Neuropeptídeos: as Emoções e a Mente do Corpo

A Bioquímica das Emoções

À que isto nos leva? À algo muito intrigante, a noção de que os receptores dos neuropeptídeos são de fato as chaves à bioquímica da emoção. Nos últimos dois anos, a equipe do meu laboratório formalizou essa idéia em diversos documentos e eu vou revisar brevemente a evidência de suporte.

Devo dizer que alguns cientistas podem achar essa idéia absurda. Não faz parte, em outras palavras, da sabedoria estabelecida. De fato, partindo de uma tradição onde os livros nem contêm a palavra ‘emoções’ no índice, não foi com pouca trepidação que ousamos começar a falar sobre o substrato bioquímico das emoções.

Iniciarei observando um fato sobre o qual os neurocientistas têm concordado por muito tempo: que as emoções são mediadas pelo sistema límbico do cérebro. O sistema límbico se refere a um setor de partes neuro-anatômicas do cérebro que incluem o hipotálamo (que controla o mecanismo homeostático do corpo e às vezes é denominado o “cérebro” do cérebro), a glândula pituitária ( que regula os hormônios do corpo) e a amígdala. Vamos falar principalmente do hipotálamo e da amígdala.

Os experimentos que demonstram a conexão entre as emoções e o sistema límbico foram realizados inicialmente por Wilder Penfiels e outros neurologistas que trabalharam com indivíduos conscientes, acordados. Eles descobriram que quando usavam eletrodos para estimular o córtex sobre a amígdala, poderiam evocar uma larga gama de demonstrações emocionais: reações poderosas de sofrimento, de dor, de prazer associadas a memórias profundas, e também o acompanhamento somático total de estados emocionais. O sistema límbico, portanto, foi identificado primeiro por experimentos psicológicos.

Quando começamos a mapear a localização dos receptores opiáticos no cérebro, descobrimos que o sistema límbico é altamente enriquecido por esses receptores ( além de outros que eventualmente descobrimos também). A amígdala e o hipotálamo, ambos considerados classicamente como os principais componentes do sistema límbico, estão de fato reluzindo com receptores opiáticos, 40 vezes mais que nas outras áreas do cérebro.

Esses hot spot” (pontos de foco) correspondem ao próprio núcleo ou grupos celulares que psicólogos fisiológicos identificaram como mediadores de tais processos como comportamento sexual, apetite, equilíbrio de água no corpo. O fator primordial é que nosso mapeamento de receptores confirmou e expandiu de maneiras importantes os experimentos psicológicos que definiram o sistema límbico.

Agora me permita introduzir alguns outros neuropeptídeos. Eu já observei que de 50 a 60 substâncias são atualmente consideradas neuropeptídeos. De onde vêm? Muitos são análogos naturais de drogas psicoativas. Contudo outra fonte, muito inesperada, são os hormônios. Historicamente os hormônios foram concebidos como sendo produzidos pelas glândulas, ou seja, não por células nervosas. Um hormônio, presumia-se, era armazenado em algum lugar do corpo, depois era transportado para seus receptores em outras partes do corpo. O hormônio primordial é a insulina, que é secretada no pâncreas. Entretanto, agora, descobriu-se que a insulina não é apenas um hormônio. De fato, a insulina é um neuropeptídeo, produzido e armazenado no cérebro, e há receptores de insulina no cérebro. Quando mapeamos a insulina, mais uma vez descobrimos ‘hot spots’(pontos de foco) na amígdala e no hipotálamo. Resumindo, fica cada vez mais claro que o sistema límbico, o trono das emoções no cérebro, é também o ponto focal de receptores para neuropeptídeos.

Outro ponto crítico. Enquanto estudamos a distribuição desses receptores, descobrimos que o sistema límbico não está apenas no cérebro dianteiro, nas localizações clássicas da amígdala e do hipotálamo. Percebe-se que o corpo possui outros locais onde se localizam muitos receptores diferentes de neuropeptídeos, locais onde há muita atividade química. Denominamos esses pontos de ‘pontos nodais’ e eles são anatomicamente localizados em áreas que recebem muita modulação emocional.

Um ponto nodal é a ponta dorsal (costas) da corda spinal, que é o ponto de entrada da informação sensorial. Esta é a primeira sinapse dentro do cérebro onde a informação sensorial do toque é processada. Descobrimos que para praticamente todos os sentidos dos quais conhecemos a área de entrada, o ponto é sempre um ponto nodal de receptores de neuropeptídeos.

Creio que essas descobertas têm implicações surpreendentes no entendimento e percepção do que as emoções fazem e realmente são. Consideremos a substância química angiotesin, outro hormônio clássico que também é peptídeo e agora revela-se como neuropeptídeo. Quando mapeamos os receptores de angiotesin no cérebro, mais uma vez descobrimos poucos ‘hot spots’ (pontos de foco) na amígdala. Há muito sabemos que o angiotesin media a sede, então mesmo se implantarmos um tubo na área do cérebro do rato que é rica em receptores de angiotesin e pingarmos um pouco de angiotesin pelo tubo, dentro de 10 segundos o rato começará a beber água, mesmo que já esteja saciado de água. Portanto, em termos químicos, o angiotesin traduz um estado alterado de consciência, um estado que faz os animais (e seres humanos) dizerem “Quero água”. Em outras palavras, os neuropeptídeos nos levam a um estado de consciência e às alterações nesses estados.

Igualmente importante é o fato de que receptores de neuropeptídeos não estão apenas no cérebro, estão em todo o corpo. Mapeamos e demonstramos bioquimicamente que há receptores de angiotesin no rim, idênticos aos do cérebro, e de uma forma que ainda não entendemos completamente, os receptores localizados nos rins conservam a água. A questão é que a liberação do neuropeptídeo angiotesin, conduz tanto ao comportamento ou ato de beber como a conservação interna da água. Isto é um exemplo de como um neuropeptídeo que talvez corresponda a um estado de humor pode integrar o que acontece no corpo com o que acontece no cérebro. (Um outro ponto importante que apenas menciono aqui é que a integração geral do comportamento é aparentemente desenhada a ser consistente com a sobrevivência)

Minha especulação básica aqui é que os neuropeptídeos fornecem a base psicológica para as emoções. Como argumentei com os colegas em recente texto do Jornal de Imunologia2: O modelo notável da distribuição dos receptores de neuropeptídeos nas áreas reguladoras de humor no cérebro, como também seu papel na mediação da comunicação através de todo o organismo, faz dos neuropeptídeos o candidato óbvio a mediador bioquímico da emoção. Pode ser também que cada neuropeptídeo influencie o processamento da informação de forma única, ao ocupar os receptores nos pontos nodais no corpo e no cérebro. Se este for o caso, então cada neuropeptídeo poderá evocar uma ‘tonalidade’ única que seja equivalente a um estado de humor.

No início do meu trabalho, eu presumia casualmente que as emoções estavam na cabeça ou no cérebro. Agora eu diria que estão realmente no corpo também. Elas se expressam no corpo e fazem parte do corpo. Não posso mais fazer uma forte distinção entre o cérebro e o corpo.

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