Extraído de Azevedo, Cláudio; A Caminho no Ser: Uma Visão Transpessoal
da Psicologia no Yoga S?tra de Pat?ñjal?, Órion Edições, Fortaleza, 2.007
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Todos os kle?as geram um funcionamento mental reativo (citta-v?tti) com o qual estamos identificados. Pat?ñjal? classifica as reações da mente em cinco tipos e como dolorosas (as que causam prazer ou dor) e não-dolorosas (as neutras), e afirma que o objetivo do Yoga é cessar todas as reações mentais YS I:2. Assim, Pat?ñjal? dá dois meios para se conseguir a supressão dessa identificação e enfraquecer esses v?san?s pelo desuso e criar novas formas de sentir e pensar: abhy?sa (perseverança na prática – exercícios e estudo) e vair?gya (desapego ao visto e ao não visto) YS I:12. Aqui outra cilada: muitos dos que se ‘desapegam’, na verdade, estão apegados ao desejo de se desapegar.
Em geral, somente notamos a ação dos kle?as quando eles estão plenamente ativos (ud?r???? kle?as), mas quando começamos a observar mais atentamente a nossa vida notamos que eles se manifestam de outras três formas YS II:4. Há uma forma alternante onde, algumas vezes, conseguimos bloqueá-los (rejeitar um determinado hábito, por exemplo) e outras vezes não o conseguimos (podendo causar neuroses, fobias, depressões, etc.), à qual Pat?ñjal? chama vicchinno kle?as, e há uma forma em que ele está apenas atenuado, ou tanu kle?as para Pat?ñjal?, onde apenas nos lembramos de um antigo hábito sem o desejo de manifestá-lo.
E, ainda, Pat?ñjal? afirma que há hábitos dos quais não temos a menor consciência, mas que surgem quando as condições apropriadas aparecem YS IV:8, explicando as diferenças nas reações individuais de crianças ante a um determinado estímulo, experimentado pela primeira vez: estavam registrados na camada mais profunda do inconsciente (karm??aya?) YS IV:9. Assim, pode-se constatar que a não consciência de nossa insatisfação ou a não manifestação de um hábito não significa que ele não exista, mas que apenas pode estar inativo (dormente ou latente – prasupta kle?a) nas profundezas de nosso inconsciente, pela simples ausência de condições apropriadas que o ative.
Os kle?as só se manifestam quando as condições apropriadas surgem, mas Pat?ñjal? esclarece que podemos evitar as modificações dolorosas mais evidentes pela auto-observação da meditação analítica (dhy?na) YS II:11 e as suas formas sutis pela involução do seu efeito na própria causa (pratiprasava) YS II:10. Involuir o efeito na causa é procurar perceber que todas as formas de dor (o efeito) são causadas pelo apego (ou repulsa) e que todas as formas de apego (ou repulsa) são causadas pela auto-identificação (asmit?) do Eu com o eu, fruto do desconhecimento (avidy?) da Verdade.
Sempre que houver alguma forma de dor, por mais sutil que seja, sempre estará presente o apego (a paixão ou a repulsa). Caminhos psico-espirituais atuais, como o ‘Pathwork’, a Dinâmica Energética do Psiquismo (DEP) e ‘Um Curso em Milagres’ visam, predominantemente, o reconhecimento e a involução das formas sutis dos kle?as até o estado de inatividade, através da meditação analítica.
Nenhuma dessas atitudes extingue os kle?as totalmente, mas apenas torna a força do desejo (v?san?) tão fraca e suas formas tão dormentes (‘sementes’ inativas no inconsciente) que não mais ressurgem facilmente, embora continuem podendo se manifestar se condições apropriadas forem novamente reunidas YS IV:8. Para Pat?ñjal?, essa regressão, de uma forma ativa (ud?r???? kle?a) a uma dormente (prasupta kle?a), pode ser obtida através de certas ações: o kriy?-yoga? YS II:1.
Kriy? vem da raiz sânscrita ‘k?’ (fazer, agir ou reagir), que é a mesma raiz que se encontra na palavra karma: ‘kri’ significa realizar o trabalho cotidiano e ‘ya’ significa ‘agente’, estar sempre consciente do Ser, o poder sutil e invisível que nos habita. Assim, de maneira geral, Kriy?-Yoga são ações para se obter o estado de Yoga. Muitas pessoas fazem uma certa confusão entre os kriy?s do Ha?ha Yoga, a técnica de Kriy?-Yoga de Paramahansa Yogananda e o kriy?-yoga? de Pat?ñjal?.
Os kriy?s do Ha?ha Yoga são descritos no Gheranda Sa?hit?, onde o termo é traduzido como eliminação de impurezas, na realidade seis ritos purificatórios, os ?a?karma, que ajudam a manter o equilíbrio entre os canais energéticos i?? e pi?gal?: dhauti (purificações internas, desde os dentes, língua, ouvidos e seios nasais até o esôfago, estômago, intestinos e reto), basti (limpeza específica do reto), neti (limpeza mecânica das fossas nasais), nauli (mover com energia os intestinos e estômago de um lado para o outro – contração abdominal), tr??aka (lacrimejamento), kap?labh?ti (limpeza das fossas nasais com ar ou água).
A técnica de Kriy?-Yoga de ?r? Svami Yoganandaji, basicamente, é uma técnica respiratória de mentalização (transformação da respiração em substância mental 6:264) do fluxo de energia vital (pr??a)pr???y?ma (exercício respiratório) 3:50 realizada em determinadas posições (?sanas) e com a entoação de determinados sons (mantras) 4:77. Visa transferir a consciência dos objetos externos que estimulam os sentidos para a beatífica percepção interna do fluxo de pr??a ao longo da coluna vertebral até o cérebro (pelo n??? su?um??), até obter-se um nível mais ampliado de consciência: a superconsciência. através da espinha dorsal: uma técnica avançada de
Essa técnica pode ser obtida através de lições fornecidas pela Self-Realization Fellowship através de quatro iniciações, sendo as três últimas concedidas aos buscadores que tenham atingido um certo desenvolvimento espiritual: a prática da técnica de Kriy?-Yoga, uma prática para controlar a ku??alin? 3:35 6:279), uma prática para controlar a corrente vital nos centros de energia (cakras) 3:50 e 6:262 e se obter o sam?dhi e, finalmente, uma técnica para se alcançar a auto-realização. (que permite a saída consciente do próprio corpo físico
Já o kriy?-yoga? de Pat?ñjal?, muitas vezes traduzido como Yoga preliminar, é uma prática que traz profundas modificações físicas, emocionais e psíquicas, e é definido no Yoga S?tra como tapas, sv?dhy?ya e ??vara pra?idh?na YS II:1-2. Mas o significado desses termos difere ligeiramente do significado dos mesmos termos enquanto classes de niyamas YS II:32 (as auto-observâncias), e é por isso que Pat?ñjal? utiliza as mesmas palavras em dois locais diferentes.
É o Yoga que todos começam praticando e no qual se inicia a progressão. Tapas e sv?dhy?ya inserem o buscador na esfera de abhy?sa (perseverança na prática – exercícios e estudo) e ??vara pra?idh?na o insere na esfera de vair?gya (desapego ao visto e ao não visto).
Nesse contexto, tapas (lit. calor ou ardor) não seria austeridade ou autocontrole, mas o ato de criação e conservação de calor ou energia 5:91 física (na forma de exercícios físicos e respiratórios presentes, por exemplo, no Ha?ha Yoga e nas artes marciais), mental (o ‘estar presente’) e espiritual (na forma de força de vontade na obediência aos ensinamentos provisórios 1:29-31). Dessa forma, aqui tapas 2:134 não significa penitência, mas uma prática para manter a saúde física, mental e espiritual, num processo de limpeza interna através do calor gerado.
Kriy?-yoga? |
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Tapas | Sv?dhy?ya |
??vara pra?idh?na |
Manas inferior |
Manas superior |
Buddhi |
Gerar calor (energia) |
Gerar percepção (auto-percepção) |
Gerar sentimento de entrega |
Físico: Ha?ha Yogaou artes marciais |
Físico: observar as sensações |
Físico-mental: relaxamento e auto-aceitação |
Mental: exercícios de concentração |
Mental: observar os pensamentos |
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Espiritual: auto-restrições |
Espiritual: o Silêncio |
Espiritual: Intuições |
Quando se tenta reprimir um mau hábito, o máximo que se consegue é escondê-lo no subconsciente, de onde ele ressurge na forma de sonhos ou de ações inconscientes, as quais, se reprimidas, sempre ocasionam diversas doenças. Tapas deve ser entendido como uma forma de eliminar todo o sa?sk?ra consciente, subconsciente e inconsciente: uma forma de autopurificação de nossa mente concreta (manas inferior).
Da mesma forma, sv?dhy?ya, que significa algo como análise ou estudo detalhado, não seria apenas o estudo das Escrituras ou de livros inspiradores, ou a repetição (japa?) de versos (mantras), mas perceber a si mesmo numa perspectiva mais ampla, incluindo os aspectos físico, emocional, mental e espiritual. Na prática, é o despertar de um aspecto superior de nossa mente (manas superior) na busca pela própria consciência do Eu através da auto-observação YS II:11: quem sou, onde e como estou? 2:134
Com ??vara pra?idh?na ocorre a mesma coisa. ??vara pra?idh?na significa rendição ao Senhor Deus, mas no presente contexto significa colocar-se completamente no mais profundo estado de consciência (??vara): colocar a mente, livre de expectativas, completamente à disposição do Eu mais interno (fundi-la completamente com a consciência mais interna) numa postura de auto-entrega e atenção à ação adequada. É o despertar de nossa inteligência intuitiva (buddhi).
“Prestar mais atenção no espírito com que agimos e olhar menos os resultados que nossas ações podem trazer – esse é o significado de ??vara pra?idh?na em kriy?-yoga? 2:134.
T. K. V. Desikachar
O primeiro aforismo do Yoga S?tra começa dizendo: ‘agora (atha) uma exposição do ensinamento (anu??sana?) para (obter-se) o estado de Yoga’. A palavra ‘agora’, nesse contexto, denota que as instruções para se obter o estado de Yoga estão atreladas a algum ensinamento ou recomendação anterior. Essa recomendação preliminar, ou Yoga preliminar, é justamente o kriy?-yoga?, que busca, na prática, que as instruções que se seguirão no Yoga S?tra (seus oito passos – a????gayoga) tornem-se inteligíveis e factíveis, germinem e gerem doces frutos nos corações e mentes previamente purificadas.
“Não reveles jamais esta doutrina a quem não possua autodomínio e devotamento total, nem àqueles que não a queiram abraçar praticamente; nem reveles aos vaidosos que não crêem em Mim”. BG 18:67
Paramahansa Satyananda 5:1 afirma que o a????gayoga de Pat?ñjal? não é para as pessoas comuns, mas para aqueles aspirantes avançados que concluíram uma extensa preparação prévia, atenuando intensamente seus desejos e tendências mentais (kle?a-tan?kara?a) YS II:2. É necessário que as flutuações da mente já estejam, de certa forma, atenuadas, para que se esteja apto ao a????gayoga de Pat?ñjal?. Ele cita o Ha?ha Yoga Prad?pik? (I:68-69):
“Ha?ha Yoga, na forma de ?sana, pr???y?ma e outras práticas, deve ser ensinado até que se esteja pronto para R?ja Yoga”. 5:xii
Como as pessoas com corações impuros e mentes repletas de tendências não estão aptas à prática das instruções, faz-se necessário essa purificação preparatória e preliminar como qualificação prévia indispensável, que se inicia através da prática da ação correta (Karma Yoga), do auto-estudo (Jñ?na Yoga) e da auto-entrega (Bhakti Yoga). Kriy?-yoga? visa o desenvolvimento integral do ser humano (físico, mental e emocional), uma forma equilibrada de crescimento tríplice.
De nada adianta alguém muito inteligente, e com muita ação e vontade, se lhe faltar amor e compaixão, pois se transformará num tirano, ou alguém muito bondoso com muita vontade de agir, mas sem discernimento, pois se transformará num joguete nas mãos dos espertalhões, ou, ainda, alguém sábio e compassivo sem agir em prol da humanidade. Kriy?-yoga? visa redirecionar (re-significar) o ego (suas funções) para outro modo de perceber o mundo: uma mudança de perspectivas. Ao mesmo tempo é um teste para se saber se o buscador está pronto para o caminho: suficiente energia, conhecimento e sentimento.
Karma Yoga |
Jñ?na Yoga |
Bhakti Yoga |
Aha?k?ra |
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Abhy?sa |
Vair?gya |
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Tapas |
Sv?dhy?ya |
??vara pra?idh?na |
Ação |
Conhecimento |
Sentimento |
Vontade |
Sabedoria |
Amor |
Poder |
Luz |
Paz |
Adhy?tma |
||
Existência |
Consciência |
Bem-Aventurança |
Brahma? |
||
Sat | Cit | ?nanda |
Kriy?-yoga? (exercício, autoconhecimento e auto-entrega), por si só, é uma das formas possíveis de se atingir a superconsciência (sam?dhi), mas até que se tenha ascendido até o mais alto nível de superconsciência (dharma-megha?-sam?dhi) não se terá desfeito todos os sutis níveis de avidy? e permanecerão existindo formas sutis e dormentes de kle?as. Desenvolver viveka-khy?ti, um estado mental em que há discernimento entre o Real e o irreal YS II:26, e atingir o estado mental de Kaivalya em dharma-megha?-sam?dhi, o ápice na ‘Busca do Eu’, é a única forma de destruição total dos kle?as.
“Uma vez que conheceste o Eu Supremo, supera os sentidos, a mente e as emoções, pelo poder do Eu. Derrota os teus inimigos que, em várias formas, a ti se apresentam”. BG 3:43
BIBLIOGRAFIA
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As referências bibliográficas acham-se assim indicadas: xx:yy, onde ‘xx’ é o número da referência contido na BIBLIOGRAFIA (no final do livro) e ‘yy’ é a página onde se encontra.
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Quando precedendo ‘xx’ estiver escrito YS, a obra referenciada é o Yoga S?tra de Pat?ñjal?, BG quando for Bhagavad G?t?, VC quando for o Viveka Ch?d?mani, TB quando for o Tattvabodha? e SS quando a obra referenciada for o ?iva S?tra (obra de referência no ?ivaísmo de Cachemira). Nesses casos ‘xx’ é o capítulo e ‘yy’ é o s?tra.
- Azevedo, Cláudio; Yoga e as Tradições Sapienciais, Órion Edições, 2ª Edição, Fortaleza, 2.006;
- Desikachar, T. K. V.; o Coração do Yoga, Editora Jaboticaba, São Paulo, 2007.
- Rohden, Humberto; Bhagavad Gita: a Sublime Canção; Editora Martin Claret, São Paulo, 2.000;
- Satchidananda, Swami; Yoga Sutra de Patañjali, Gráfica e Editora Del Rey Ltda., Belo Horizonte, 2.000;
- Satyananda, Paramahansa; Four Chapters on Freedom; Bihar School of Yoga, Bihar (India), 1.979;
- Yogananda, Paramahansa; Autobiografia de um Iogue, Editora Lótus do Saber, Rio de Janeiro, 2.001.