Sobre a Reencarnação

I. CONTRADIÇÕES FILOSÓFICAS

Podemos encontrar o conceito reencarnacionista no Budismo, no Bramanismo, na Cabala judaica, no Candomblé, no Umbanda, no Catolicismo Liberal, no Hinduísmo, no Jainismo,  no Sikhismo, no Xintoísmo, na Seicho-No-Ie, na Igreja Messiânica, no Espiritismo, Santo Daime, no Xamanismo, e em grupos como a Maçonaria, a WICCA, o Martinismo, a Sociedade Rosa-Cruz, a Sociedade Teosófica, etc.. Poucas filosofias não têm a doutrina da reencarnação e a principal delas é a doutrina cristã atual.

Nos primórdios da cristandade, Dom Jerônimo (347-420 d.C.) fala da crença na passagem da alma de um corpo a outro como presente no início do Cristianismo. Orígenes (185-254 d.C.), o maior de todos os padres da Igreja, sustentava-a forte e claramente em suas obras “De Principiis” e “Contra Celsum” como única explicação para certas passagens do Novo Testamento. “O corpo e a matéria promanam de um só Deus bom, mas o corpo não é o primeiro pensamento do Deus bom… é antes uma espécie de castigo, uma corrente, uma prisão que deve sua existência a uma queda anterior das almas puras” 78:64.

É significativo que afirmasse não tê-la tomado de Platão, mas que ela lhe fora ensinada por São Clemente de Alexandria (150-215 d.C.), mestre da Igreja e chamado por Dom Jerônimo de o “mais instruído dos padres” 78:61, que, por sua vez, a teria aprendido de Panteno, um filósofo estóico egípcio que viveu parte de sua vida na Índia. Orígenes, em sua função de catequizador, deu-se conta que no ensino das Escrituras a pagãos e judeus instruídos e a filósofos, difíceis questões eram levantadas. Para isso estudou a fundo a filosofia grega e suas disciplinas auxiliares e fundou um instituto de estudos mais aprofundados das Escrituras cristãs.

Orígenes incentivou seus discípulos a experimentar todos os sistemas e reter o que era bom de cada um, utilizando 54:42. Assim, a doutrina da reencarnação, herdada dos gregos, hindus e egípcios, foi um dos Mistérios da Igreja primitiva, ensinado somente àqueles que eram dignos, bons e confiáveis, aptos a receber esses ensinamentos internos. “todas as forças da tua inteligência em favor do cristianismo, que deve ser teu objetivo supremo”

Quase todos os historiadores da Igreja acreditam que foi durante o Concílio de Constantinopla II, em 553 d.C., que a reencarnação foi declarada herética, devido a uma oposição pessoal do imperador Justiniano aos ensinamentos de Orígenes. Sua esposa, Teodósia, que se envergonhava do seu passado de cortesã, mandou matar cerca de quinhentas antigas “colegas”, e, tendo medo das conseqüências da Lei do Carma, empenhou-se em abolir essa doutrina, confiante nessa “anulação divina”.

Em 543 d.C. o imperador condenou esses ensinamentos em um sínodo especial e em 553 convocou o Concílio, do qual participaram somente bispos do Oriente, nenhum de Roma, apesar dos protestos do Papa Virgílio na sua publicação intitulada Anathemata. A conclusão oficial do Concílio apresentada ao Papa Virgílio para ratificação, não apresentava nenhuma referência a Orígenes, mas apenas a três outros eruditos declarados hereges por Justiniano em um edito publicado três anos antes, os chamados “Três Capítulos”. Os papas seguintes, Pelágio I, Pelágio II e Gregório nunca tocaram no nome de Orígenes quando se referiam a este Concílio, mas a Igreja aceitou o edito de Justiniano como parte das conclusões do Concílio. Um erro histórico sem qualquer validade eclesiástica.

De qualquer forma parece-nos, que era conveniente ao poder temporal dar fim à doutrina da volta a Terra pela reencarnação, como forma de dominação mais fácil pelo temor da morte e danação eterna. Além disso o poder religioso julgava que essa doutrina dava ao homem um tempo e espaço amplos demais para encorajá-lo a lutar pela salvação imediata. Mas milhões de pessoas não utilizaram sua “única vida” para buscar a Deus, e sim, para desfrutar este mundo, tão singularmente ganho e de tão breve duração para ser perdido para sempre.

De qualquer maneira, pode-se fazer uma lista de trechos do Novo Testamento cristão em que é implícita a doutrina reencarnacionista. Pode-se, de uma certa forma, afirmar que os ensinamentos de Jesus confirmavam e reafirmavam a sabedoria dos antigos filósofos e os princípios fundamentais do mundo antigo. Palavras de Jesus, o Cristo, no Evangelho de Mateus:

“Chegando ao território de Cesaréia de Filipe, Jesus perguntou a seus discípulos: 'No dizer do povo, quem é o Filho do homem?' Responderam: 'Uns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas’”.

(Mt 16:13-14)

Os judeus pareciam saber que Jesus era uma reencarnação, mas estavam incertos sobre quem teria sido na vida anterior… Mas, ainda no evangelho de Mateus, quanto a João Batista, Jesus confirma que a alma de Elias reencarnou em João Batista:

 

“Porque os profetas e a lei tiveram a palavra até João. E, se quereis compreender, é ele o Elias que devia voltar. Quem tem ouvidos, ouça”

(Mt 11:13-15)

“Em seguida, os discípulos o interrogaram: 'Por que dizem os escribas que Elias deve voltar primeiro?' Jesus respondeu-lhes: 'Elias, de fato, deve voltar e restabelecer todas as coisas. Mas eu vos digo que Elias já veio, mas não o conheceram; antes, fizeram com ele quanto quiseram. Do mesmo modo farão sofrer o Filho do homem.' Os discípulos compreenderam, então, que ele lhes falava de João Batista’”.

(Mt 17:10-13)

Já no evangelho de João, Jesus parece sugerir, naturalmente, o nascimento final na vida espiritual pura, após muitas passagens terrenas:

“Em verdade, em verdade te digo: que não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus”.

(Jo 3:3)

“Em verdade, em verdade te digo: quem não renascer … do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus”.

(Jo 3:5)

E ainda no Evangelho de João vemos:

 

“Caminhando, viu Jesus um cego de nascença. Os seus discípulos indagaram dele: 'Mestre, quem pecou, este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego?' Jesus respondeu: 'Nem este pecou nem seus pais, mas é necessário que nele se manifestem as obras de Deus.'”

(Jo  9:1-3)

O povo da época acreditava que deveria haver um motivo para uma pessoa nascer doente ou sã (Lei de Causa e Efeito – Lei do Carma). Nesse caso os seus discípulos lhe perguntaram o motivo daquele cego haver nascido assim, acredito que sem maldade em suas palavras, como o faziam os escribas e fariseus. E lhe deram duas opções. Ele não negou a existência nem de uma opção nem a de outra (…nem este pecou nem seus pais…), mas lhes acrescentou uma terceira possibilidade.

Como podemos explicar o nascimento em um corpo deficiente (…um cego de nascença…) devido ao pecado anterior se ele ainda não tinha nascido?? Como podemos nascer já condenados?? Será que a teoria reencarnacionista era popular e aceita à época pelos judeus, da mesma forma que era popular e aceita pelos indianos, gregos e egípcios?

Já no Livro da Sabedoria 8:19-20 vemos: “Eu era um menino vigoroso, dotado de uma alma excelente, ou antes, como era bom, eu vim a um corpo intacto”. Ou seja, Salomão relata que quando criança era vigoroso e rico espiritualmente, mas, ele retifica, ele veio a um corpo saudável porque ele já nascera bom. A Bíblia Ave-Maria comenta que o autor quando disse “ou antes” quis acentuar a perfeição moral antes da perfeição física.

Como podemos explicar o nascimento em um corpo intacto (…vim a um corpo intacto…) devido ao fato de uma pessoa ser boa se ela ainda não tinha nascido?? Como podemos nascer já perfeitos moralmente??… Além disso, a afirmação deixa transparecer a verdade de seu oposto, ou seja, se antes ele fosse mal, teria vindo a um corpo imperfeito.

Como explicar que crianças nasçam extremamente miseráveis e outras extremamente ricas, algumas extremamente doentes e outras saudáveis, algumas com grandes possibilidades de progresso e outras sem nenhuma perspectiva? Onde está a justiça divina? Ou Deus não é justo e dá boas condições de vida e progresso apenas a alguns escolhidos, como acreditavam os essênios (única explicação que podiam conceber)? Acreditando na justiça divina como infalível, todos nós deveríamos nascer nas mesmas condições, ou no mínimo com as mesmas possibilidades de evolução. Só podemos conceber Deus como infinitamente justo, ou seja a própria Justiça.

Nós seres humanos temos pelos nossos filhos todos os bons sentimentos que possam existir, com raríssimas exceções para aqueles pais com problemas mentais. Uma mãe, com raras exceções, não consegue perdoar incondicionalmente a nenhuma pessoa, a não ser ao seu filho. Quantas vezes um filho errar e se arrepender, quantas vezes o seu pai bom o perdoará e o aceitará de volta como filho pródigo. Mas essa nossa bondade como pai não chega nem perto da bondade de Deus como Pai. Só podemos conceber Deus como infinitamente bom, ou seja a própria Bondade. Será que a Bondade Divina fechará os olhos e os ouvidos àquele filho que matou a alguém, mas que só viu o seu erro quando estava na miséria do “fogo eterno”, e pedindo o perdão do Pai esse o negará? Será que o Pai, a Bondade em pessoa, em toda a sua justiça, a Justiça em pessoa, negará uma outra chance àquele filho sofredor e arrependido? Acreditar que existe somente uma vida e que toda a eternidade depende dela é acreditar na inexistência da justiça divina ou de um Deus bom – a Bondade.

Então qual a causa das desigualdades observadas no mundo? Como justificá-las tendo em mente o amor e a justiça do Pai? (“…Que diremos, pois? Haverá injustiça em Deus? De modo algum!…” – Rm 9:14). Apenas acreditando na existência de um processo evolutivo através de múltiplas encarnações e numa Lei de Causa e Efeito, poderemos justificar a existência de tantos indivíduos em estágios tão diferentes de evolução ou tão diferentes socialmente, pois: “Entra em acordo com teu adversário sem demora…para que não… sejas posto em prisão. Em verdade te digo: dali não sairás antes de teres pago o último centavo…” (Mt 5:25s e Lc 12:58s). “Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5:48) ou então “retirai-vos de Mim, operários maus” (Mt 7:23) e voltais à prisão física até que pagues o último centavo. Existiria uma prisão pior do que ficar retido num corpo e num mundo ilusório, privado da bem-aventurança divina?

Dizer que a reencarnação não existe por que não nos lembramos de nossas vidas anteriores é o mesmo que afirmar que não fomos bebês abaixo de um ano por que não nos lembramos de nada daquela época, ou que ao sonhamos porque não nos lembramos de nossos sonhos. Se um idoso não consegue se lembrar de muitos acontecimentos de sua infância e nós, logo após nos levantarmos da cama, esquecemos nossas atividades no mundo dos sonhos, o que dizer da nossa personalidade que não se lembra de uma antecedente que viveu de 10 a 15 séculos antes, provável tempo médio entre reencarnações, a não ser por reminiscências vagas e indefinidas?

Em geral, como as experiências de uma encarnação ficam registradas, na sua íntegra, nos corpos físico-etérico e astral, e somente os valores que foram destilados dessas experiências são incorporados a Atma-Buddhi, ao começar uma nova vida, com novos Skandhas, não temos memórias das experiências passadas em vidas anteriores. É Atma-Buddhi que tem esse registro e somente quando elevamos nossa consciência até o nosso Eu superior é que temos condições de trazer ao cérebro físico alguma lembrança passada. Mas relembrar de um suposto passado não é prova de reencarnação, pois a psicologia transpessoal já estuda diversos campos energéticos inconscientes, que podem ser acessados e confundidos com inconscientes pessoais (Cf. no Capítulo II).

Quando Jesus falou de renascer do Espírito, Ele enfatizou que quem assim o procede não sabe de onde vem nem para onde vai (Jo 3:8). Mas como resgatar nossas dívidas para com os que ofendemos em vidas anteriores se não nos lembramos de quem foram e o que fizemos? Fazendo o que o Mestre Jesus e todos os seus antecessores ensinaram: “…amarás teu próximo como a ti mesmo” – Mt 22:39, Mc 12:31 e Lc 10:27, inclusive aos inimigos (“…amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos maldizem e orai pelos que vos injuriam” (Lc 6:27s)), evitando o mal e procurando fazer o bem. Mas amar nossos inimigos não significa deixar que nos machuquem. Amá-los é respeitá-los como seres humanos e sermos corretos e justos com eles. Isso não nos tira o direito de nos afastar de quem nos agride, preservando nossa integridade e nossa paz.

“Cada qual aparece diferente de si mesmo; cada qual representa o seu papel sempre mascarado, pelo menos enquanto o chefe dos comediantes não o faz descer do palco. O mesmo ator aparece sob várias figuras, e o que estava sentado no trono, soberbamente vestido, surge, em seguida, disfarçado em escravo, coberto por miseráveis andrajos. Para dizer a verdade, tudo neste mundo não passa de uma sombra e de uma aparência…”  82:41 .

Erasmo de Rotterdam (1.469-1.536)

A famosa Enciclopédia alemã Konversationslexikon, de Meyer, em seu volume 18, diz: “… os talmudistas pensavam que Deus havia criado um número limitado de almas judias, que renasceriam enquanto houvesse judeus, com ocasionais reencarnações punitivas, sob a forma animal. Todas apresentar-se-iam purificadas no dia da ressurreição e viveriam no corpo dos justos na terra prometida”. Já o Zohar (III,61c) cabalístico cita: “Todas as almas que se afastaram do Santíssimo – bendito seja Seu nome – nos céus, atiraram em um abismo sua própria existência, e anteciparam o tempo de descer uma vez mais à Terra”. E Filon Judaeus, filósofo judeu citava: “O ar está cheio delas [de almas]; aquelas que estão mais próximas da terra, descendo para ligar-se a corpos mortais, retornam para outros corpos, desejosas que estão de viver neles” (De Somniis, I, 22).

Na Cabala judaica, o movimento da alma de um veículo para outro, era uma característica importante e conhecida como metempsicose (metempsychosis). Flavius Josephus (37-100 d.C.), historiador judeu, em sua grandiosa obra, intitulada “Antiguidades Judaicas”, abrangendo o período de tempo entre a criação do mundo até a época de Nero relata que os fariseus acreditavam que os justos voltavam à Terra e viviam novamente, de modo a chegarem mais perto da perfeição. Acreditavam também na transmigração da alma, como forma de reencarnação punitiva sob a forma animal.

Crer ou não crer na reencarnação somente baseado no que a crença de uma religião ou filosofia crê ou nega é deixar para os outros o dever pessoal da busca da Verdade. Talvez devêssemos fazer como Orígenes e nada rejeitar nem mostrar preferência por determinado sistema ou rejeitar outro, mas permanecer à escuta de todos, pois o pior perigo, segundo ele, era apegar-se ao primeiro sistema que aparecer e tornar-se prisioneiro dele somente porque foi o primeiro a surgir. Será que somos sábios o suficiente para de pronto aceitar ou rejeitar, baseados apenas em nosso ponto de vista, algo que ouvimos, ou será extremamente sábio afirmar que “sei somente que nada sei”…

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