Universos Paralelos

Nível 4: Outras Estruturas Matemáticas

As condições iniciais e as constantes físicas dos multiversos de níveis 1, 2 e 3 podem variar, mas as leis fundamentais da natureza permanecem as mesmas. Por que parar por aqui? Por que não permitir que as próprias leis possam variar? Que tal conceber um universo que obedecesse às leis da física clássica sem nenhum efeito quântico? E se o tempo passasse em intervalos discretos, como ocorre para os computadores, em vez de ser contínuo? E num universo que fosse simplesmente um dodecaedro vazio? No multiverso de nível 4 todas estas realidades alternativas são possíveis.

Uma pista de que tal multiverso não é apenas uma especulação absurda é a forte correspondência existente entre os mundos do raciocínio abstrato e da realidade observada. As equações e, mais genericamente, as estruturas matemáticas tais como números, vetores e objetos geométricos descrevem o mundo com considerável veracidade. Numa famosa entrevista em 1959, o físico Eugene P. Wigner argumentava que “a imensa utilidade da matemática nas ciências naturais é algo que beira o mistério”. De fato, as estruturas matemáticas pareciam-lhe realmente assustadoras. Elas satisfazem um critério básico de existência objetiva: são as mesmas, independentemente de quem as estude. Um teorema é verdadeiro seja ele demonstrado por uma pessoa, por um computador ou por um golfinho inteligente. Civilizações alienígenas contemplativas poderiam dispor das mesmas estruturas matemáticas que nós. Por isso, os matemáticos costumam dizer que eles não criaram as estruturas matemáticas, mas as descobriram.

Há dois paradigmas válidos, mas diametralmente opostos na correspondência entre a matemática e a física, uma dicotomia cuja argumentação remonta a Platão e Aristóteles. De acordo com o paradigma aristotélico, a realidade física é fundamental e a linguagem matemática é uma aproximação útil. De acordo com o paradigma de Platão, a estrutura matemática é a realidade verdadeira e os observadores a percebem de forma imperfeita. Em outras palavras, os dois paradigmas discordam no que é essencial, a perspectiva da rã como observadora ou a perspectiva do pássaro sobre as leis físicas. O paradigma aristotélico privilegia a perspectiva da rã enquanto o paradigma platônico assume a perspectiva do pássaro.

Quando éramos crianças, muito antes de ouvirmos falar em matemática, fomos todos doutrinados com o paradigma de Aristóteles. A visão platônica foi um gosto adquirido. Os físicos teóricos modernos tendem a ser platônicos, suspeitando que a matemática seja uma descrição muito boa do Universo porque o Universo é inerentemente matemático. De acordo com esse pensamento, tudo na física se resume, em última instância a um problema matemático: um matemático com uma inteligência ilimitada e recursos poderia, em princípio, calcular a perspectiva da rã – ou seja, calcular que observadores autoconscientes contêm o Universo, o que eles percebem e que linguagem inventaram para descrever suas percepções.

A estrutura matemática é um conceito abstrato, uma entidade imutável que existe além do espaço e do tempo. Se a história fosse um filme, a estrutura não corresponderia a um único fotograma, mas ao rolo de filme inteiro. Vamos imaginar, por exemplo, um mundo formado por partículas pontuais deslocando-se no espaço tridimensional. No espaço-tempo quadridimensional – a perspectiva do pássaro – as trajetórias dessas partículas se pareceriam com um emaranhado de espaguete. Se a rã vir uma partícula deslocando-se com velocidade constante, o pássaro a verá como um fio reto de espaguete cru. Se a rã vir um par de partículas orbitando, uma em torno da outra, o pássaro verá dois fios de espaguete enroscados como uma hélice dupla. Para a rã, o mundo é descrito pelas leis do movimento e da gravitação de Newton. Para o pássaro, é descrito pela geometria da pasta – uma estrutura matemática. A própria rã será uma simples porção de pasta, cujo emaranhado altamente complexo corresponde a um agrupamento de partículas armazenando e processando informações. Nosso Universo é muito mais complicado que esta analogia e os cientistas não sabem ainda a que estrutura matemática ele corresponde, se é que existe alguma.

O paradigma platônico levanta a questão de por que o Universo é como é. Para um aristotélico, esta questão é insignificante: o Universo simplesmente existe. Um platônico não pode fazer nada, apenas divagar sobre por que ele não poderia ser diferente. Se o Universo for inerentemente matemático, então por que somente uma das várias estruturas matemáticas foi selecionada para descrevê-lo? Parece que bem no âmago da realidade reside uma assimetria fundamental.

Para resolver esse conflito sugeri que uma simetria matemática completa seja válida, e da mesma forma, todas as estruturas matemáticas têm existência física. Cada estrutura matemática corresponde a um universo paralelo. Os elementos desse multiverso não se encontram no mesmo espaço, mas existem fora do espaço e do tempo. Muitos deles provavelmente são desprovidos de observadores. Esta hipótese pode ser encarada como uma forma de platonismo radical, ao afirmar que as estruturas matemáticas no mundo das idéias de Platão ou na “visão mental” do matemático Rudy Rucker da San Jose State University existem fisicamente. Isto é muito parecido com o que o cosmólogo John D. Barrow da University of Cambridge se refere como “PI no céu”, o que o filósofo da Harvard University, Robert Nozick, já falecido, chamou de principio da fecundidade e o que o filósofo da Princeton David K. Lewis, também falecido, chamou de realismo modal. O nível 4 encerra a hierarquia de multiversos, porque qualquer teoria física básica autoconsistente pode ser descrita por algum tipo de estrutura matemática.

A hipótese de multiverso de nível 4 põe em xeque algumas predições. Como no caso do nível 2, envolve um conjunto (neste caso, o domínio completo das estruturas matemáticas) e efeitos de seleção. Como os matemáticos continuam a categorizar as estruturas matemáticas, eles supõem que a estrutura que descreve o nosso mundo seja consistente com nossas observações e a mais genérica possível. Analogamente, nossas observações futuras devem ser as mais genéricas, coerentes com as nossas observações passadas, e que estas sejam as mais genéricas e compatíveis com a nossa existência.

Quantificar o significado de “genérico” é um problema sério e esta questão começou a ser pesquisada somente agora. Uma característica valiosa e encorajadora das estruturas matemáticas é que as propriedades de simetria e invariância responsáveis pela simplicidade e organização do nosso Universo tendem a ser genéricas, são mais a regra que a exceção. As estruturas matemáticas tendem a tê-las por default é necessário acrescentar axiomas adicionais complicados para que elas possam prosseguir.

O que Diz Occam?

As teorias científicas de universos paralelos, formam portanto uma hierarquia de quatro níveis, na qual os universos tornam-se progressivamente mais diferentes que o nosso. Eles devem ter condições iniciais diferentes (nível 1), constantes físicas, partículas e simetrias diferentes (nível 2) ou leis físicas diferentes (nível 4). Parece até irônico que o nível 3 tenha sido o que mais gerou controvérsias nas últimas décadas, porque ele é o único que acrescenta novos tipos de universos de forma não qualitativa.

Na próxima década, medições cosmológicas extremamente melhoradas da radiação de microondas de fundo e da distribuição de matéria de larga escala sustentarão ou refutarão o nível 1 através de uma melhor definição da curvatura e da topologia do espaço. Essas medições poderão testar também o nível 2, pondo à prova a teoria da inflação caótica. Os progressos tanto na astrofísica quanto na física de altas energias também poderão esclarecer até que ponto as constantes físicas estão bem sintonizadas e assim enfraquecendo ou fortalecendo o caso do nível 2.

Se os esforços atuais para construir computadores quânticos forem bem-sucedidos, as medições fornecerão mais evidências para o nível 3, basicamente, explorando o paralelismo do multiverso do nível 3 para a computação paralela. Os físicos experimentais também estão procurando evidências de violação da unitariedade, o que excluiria o nível 3. Finalmente, o sucesso ou o fracasso do grande desafio da física moderna – a unificação da teoria geral da relatividade e da teoria quântica dos campos – vai dividir as opiniões sobre o nível 4. Ou vamos encontrar uma estrutura matemática que se ajuste exatamente ao nosso Universo ou vamos chegar ao limite das expectativas da efetividade da matemática e ter de abandonar esse nível.

Então você deveria acreditar em universos paralelos? Os principais argumentos contra sustentam que eles são um desperdício e que são muito estranhos. O primeiro argumento afirma que a teoria de multiversos é vulnerável à navalha de Occam porque supõe a existência de outros mundos que nunca poderemos observar. Porque a natureza seria tão perdulária e incorreria nesse exagero de dispor de uma infinidade de mundos diferentes. Esse argumento pode ser revertido com um contra-argumento a favor do multiverso. O que exatamente a natureza estaria desperdiçando? Certamente não seria o espaço, a massa ou os átomos. O multiverso de nível 1 que, em princípio, é aceito sem controvérsias, já contém uma quantidade infinita de todos eles. Então quem se importaria se a natureza desperdiçasse um pouco mais?

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