O novo Israelense, a Bíblia e a Arqueologia
Na Palestina, os novos Judeus, mais tarde Israelenses, estavam determinados a usar o Antigo Testamento e transformá-lo no código unificado do futuro Judeu. A “nacionalização” da Bíblia iria implantar nos jovens Judeus a idéia de que são os descendentes diretos de seus grandes antepassados da Antiguidade. Levando em conta que o nacionalismo era um movimento principalmente laico, se extirpou o significado espiritual e religioso da Bíblia. Ela passou a ser considerada como um texto histórico que descrevia uma cadeia real de acontecimentos no passado.
Os Judeus que haviam conseguido matar o seu Deus aprenderam a crer em si mesmos. Massada, Sansão e Bar Kochva tornaram-se grandes narrativas suicidas. À luz de seus heróicos antepassados, os Judeus aprenderam a amar a si mesmos tanto como a odiar os outros, mas agora possuíam a capacidade militar de infligir uma dor real aos seus vizinhos. Mais preocupante era o fato de que em lugar de uma entidade sobrenatural – ou seja, Deus – que lhes ordenava invadir um território, levar a cabo um genocídio e roubar a “Terra Prometida” a seus habitantes autóctones, em seu renascido projeto nacional eram eles mesmos, Herzl, Jabotinsky, Weitzman, Ben Gurion, Sharon, Peres, Barak, que decidiam expulsar, destruir e matar. Em vez de Deus, eram os Judeus que matavam em nome do povo Judeu. Fizeram-no com símbolos Judeus decorando seus aviões e seus tanques. Cumpriram ordens que lhes davam na língua de seus antepassados recentemente restaurada.
É surpreendente que Sand, sem dúvida alguma um lúcido historiador, não menciona que o seqüestro Sionista da Bíblia foi na verdade uma desesperada resposta Judaica ao inicio do Romantismo Alemão. No entanto, por mais que os filósofos, poetas, arquitetos e artistas alemães estivessem estética e ideologicamente excitados pela Grécia pré-socrática, sabiam muito bem que não eram exatamente filhos e filhas do Helenismo. O nacionalista Judeu deu um passo além, integrou-se numa cadeia sangüínea imaginária com seus míticos antepassados, e logo havia ressuscitado sua antiga língua. Em lugar de ser uma língua sagrada, o Hebraico havia se convertido em uma língua falada. O Romantismo Alemão nunca chegou tão longe.
Os intelectuais alemães durante o século 19 estavam perfeitamente conscientes da distinção entre Atenas e Jerusalém. Para eles, Atenas era o universal, o capítulo épico da humanidade e do humanismo. Jerusalém era, pelo contrário, o grande capítulo da barbárie tribal. Jerusalém era a representação de um Deus banal, não-universal, monoteísta e impiedoso, capaz de matar velhos e crianças. A era do Romantismo Alemão nos legou Hegel, Nietzsche, Fichte e Heidegger e uns poucos Judeus que odiavam a si mesmos, o mais importante sendo Otto Weininger. Os Jerusalenistas não nos legaram um só pensador ideológico importante. Alguns acadêmicos Judeus Alemães de segunda categoria tentaram pregar Jerusalém na Academia germânica, entre eles Herman Cohen, Franz Rosenzveig e Ernst Bloch. Obviamente, não notaram que eram exatamente os traços de Jerusalém no Cristianismo que os Românticos Alemães desprezavam.
Em seu esforço por ressuscitar “Jerusalém”, a arqueologia foi usada para proporcionar a necessária base “científica” ao Épico Sionista. A arqueologia unificava os tempos Bíblicos com o momento da restauração. É provável que o momento mais surpreendente dessa estranha tendência ocorreu em 1982 com a “cerimônia do enterro militar” dos ossos de Shimon Bar Kochva, um rebelde Judeu que havia morrido 2000 anos antes. Dirigido pelo Rabino Militar Chefe, realizou-se o enterro militar televisionado de alguns ossos encontrados numa caverna próxima ao Mar Morto. Na prática, os supostos restos de um rebelde Judeu do século I foram tratados como se fosse uma baixa do Exército Israelense. Ficou claro que a arqueologia tinha uma função nacional, era usada para consolidar o passado e o presente, deixando fora o Galut, o exílio Judeu.
O surpreendente é que não passou muito tempo antes que as coisas mudassem completamente. À medida que a investigação arqueológica foi se tornando independente do dogma Sionista, a embaraçosa verdade apareceu. Era impossível demonstrar a veracidade do relato bíblico com descobertas arqueológicas. Na verdade, a arqueologia refuta a historicidade do relato bíblico. As escavações revelaram este incômodo fato. A Bíblia é um compêndio de criativa literatura de ficção. Como Sand assinala, a história bíblica Antiga está cheia de Filisteus, Arameus e camelos. O embaraçoso é que as escavações demonstram que os Filisteus não apareceram na região antes do século XII A.C.; os Arameus, um século depois e os camelos não mostraram suas caras joviais antes do século 8. Estes fatos científicos levaram os pesquisadores Sionistas a uma enorme confusão. No entanto, para alguns acadêmicos não Judeus, como Thomas Thompson, estava bastante claro que a Bíblia é “um compêndio posterior de literatura criativa escrita por um talentoso teólogo” [10]. A Bíblia parece ser um texto ideológico destinado a servir uma causa social e política.
O pior é que no Sinai não foi possível encontrar muitas provas que confirmassem a história do lendário Êxodo Egípcio, em que uns três milhões de homens, mulheres e crianças Hebreus vagaram no deserto durante 40 anos sem deixar nenhum vestígio. Nem sequer uma mísera Matzá, o pão ázimo Judeu – comportamento muito não-Judaico, pode-se dizer. A história do reassentamento Bíblico e do genocídio dos Cananeus, que os Israelitas contemporâneos imitam com tanto êxito, é outro mito. Jericó, a cidade fortificada que foi destruída pelo toque de trombetas com a intervenção sobrenatural do altíssimo, era apenas um pequeno povoado no século 13 A.C.
Por mais que Israel considere a si mesmo como a ressurreição do monumental Reino De David e Salomão, escavações feitas na Cidade Velha de Jerusalém durante a década de 1970 revelaram que o reino de David era apenas um pequeno agrupamento tribal. As provas que Yigal Yadim havia apresentado com respeito ao rei Salomão foram refutadas mais tarde com exames realizados empregando o carbono 14. O incômodo fato ficou cientificamente estabelecido. A Bíblia é um relato de ficção e não existe base alguma sobre a qual se possa basear qualquer gloriosa existência do povo Hebreu na Palestina em nenhum momento.