Tapas
Enquanto membro de kriy?-yoga?, vimos que tapas significa criar energia (ou calor) física (exercícios físicos e respiratórios), mental (exercícios de concentração) e espiritual (as auto-restrições dos ensinamentos provisórios 1:147-151), imprescindíveis ao caminho do Yoga. Aqui, enquanto membro de niyamas, significa austeridade (simplicidade) e autocontrole ou auto-superação. Tapas (lit. calor ou ardor) significa aquecer, no sentido de disciplinar nossa natureza inferior (aha?k?ra) a uma vida simples e austera, ‘resistindo ao mundo’ pela eliminação de todas as suas fraquezas: uma forma de limpeza e purificação pela autodisciplina.
Assim, como já visto antes, tapas implica uma prática perseverante (abhy?sa). Por traz dessa noção existe a idéia de que nós podemos nos livrar das impurezas do nosso corpo, produzir calor físico, mental e espiritual e aperfeiçoar corpo, mente e alma, tornando-os fortes e robustos. Para isso necessita-se de um constante esforço sobre si mesmo em todos os momentos, um autodesafio voluntário ao corpo, à fala e à mente, na prática dos yamas e niyamas, que visam desenvolver o divino poder da Vontade Espiritual:
“O verdadeiro tapas consiste em cultuar a Divindade com retidão, honrar os iluminados e ser tolerante, benévolo e amável para com todos. Quem profere verdades que não ferem os outros; quem é amável e bondoso; quem alimenta sua alma com santas orações – esse pratica tapas por palavras. Pureza de coração, serenidade, culto do silêncio; incessante desejo de disciplina, mente piedosa e firmeza de vontade – é este o tapas interior aconselhado pelo espírito”. BG 17:14-16
Seu propósito é adquirir controle sobre os hábitos, vícios, memórias e processos dos nossos veículos de manifestação (ou ko?as), levando, gradualmente, à cessação de nossa identificação (asmit?) com eles e tornando-os servos obedientes ao Eu, para que executem sem resistência o que for necessário. É, ao mesmo tempo, um exercício de intensificação da força de vontade. O primeiro passo é adquirir a capacidade de se desligar mentalmente de aha?k?ra para se conseguir aplicar uma pressão constante da Vontade do Eu na mudança de hábitos e na aquisição da virtude da paciência: uma firme determinação (v?rya) de seguir diariamente a prática (s?dhana) do Yoga.
Para isso, faz-se necessária uma atenção constante a todas as circunstâncias no sentido de se fazer o que se tem que fazer cada vez de uma forma melhor, sem nada esperar como retorno. Isso inclui a determinação em não praticar os ‘pecados capitais’, não comer nem beber por hábito, abster-se da busca por qualquer forma de prazer e da fuga de qualquer forma de dor, preservar-se de uma alimentação incompatível, fazer jejuns, conter o impulso de expressar comentários maldosos sobre terceiros, observar o silêncio, atenção à postura e à respiração, etc..
Mas aqueles com um temperamento ativo (rajas), podem querer praticar esse esforço de auto-superação com o fim de obter admiração de outrem ou para obter habilidades (siddhis) YS IV:1, perdendo-se totalmente do caminho do Yoga, pois com isso a auto-identificação com o próprio poder adquirido fortifica imensamente aha?k?ra. Já aqueles sob o poder velador de tamas podem interpretar tapas como a simples capacidade de suportar o doloroso, partindo assim para a prática masoquista da autoflagelação (kricchra), de penitências extremas (santap?na) ou de uma vida niilista de negação.
Não se pode negar a função de tapas em aumentar a capacidade pessoal de suportar o estresse (externo ou auto-imposto) sem adoecer, como forma de aumentar a capacidade de resiliência. Resiliência é a capacidade de sair fortalecido de uma situação desfavorável. Esse é um exercício de andar entre tapas e ahi?s?, que só é bem compreendido e aplicado por aqueles que já desenvolveram um padrão harmonioso (‘sáttvico’) de temperamento. Hoje em dia, diante das exigências auto-impostas por aha?k?ra, reagirá melhor aos instantes de dificuldade quem for mais resiliente.
Só a personalidade ‘sáttvica’ será capaz de se auto-impor penitências como forma de obter aprendizado e resiliência, porque somente ela é capaz de ser ‘esticada’ e ‘comprimida’ sem se quebrar, humildemente curvando sua coluna diante das tempestades da vida. Na vida enfrentamos diversos obstáculos e temos saber como lidar com eles. Para Sidhartha Gautama, há obstáculos que são vencidos pelo discernimento, outros pelo autocontrole, outros pelo uso correto de meios de proteção, outros pela tolerância, outros são vencidos evitando-os, outros são vencidos repelindo-os e outros são superados pelo desenvolvimento espiritual (Silva, Georges da e Homenko, Rita; Budismo: Psicologia do Autoconhecimento, Editora Pensamento, São Paulo, 1995, página 139).
Tapas, enquanto visto como penitência, o é no sentido de fazer promessas a si mesmo, ou a Deus, para suportar alguma privação sensorial com vistas ao desenvolvimento espiritual e desapego. É um aprender a superar obstáculos. Para isso, pode-se começar negando a si mesmo algum desejo simples, que necessite de alguma força de vontade, levando essa postergação da realização desse desejo, gradualmente, à sua completa renúncia.
Essa autodisciplina não implica uma disciplina auto-imposta, mas encarar a vida com simplicidade, com a inocência da mente simples de uma criancinha que não se preocupa com as complexidades de uma vida de apegos e repulsões: “apenas o homem inocente pode agir retamente, pois só ele é capaz de responder adequadamente aos desafios do cotidiano porque ele se abandona à vida com a totalidade de seu ser”.
É por isso que não pode haver rigidez, mas deve haver espaço para uma auto-indulgência consciente, como uma capacidade de entender e perceber os próprios limites. Não podemos praticar tapas negligenciando ahi?s?. Se o corpo exige algumas horas adicionais de repouso, tem-se que dar isso a ele; se a psique não está pronta para olhar para si mesma e reconhecer a causa da sua própria dor, não se deve forçar a si mesmo e olhar para essa sombra inconsciente. Tapas visa fortificar o ego, purificando o corpo e os sentidos YS II:43, e não destruí-lo.
É somente com o corpo (em seus sistemas respiratório, circulatório, digestivo e endócrino) e os sentidos perfeitos que o buscador poderá estar apto à prática da meditação por longos períodos. O corpo e a mente devem ser capazes a horas de imobilidade relaxada. Por isso, a prática de tapas como parte dos niyamas. Segundo Paramahansa Satyananda 3:140, existem outros cinco tipos de austeridades:
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Expor o corpo ao sol para ‘endurecer’ a pele;
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Sujeitar o corpo ao calor do fogo para torná-lo magro e moreno;
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Criar calor corporal através de exercícios respiratórios (pr???y?ma);
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Desenvolver a capacidade de concentração sobre um único ponto; e
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Jejuar.