“Viver é ver a luz do Sol”
Homero (século IX a.C.)
“A vida começa quando descobrimos que estamos vivos”.
Henrik Tikkanen
(pintor e escritor finlandês)
Uma das questões mais intrigantes para os cientistas de hoje é a questão da origem da vida (Cf. “VIDA E MORTE“). O problema começa justamente com a definição, ou com a falta dela, do que seja vida. Por incrível que pareça, não existe ainda um consenso de como definir vida. De qualquer forma, sabemos que organismos vivos têm as seguintes características:
- eles reagem ao meio em que vivem e, em geral, têm a capacidade de se curar quando feridos;
- eles podem crescer, ingerindo alimentos e transformando-os em energia;
- eles se reproduzem, passando algumas de suas características para sua prole;
- eles podem sofrer modificações genéticas e, portanto, evoluir de modo a adaptar-se (ou não) a mudanças no meio ambiente.
Mas essas quatro regras estão longe de ser absolutamente válidas, existindo muito espaço para interpretações paralelas. Eis dois exemplos que ilustram a complexidade do fenômeno vida:
- Estrelas respondem à atração gravitacional de seus vizinhos, podem crescer por acréscimo de material à sua volta. Ao esgotar seu combustível nuclear, elas passam à sua fase final de forma explosiva, e assim se “reproduzem” pois essas explosões podem gerar instabilidades gravitacionais em nuvens de gás que estejam por perto. Essas nuvens instáveis contraem-se devido à sua própria gravidade, gerando novas estrelas, e estas contêm algumas das características da estrela morta. Mas acho que todos concordam que as estrelas não são consideradas como seres vivos.
- Um vírus é cristalino e inerte quando isolado. Mas, quando alojado em uma célula, ele exibe todas as propriedades de um ser vivo, usando o material genético da célula para crescer e se reproduzir. Muitos cientistas acreditam que o vírus é justamente a ponte entre o vivo e o inanimado, um organismo tão simples que não consegue manter-se vivo por si só, mas complexo o suficiente para viver por meio de outros seres vivos.
Hoje o consenso parece ser que a distinção entre o vivo e o inanimado não deve seguir uma lista rígida de parâmetros, mas adaptar-se à complexidade de cada situação. Talvez não tenha sentido procurar aquela distinção, pois haveria vida em todo tipo de matéria. Qual a característica que permite a distinção entre nós e a parte “não-viva” do Universo? O que se extingue quando um ser vivo “morre”? Talvez a compreensão da morte explique a vida ou a compreensão da vida explique a morte. Como a matéria “destituída de vida” se organiza para produzir vida, e vida consciente? O físico Evan Harris Walker sugeriu que “a unidade básica da consciência é o próprio quantum” 4:190. De forma semelhante Max Delbrück (1.906-1.981), biólogo molecular e prêmio Nobel em 1.969, observou que não existe linha divisória clara entre o mundo vivo e o não-vivo. Ele propôs que o que se pode chamar de vida também está presente nas unidades fundamentais como átomos e moléculas.
Aqui na Terra, formada há 4,6 bilhões de anos, os primeiros sinais de organismos, ditos vivos, datam de 3,85 bilhões de anos atrás. Foi uma época em que um grande número de meteoritos caiu na Terra e na Lua, podendo ter sido a causa do aparecimento da vida. Esse bombardeio, comprovado recentemente por Ronny Schoenberg na revista inglesa Nature, pode ter trazido, de carona, a vida para a Terra (possibilidade teórica conhecida como panspermia balística) ou criado as condições necessárias para tornar a vida possível, como calor e vários compostos orgânicos que existem em asteróides e cometas. Tais organismos, simples unicelulares, reinaram por pelo menos 1 bilhão de anos, até que organismos mais complexos, mas ainda unicelulares, como as amebas, apareceram.
Uma teoria chamada de teoria de Oparin-Müller, por exemplo, afirma que a origem da vida ocorreu ao acaso a partir de uma descarga intensa de energia sobre um oceano contendo os 20 aminoácidos essenciais. Alexander Oparin, bioquímico russo, propunha que as moléculas que formaram o primeiro ser unicelular teriam se formado a partir de uma mistura de amônia, metano e hidrogênio, sobre um oceano fervente, produtor de vapor d’água (a sopa primordial). Querendo testar essa teoria, em 1.953 Stanley Müller e Harold Urey conseguiram fabricar em laboratório alguns tipos de aminoácidos, as moléculas que servem de base à formação de proteínas dos seres vivos.
Müller e Urey não obtiveram os 20 tipos de aminoácidos e nenhuma mistura química, tipo sopa primordial, conseguiu produzir, sozinha, todos os tipos de aminoácidos. Ademais, a atmosfera proposta era inspirada na de planetas gigantes, como Júpiter. Os indícios atuais são de que não havia amônia nem metano na Terra e é possível que muitos aminoácidos tenham vindo a bordo de meteoritos (tese essa já constatada). Também em 1.953, James Watson e Francis Crick descreveriam a estrutura do DNA, a molécula que guarda a informação para o desenvolvimento de todos os seres vivos. A partir de então, a comunidade científica passou a trabalhar com quatro compostos básicos à formação de um “ser vivo”: aminoácidos, açúcares, bases nitrogenadas e fosfatos. Nenhum cenário proposto, até o momento, conseguiu reproduzir essa matéria prima e, além disso, é impossível fisicamente, mesmo jogando numa “sopa” todos os quatro ingredientes, se conseguir, aleatoriamente, formar uma estrutura complexa como a de um ser unicelular.
Sobre essa teoria N. C. Wickramasinghe, matemático e professor da University College of Cardiff (UK), em seu livro Evolution From Space, postula que, considerando um caldo com partes iguais dos 20 aminoácidos e que um mínimo de 15 posições chaves devem ser preenchidas por determinados aminoácidos para haver um funcionamento adequado de um microorganismo simples, o número de combinações experimentais ao acaso para obter uma informação vital, apenas das enzimas, é da ordem de uma em 1040.000, sem considerar a probabilidade dos átomos existentes se juntarem antes em forma de aminoácidos e que as enzimas, sozinhas, não criam a vida.
“Se a pessoa não for preconcebida, seja por crenças sociais, seja por determinado preparo científico, a ter convicção de que a vida se originou [espontaneamente] na Terra, esse simples cálculo torna improcedente toda esta idéia”.
Fred Hoyle
Ou seja, um vendaval que soprasse os restos de um avião teria mais chances em formar um Boeing 747 do que os processos do acaso em criar vida conhecida, a partir dos seus componentes. Assim como a matemática chama de absolutamente improvável, a física descarta como impossível tudo que tenha uma probabilidade menor que um em 1050. Qualquer que seja a resposta correta, parece claro que, sem os bombardeios celestes, a vida não teria surgido na Terra.
A maior dificuldade para se entender a origem da vida na Terra é a completa ausência, até o momento, de registros fósseis. Já foram encontrados fósseis de estromatólitos (um tipo de colônia de bactérias) com 3,5 bilhões de idade, já bastante semelhantes com as bactérias de hoje em dia. Provavelmente o DNA e as proteínas não estivessem presentes nos primeiros seres vivos, pois o DNA precisa de uma enzima (uma proteína) para se replicar e não se pode determinar quem surgiu primeiro. No fim da década de 1.960, o bioquímico americano Leslie Orgel postulou um mundo de seres à base de RNA, que poderiam se auto-replicar, atuando como suas próprias como enzimas. Já se demonstrou que o RNA é capaz dessa proeza, mas se acredita que ele foi precedido de uma molécula mais simples, um “proto-RNA”. Em 1.999, Stanley Müller repetiu a experiência de 1.953, mas com ingredientes diferentes, e obteve uma molécula batizada de PNA (ácido nucléico peptídico), que é uma das candidatas a precursora do RNA (outras já foram obtidas).
“A grande conquista dos últimos 50 anos, para o nosso campo de pesquisa, é o consenso geral em torno da proposta do mundo de RNA. … [mas] não acho que chegaremos à teoria de que uma única molécula originou a vida. Teremos à mão uma família de moléculas em potencial”.
Leslie Orgel – numa entrevista em 2.003
Para William Martin e Michael Russel, pesquisadores da Universidade de Düsselforf (Alemanha) e do Centro de Estudos Ambientais da Escócia, os seres vivos tiveram seu ponto de partida em sistemas inorgânicos. Na década de 1.990 foi descoberta a existência de seres, batizados de archaea ou arqueobactérias, microorganismo litoquimioautotróficos que vivem no interior de rochas a alguns quilômetros de profundidade e se alimentam de hidrogênio, compostos sulfúricos, manganês e outros metais pesados, dispensando totalmente o oxigênio e a luz solar (fotossíntese) como fonte de energia. Os archaea foram vistos em rochas vulcânicas no estado de Idaho, nos Estados Unidos, e em minas da África do Sul, há mais de 2.400 metros de profundidade, e compõem um reino próprio diferente dos procarionte e dos eucariontes.
Entre as arqueobactérias existem os extremófilos, microorganismos extremamente resistentes ao calor, alta pressão e falta de luz solar que, sem oxigênio por perto, retiram o seu alimento de resíduos, poluentes ou toxinas, transformando ferro, cobalto ou urânio em comida. Estão sendo, atualmente, utilizados para a despoluição de regiões contaminadas por óleo e produtos químicos. Outros são conhecidos como metanogênicos, responsáveis por quase todos os depósitos subterrâneos de metano (gás natural) do planeta. Outro ser vivo impressionante são os lithotrophs (comedores de rocha) capazes de obter carbono a partir do dióxido de carbono, numa espécie de fotossíntese independente da luz solar.