“Tais pessoas [que desejam a longevidade] passam o tempo inspirando e expirando, expelindo o ar velho e absorvendo o novo” 27:26.
Chuang Tsé (século IV a.C.)
“Chama-se iogue aquele cujo movimento respiratório cessa, imóvel como uma pedra e que somente conhece o Ser e a Morada supremos” 50:83.
Kularnava Tantra (VI: 4)
“Tudo no céu e na terra respira. A respiração é o fio que une as criaturas entre si. Quando as inúmeras variações da respiração podem ser sentidas, nascem as técnicas individuais do Aikido” 86:28.
Morihei Ueshiba (1.883-1.969)
Fundador do Aikido
A respiração é o primeiro ato do ser humano ao nascer, o qual se repete incessantemente e automaticamente até o final da vida. O ato de respirar se compõe de inspiração (entrada do ar) e de expiração (saída). Ponte entre a mente consciente e a inconsciente, a respiração está diretamente relacionada com a nossa energia emocional, com cada emoção estando ligada a uma forma de respirar a ponto de ser possível mudar nossas emoções pela mudança do padrão respiratório. Ademais, o respirar é de importância fundamental também na manutenção físico-energética do nosso corpo físico.
Além dos muitos gases presentes no ar (nitrogênio – 78%, oxigênio – 21%, ozônio, dióxido de carbono, dióxido de enxofre, hidrogênio, argônio, neônio, hélio, metano, criptônio, xenônio e vapor d’água), muitos outros elementos químicos são inspirados junto com eles. O ferro, o cobre, o zinco, a fluorita (mineral composto de fluoreto de cálcio e fluoreto de ítrio), o quartzo (mineral composto de dióxido de silício, podendo conter lítio, sódio, potássio e titânio), a zincita (mineral de óxido de zinco) e o magnésio são exemplos 27:66.
Vimos no Capítulo II que o ar que respiramos também é rico em energia sutil, a qual a filosofia vedanta chama de Prana Vayu. Durante cada inspiração, sob a influência dessa energia vital presente no ar, os dois canais laterais Ida e Pingala, que nascem nas narinas, inflam e conduzem essa energia para baixo, até Sushumna onde, depois de breve momento de retenção, sua essência a percorre superiormente, e as negatividades são “expelidas” junto com a exalação através, também, daqueles canais laterais 21:100. Além de energizar nossos corpos, a respiração serve de agente de limpeza para que a energia vital da Kundalini penetre o Nadi principal de Sushumna.
Seguindo o projeto de purificação dos corpos físico e energético sutil, além da alimentação correta e livre de poluições, a respiração correta, e também livre de poluições, tem um papel fundamental. Além da qualidade do ar inspirado, a qualidade da respiração é importante. Fundamentalmente, existem dois tipos de respiração: a abdominal (que move apenas o abdome) e a torácica (que move apenas o tórax).
Exercícios respiratórios, que abaixem o diafragma (músculo envolvido na respiração) apenas 1cm, aumentam em 250 a 300cm3 a capacidade pulmonar. A filosofia taoísta usa exercícios respiratórios específicos para prevenir doenças, prolongar a juventude, alcançar a longevidade e a imortalidade do corpo, sua mais elevada meta. Esses exercícios incluem técnicas de respiração pela boca, pelo nariz e a respiração fetal, explicada adiante. Paramahansa Yogananda divulgou no ocidente a Kriya-yoga, uma antiga técnica que acelera a evolução humana e que faz converter a respiração em substância mental.
“Você deve transformar a sua respiração em substância mental” 101:264.
Paramahansa Yogananda (1.893-1.952)
A relação entre a freqüência respiratória, o estado de consciência vivenciado e a longevidade, já está bem estabelecida. A plena atenção depende de uma freqüência respiratória diminuída, estando os estados emocionais alterados (como medo, raiva, ansiedade e excitação) relacionados com uma respiração rápida e irregular. Cessar a respiração espontaneamente e conscientemente (nos estados ampliados de consciência, sem a inconsciência do sono ou da morte), diminui os impulsos nervosos motores aos músculos (inclusive o cardíaco) e o fluxo de pensamentos e emoções 101:268.
Uma das grandes descobertas práticas da filosofia hindu veio da observação de que se a mente inquieta enrijece o corpo e superficializa e acelera a respiração, o alongamento muscular e a respiração profunda e ritmada são capazes de acalmar a mente. A prática da respiração profunda, embora automática nas crianças, é paulatinamente perdida à medida que vamos bloqueando nossas emoções. Prender a respiração é o método mais eficaz de conter nossos sentimentos e emoções:
“Os pulmões estão relacionados com a liberdade… A respiração curta da nossa cultura está relacionada com os nossos sentimentos de estarmos aprisionados num mundo que não podemos controlar e no qual nos sentimos inseguros e insatisfeitos” 10:212.
Barbara Ann Brennan
Embora seja de valor qualquer exercício respiratório, aqueles que incluem a mentalização da circulação de energia pelo organismo, são de maior valor na limpeza de nossos canais energéticos. Conhecidos pelos hindus como pranayamas, essas são técnicas que visam obter um maior controle da mente: “use sua mente para levar a energia vital ao longo do seu Tu Mo constantemente para cima. Isso pode manter seu corpo saudável e sua vida longa” 27:26 (Chuang Tsé – IV C.).
Na respiração está a essência de inúmeras disciplinas marciais e espirituais. Respiração, mente e força vital (Prana, Ch’i ou Ki) são inseparáveis e quando se estuda um deles se compreende os outros. “O elo entre corpo e mente, espírito e postura, atitude e técnica é a respiração. No fim, postura e respiração tornam-se uma mesma coisa” 39:114.
Respirar mentalizando o percurso do ar, na forma de energia vital sutil, ao longo dos canais sutis (Nadis) do corpo etérico (Cf. no capítulo anterior) é a forma de fazer circular o Prana e levá-lo a cada célula do corpo, vitalizando-o. No princípio não se sente a circulação da energia, devendo-se confiar na imaginação consciente, para visualizar o fluxo em coordenação com a respiração. Mas após um longo período de prática, um fluxo de calor, ou ardor, se faz sentir percorrendo o trajeto imaginado. Esse calor pode tomar todo o abdome e subir pela coluna vertebral, a partir de sua base, até o topo da cabeça, até que, num estágio mais avançado, todo o abdome se torna muito quente podendo surgir uma vibração local, um tremor por todo o corpo e movimentos involuntários nos membros, que são também manifestações físicas desse fluir energético. Nesses casos, a expiração pela boca ajuda a dispersar o calor gerado pelo exercício.
Mas o primeiro passo é o controle consciente da respiração, quase toda ela inconsciente e independente de nossa vontade consciente. Em momentos críticos de tensão ou paramos de respirar ou a superficializamos de tal forma que ela se torna curta e rápida. Em nossos momentos de ansiedade nos surpreendemos procurando respirar profundamente, na forma conhecida popularmente como suspirar. Respiramos inconscientemente, mais contraindo a musculatura torácica (respiração torácica) do que o diafragma (respiração abdominal), e alternamos, também inconscientemente, esse padrão naqueles momentos que nos solicitam força, resistência e vigor. Enquanto a respiração torácica estimula o sistema nervoso simpático, causando agitação, a respiração diafragmática estimula o sistema nervoso parassimpático, trazendo consigo relaxamento, numa modulação feita pelo Centro Respiratório da Formação Reticular (Cf. no Capítulo II).
“Enquanto a respiração for irregular, a mente permanecerá instável; quando a respiração se acalmar, a mente permanecerá imóvel e o iogue conseguirá a estabilidade”.
Hatha Yoga Pradipka (II: 2)
Se tivéssemos conhecimento da importância da respiração no controle das emoções e dos pensamentos, consideraríamos imprescindível a tomada de consciência de nossos padrões respiratórios para depois se conseguir o seu controle consciente. A tomada de consciência se faz através da observação consciente da entrada do ar pelas narinas, sua passagem pela faringe, laringe, traquéia e brônquios, até chegar ao pulmão, e seu caminho oposto na expiração. Essa observação é feita a partir de exercícios que controlam conscientemente cada tempo respiratório: o inspirar, a pausa inspiratória, o expirar e a pausa expiratória. Outros exercícios controlam o movimento de ar pelas narinas fazendo-o passar por elas alternadamente, ou entre elas e a boca. Tomar consciência de nossos padrões respiratórios e dos fatores que os provocam é uma ampliação da abrangência de nossa consciência que nos auxilia no processo de autoconhecimento (Cf. no Capítulo I).
“A respiração do homem verdadeiro é profunda e silenciosa. A respiração do homem verdadeiro vem de seus calcanhares, enquanto os homens geralmente respiram apenas pela garganta” 27:25.
Chuang Tsé (IV a.C.)
A filosofia hindu e a chinesa ensinam que a verdadeira função dos exercícios respiratórios é purificar os corpos sutis fazendo circular sua energia vital (Prana ou Ch’i). As técnicas respiratórias de kokyu-ho, praticadas no Aikido, são dirigidas para a limpeza dos órgãos internos: inalações profundas enchem o corpo com energia vital e expirações profundas eliminam toxinas físicas e psíquicas 86:62. Quando se respira profundamente, aumenta-se a produção de endorfinas, hormônios mediadores da estimulação da imunidade, do estado de bem-estar e da diminuição da dor.
Um exercício fundamental é chamado de respiração profunda (ou pranayama vitalidade), que visa vitalizar ou restabelecer a saúde de todo o organismo: deve-se assumir uma posição sentada, ou de pé, com a espinha ereta, a cabeça levantada, as mãos nos joelhos, ou ao longo do corpo, e os olhos fechados. Então se concentra na região faríngea (entre a boca e o nariz) e se visualiza essa área como uma bomba de sucção, fazendo o ar entrar (inspiração ou puraka) vagarosamente pelas narinas, que devem ficar imóveis, e chegar à faringe, procurando tornar a respiração audível nesse local. Ao mesmo tempo observar que a região abdominal e as costelas inferiores se expandem em primeiro lugar, seguidas das costelas intermediárias e, só então, as superiores, procurando manter o peito e os ombros imóveis. Nessa hora se pára o movimento respiratório durante uns dois segundos (kumbhaka) e se começa a soltar o ar (rechaka), também vagarosamente, na seqüência inversa, até todo o ar ser expelido (termina com uma leve contração abdominal), quando se mantém, por uns dois segundos, os pulmões sem ar (bahya kumbhaka ou shunyaka).
Na respiração profunda, toda a inspiração deve durar o mesmo tempo que toda a expiração: aproximadamente quatro segundos, ou quatro batimentos cardíacos. Esse exercício ritmado pode ser feito, inclusive, durante uma caminhada matinal. Nesse caso, a inspiração deve acompanhar o ritmo dos passos: quatro passos inspirando concentradamente, dois passos em apnéia (sem movimento respiratório) e mais quatro passos expirando seguidos de dois passos em apnéia. Deve-se praticá-lo diariamente, cedo da manhã ou ao final da tarde, com no mínimo 21 repetições. Com o tempo, deve-se aumentar, sem forçar, a duração de todos os tempos respiratórios.
Uma prática tradicional taoísta é conhecida como “Os Seis Sons para o Benefício dos Órgãos Internos”. Recomendado antes de cada exercício meditativo, consiste em se inspirar por ambas narinas e se expirar vigorosamente pela boca, seis vezes, emitindo alguns sons específicos: HA (benéfico ao coração), HU (benéfico ao baço), SH (age na região do plexo solar), SS (benéfico aos pulmões), SHU (benéfico ao fígado) e FU (benéfico aos rins). A expiração vigorosa, normalmente acompanhada de algum intenso som (um grito), ocorre automaticamente sempre que, nas artes marciais, há uma grande explosão de energia.
Os hindus ensinam inúmeros exercícios de pranayama, associados ou não com posturas (ásanas). A postura imprescindível a qualquer exercício respiratório é a manutenção da coluna vertebral ereta. Quanto melhor a postura, maior o benefício dos exercícios. Toda o Hatha-yoga compõe-se de exercícios posturais combinados com exercícios respiratórios. Descrevo, a seguir, alguns pranayamas sem ásanas (posturas):