Mediunidade x ‘Tulku’

A REENCARNAÇÃO DOS “BUDAS VIVOS”

A tradição da reencarnação é uma característica do Vajrayana. Está ligada ao conceito do bardo, período intermediário entre nascimento e renascimentos. A morte é somente uma pausa na continuidade de nascimentos e renascimentos. Enquanto um ser ignorante vive uma vida confusa, e tem uma morte confusa, e passa por um bardo confuso e nasce novamente como um ser confuso, um Bodhisattva vive, morre e renasce somente com o propósito de libertar os seres da ignorância e confusão. Para ele, todo o passado e todo o futuro estão manifesto no presente, portanto ele ultrapassa o continuum tempo/espaço.

Lama Anagarika Govinda diz:

“O ser torturado e ferido de nosso tempo, não conhece o seu passado infinito e nem a infinidade de seu futuro porque perdeu a conexão com seu ser atemporal, é como um homem sofrendo de uma amnésia incurável, uma enfermidade mental que o priva de sua consciência e portanto de sua capacidade de agir consistentemente de acordo com sua natureza verdadeira. Tal ser realmente morre, porque ele se identifica com sua existência momentânea”.

Um Bodhisattva, por outro lado, não perde a conexão com o seu ser atemporal, e é capaz de canalizar sua consciência para renascer e propiciar ajuda a todos os seres, e uma vez que ele é o mestre dos três tempos, é possível para ele indicar e dirigir as condições de seu renascimento ou reencarnação. Depois de Guru Padmasambhava, o Budismo floresceu no Tibete. Havia praticantes, milhares deles, vivendo em cavernas, em ermidas e mosteiros dedicados aos votos de libertar todos os seres sencientes das amarras da ignorância. Devido à claridade de suas visões e ao poder de suas motivações, existem incontáveis reencarnações desses Bodhisattvas.

O sistema de reencarnação dos “Budas Vivos” é o ponto principal que distingue o Budismo Tibetano das outras formas de Budismo. O Imperador Kublai Khan em 1.252 concedeu uma audiência a Pagba, chefe da seita Sakya, e a Karma Pakshi, um monge eminente da seita budista Karma Kagyiu. Kublai Khan conferiu a Pagba o nome de “Buda do Paraíso do Oeste”, e a Karma Pakshi um chapéu preto com borda dourada e um selo dourado de autoridade. A partir daí todos os monges que se distinguiam na prática do Budismo eram chamados de “Budas Vivos”.

Para firmar os interesses de sua seita, em 1.283, Karma Pakshi deixou um testamento orientando os seus discípulos a procurarem um garoto para herdar o chapéu preto com a instrução baseada na premissa de que a ideologia de Buda é eterna, e um Buda iria reencarnar para completar as missões que ele havia iniciado. Os discípulos de Karma Pakshi agiram de acordo com as orientações e encontraram o garoto com a alma reencarnada do mestre. O evento marcou a introdução do sistema de reencarnação do Buda Vivo para a linhagem dos “Chapéus Preto do Budismo Tibetano”. Durante a Dinastia Ming (1.368-1.644), o Imperador Yongle honrou o “Buda Vivo Chapéu Preto Karmapa” com o título de ''Grande Tesouro Príncipe do Dharma,'' o primeiro dos três “Príncipes do Dharma”. Em 27 de Setembro de 1.992, no mosteiro Curpu, condado de Doilungdeqen (Lhasa), foi o local de grande cerimônia, marcando o entronamento do 16º Buda Vivo Karmapa. O evento marcou uma nova página na história da seita Karma Kagyiu.

Várias outras seitas do Budismo Tibetano reagiram à introdução do sistema de reencarnação do “Buda Vivo” e criaram vários outros sistemas. Durante a Dinastia Qing (1.644-1.911), reinado absoluto do Imperador Qianlong, 148 “Budas Vivos” foram registrados no “Conselho para Assuntos Mongóis e Tibetanos”. Contudo os sistemas mais influentes foram o dos Dalai Lama e Panchen Lama.

Algumas reencarnações são identificadas através dos sonhos, algumas através de visões de pessoas santas, algumas através de instruções deixadas no momento da morte, algumas através de sinais auspiciosos da natureza e alguns simplesmente proclamam suas identidades quando ainda bebês. Enquanto muitos são colocados à prova, pedindo-se que identifiquem os objetos pertencentes à sua encarnação prévia, muitos são aceitos sem qualquer teste. Não existe nenhuma regra rígida no processo de identificação e nascimento. Alguns nascem príncipes e alguns pastores. O único princípio guia para tais nascimentos é a compaixão dos Bodhisattvas e o karma coletivo das pessoas.

Do mesmo modo que não existem padrões rígidos no processo de se identificar uma reencarnação, também não existem para quem deverá identificar a reencarnação. Logo que um Tulku (encarnação reconhecida) é identificado, ele é entronado e providenciado para ele os mais sábios instrutores. Ele tem completo acesso ao vasto oceano de néctar do dharma e rodeado por grandes mestres.

O sistema de reencarnação para o Dalai Lama foi introduzido no século XVI. No início da Dinastia Qing Dynasty, o 5º Dalai Lama viajou para Beijing para prestar homenagem ao Imperador Shunzhi. O Imperador Qing“Dalai Lama” (o guardião da Fé Budista na Terra sob os auspícios do “Grande Buda Benevolente o Paraíso do Oeste”). O título Dalai Lama foi então estabelecido e permanece até hoje. conferiu a ele o título honorário de

O processo de encontrar o próximo Dalai Lama é dos mais estranhos, único e verdadeiro no mundo. Por ocasião da morte de cada Dalai Lama, forma-se um concílio dos Lamas mais especiais e começam a consultar o Oráculo do Estado, que tem um valor supremo. Logo após o Oráculo, segue-se o processo de encontrar o novo Dalai Lama. Ele trará no corpo certos sinais especiais (32 sinais ao todo, que são os 32 portais da sabedoria) além de outras características mencionadas pelo próprio Dalai Lama antes de morrer. Uma vez encontrada a “criança”, esta deverá reconhecer, entre inúmeros objetos, os pertences da vida anterior, como os seus auxiliares ainda vivem, etc. Deverá deixar claro a “continuidade de consciência”.

De acordo com a tradição, comitivas de busca foram enviadas para encontrar o sucessor de 13o Dalai Lama. Dois anos depois vários sinais levou um grupo a Takster, onde eles encontraram o garoto Lhamo Thondup. Depois de uma série de testes, a criança (mais tarde nomeada Tenzin Gyatso) foi reconhecida como o 14o Dalai Lama.

Onde quer que seja que o fluxo kármico das pessoas está maduro bastante para seguir o caminho do Dharma, um Bodhisattva com certeza surgirá. Existem casos onde o karma coletivo se tornou negativo e um Bodhisattva foi rejeitado ou expulso. Uma dessas estórias datam da época do Buda Sakyamuni. Um de seus discípulos tendo aprendido muito e se tornado muito arrogante, após a sua morte ele nasceu como um “preta”, um fantasma faminto, no jardim onde Buda ensinava. O Senhor Onisciente, tomando conhecimento da presença desse miserável fantasma, tentou ensiná-lo o dharma, mas cada vez que Buda falava, ele tapava seus ouvidos com as mãos e virava de costas.

Em nossos tempos modernos temos mestres reencarnados iluminados como a Sua Santidade o 14º Dalai Lama, Sua Santidade Dudjom Rinpoche, Sua Santidade o Karmapa, Sua Santidade Sakya Trinzin Rinpoche, Sua Santidade o Mingling Trichen Rinpoche, Sua Santidade Dilgo Khyentse Rinpoche, Kalu Rinpoche e muitos outros, brilhando na escuridão de Samsara.

Normalmente um Tulku ou um Rinpoche encarnado reconhece e identifica a nova reencarnação que pertence à seu mosteiro. Entretanto, muito freqüentemente, têm acontecido casos onde uma grande reencarnação é identificada por um único Lama comum ou até por representantes dos Rinpoches e Tulkus.

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