paralelas de nível 3 de si mesmos.

Sempre que uma pergunta é feita a um observador, uma rápida decisão é tomada para dar a resposta. Os efeitos quânticos são interpretados pelo seu cérebro como uma superposição de resultados, tais como “Continue a ler o artigo” e “Pare de ler o artigo”. Da perspectiva do pássaro, o ato de tomar uma decisão faz com que a pessoa se divida em múltiplas cópias: uma que continua a ler e outra que pára de ler. Da perspectiva da rã, no entanto, cada um desses alter egos não tem conhecimento dos demais e interpreta a ramificação como uma ligeira aleatoriedade: uma certa probabilidade de continuar a ler ou de parar de ler.

Por mais estranho que possa parecer, acontece exatamente a mesma coisa até no multiverso de nível 1. Evidentemente, você decidiu continuar a ler o artigo, mas um de seus alter egos, em uma galáxia distante, abandonou a revista depois de ler o primeiro parágrafo. A única diferença entre o nível 1 e o 3 está em saber onde vivem seus alter egos. No nível 1 eles vivem em algum lugar, no nosso velho conhecido espaço tridimensional. No nível 3 eles vivem em um outro nível quântico do espaço de Hilbert de infinitas dimensões.


Multiverso de Nível 3
 

Buracos Negros e Informação

  A existência do nível 3 depende de uma hipótese fundamental: a evolução temporal da função de onda deve ser unitária. Até agora os experimentos não constataram nenhuma falta de unitariedade. Nas últimas décadas a unitariedade tem sido confirmada, inclusive em sistemas maiores, incluindo as moléculas de carbono 60, fulerenos e fibras ópticas de quilômetros de comprimento. Do ponto de vista teórico, o caso da unitariedade foi reforçado pela descoberta da decoerência. Alguns teóricos que trabalham com a gravidade quântica têm questionado a unitariedade. Um argumento é que a evaporação de buracos negros deve destruir a informação que poderia ser um processo não-unitário. Um avanço fabuloso recente na teoria das cordas, conhecido como a correspondência AdS/CFT, sugere que até a gravidade quântica é unitária. Se isto for verdade, os buracos negros não destroem a informação, mas a transmitem para outro lugar.

Se a física fosse unitária, mudaria a concepção do quadro padrão sobre como as flutuações quânticas funcionavam nos primórdios do Big Bang. As flutuações não geravam condições iniciais ao acaso. Ao contrário, geravam uma superposição quântica de todas as possíveis condições iniciais que coexistiam. A decoerência produziu então essas condições iniciais de comportamento clássico em ramos quânticos separados. Eis aí um ponto crucial: a distribuição de respostas em ramos quânticos diferentes em um dado volume de Hubble (nível 3) é idêntica à distribuição de respostas em diferentes volumes de Hubble dentro de um único ramo quântico (nível 1). Esta propriedade das flutuações quânticas é conhecida em mecânica estatística como ergodicidade.

O mesmo raciocínio se aplica ao nível 2. O processo de quebra de simetria não produz um único resultado, ao contrário, uma superposição de todos os resultados, que rapidamente passam para suas formas separadas. Assim, se as constantes físicas, dimensão espaço-tempo e outras puderem variar entre ramos quânticos paralelos no nível 3, então elas também variarão entre os universos paralelos do nível 2.

Em outras palavras, o multiverso de nível 3 não acrescenta nada aos multiversos do níveis 1 e 2, apenas mais cópias indistinguíveis dos mesmos universos — as mesmas velhas linhas da estória ocorrendo sucessivamente em outros ramos quânticos. A discussão acalorada sobre a teoria de Everett parece estar terminando num grande anticlímax, com a descoberta de que multiversos menos controvertidos (níveis 1 e 2) são igualmente extensos.

Nem é preciso mencionar que essas idéias têm implicações profundas e os físicos estão apenas começando a explorá-las. Basta pensar, por exemplo, nas ramificações da resposta para uma questão que perdura há muito tempo: Será que o número de universos aumenta exponencialmente com o tempo? A resposta, surpreendentemente, é não. Da perspectiva do pássaro, naturalmente há somente um universo. Do ponto de vista da rã, o que importa é o número de universos perceptíveis num certo instante – isto é, o número perceptível de diferentes volumes de Hubble. Imagine que fosse possível mover os planetas aleatoriamente para novas posições; imagine se você tivesse se casado com outra pessoa e assim por diante. No nível quântico, há 10 elevado a 10118 universos com temperaturas abaixo de 108 K. É um universo vastíssimo, sem dúvida, mas finito.

Da perspectiva da rã, a evolução da função de onda corresponde a uma passagem contínua de um estado para outro desses 10 elevado a 10118 estados. Suponhamos agora que você esteja no universo A, onde está lendo esta frase e agora já esteja no universo B, onde está lendo esta outra frase. Vamos pensar de outro modo: suponhamos que no universo B há um observador idêntico a um outro no universo A, exceto por um instante a mais de lembranças. Todos os estados possíveis coexistem em cada instante, de modo que o transcorrer do tempo depende do observador – uma idéia explorada no romance de ficção científica de Greg Egan, de 1994 chamada Permutation City, e desenvolvida pelos físicos David Deutsch, da University of Oxford, Julian Barbour e outros. A estrutura do multiverso pode se tornar então fundamental na compreensão da natureza do tempo.

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