Luz no Caminho

QUATRO REGRAS, PREPARATÓRIAS E INICIAIS

Diante do portal que marca a entrada para a senda que estamos embarcando, o discípulo aprende:

Antes que os olhos possam ver, devem ser incapazes de lágrimas.

Antes que o ouvido possa ouvir, deve ter perdido a sua sensibilidade.

Antes que a voz possa falar na presença dos Mestres, deve ter perdido o poder de ferir.

Antes que a alma possa estar na presença dos Mestres, seus pés devem ser lavados no sangue do coração.

A visão, do trabalho que nos aguarda é, muitas vezes, referida como “o caminho do sofrimento”. Mas, para alguns, é um “caminho de êxtase”. Sofrimento e alegria são entrelaçados no tecido da vida, e quem poderá dizer qual o mais bonito, se o claro ou o escuro, padrões do tecido da vestimenta de nossas vidas individuais? Talvez Kahlil Gibran o diz melhor: “Sua alegria é seu sofrimento sem máscara. . . . quão mais profundo o sofrimento cava em seu ser, mais alegria poderá conter.”

A primeira vista nossa mente dirá: “Certamente, deve existir compaixão, mesmo que signifique lágrimas; certamente, devemos ser sensíveis às necessidades dos outros. E se falamos a verdade, podemos evitar que nossa voz fira um outro?” Mais ainda, porque devemos nos assustar antes mesmo de chegar as “regras” que iremos prometer? Se esse for o caminho, vamos retornar agora. A atmosfera do vale é, apesar de tudo, bem melhor. A “boa” vida que estou levando é mais confortável do que arriscar tudo, até meus amigos, para prosseguir em tal jornada que parece levar a uma fria indiferença, insensibilidade e ausência de todas as emoções humanas mais gentis.

Num certo sentido, as quatro regras nos dizendo o que deve vir “antes”, são preparatórias. Contém instruções designadas a tornar- nos preparados para as tarefas adiante. Lidam com processos preliminares, para serem cumpridos, pelo discípulo, incluindo a restrição aos órgãos dos sentidos, o desenvolvimento do controle sobre as ações (ou, mais propriamente, reações), e a purificação das emoções.

Num outro sentido, essas regras são antecipatórias. Elas nos provêem com uma visão do desenlace de nossos esforços, uma visão da meta, para a qual estamos nos movendo. Quatro qualidades são referidas como fundamentais para nossa tarefa: ser capaz de ver; ser capaz de ouvir; ser capaz de falar; ser capaz de se erguer. Aqui estão quatro qualidades que representam em essência e simbolicamente, o quaternário de funções pelas quais a consciência se orienta a si mesma em direção ao mundo.

Essas quatro funções, expostas na escola Junguiana, de psicologia profunda, são pensamento e sentimento (como funções racionais) e intuição e sensação(como funções não racionais). Uma exposição total dessas quatro funções e suas operações em cada psique individual está fora do estudo mas pode ser encontrada nos trabalhos de Carl Jung. Em resumo, entretanto, elas dizem respeito à necessidade de “aperfeiçoar” a maneira pela qual a consciência funciona em relação com o mundo (incluindo objetos, situações e pessoas) a fim de assegurar nossa totalidade (ou, usando um termo junguiano, ajudar-nos a atingir a total “individuação”).

Ser capaz de ver é análogo a função de pensar; ser capaz de ouvir, corresponde à função da intuição; ser capaz de falar está relacionado com a função de sentir; e ser capaz de se erguer, significa a função de sensação. No desenvolvimento de nossa jornada uma ou outra função pode ser predominante ou mais desenvolvida (“superior” nos termos de Jung), enquanto seu oposto é menos desenvolvido(“inferior” como Jung diz). As duas outras funções são complementares. O ideal é a totalidade, na qual cada uma das funções cumpre seu próprio papel, num relacionamento consciente harmonicamente equilibrado com tudo no mundo em torno.

Uma chave é dada para o estudante, sobre o significado essencial das quatro regras iniciais de Luz no Caminho, em uma nota da segunda parte:

“Ser capaz de ficar de pé é ter confiança; ser capaz de ouvir é ter aberto as portas da alma; ser capaz de ver é ter atingido à perfeição; ser capaz de falar é ter atingido o poder de auxiliar os outros.”

Apesar das qualidades estarem numa seqüência diferente,sua relação às quatro funções estão ainda mais explícitas, como o estudo do simbolismo envolvido, sugere.

Antes que os Olhos Possam Ver . . .

Seguindo a ordem dada no início das regras de Luz no Caminho, somos primeiramente advertidos, “Antes que os olhos possam ver devem ser incapazes de lágrimas.” O olho tem sido sempre símbolo da percepção mental ou discernimento.

Na forma do plural, “olhos”, é um símbolo, das faculdades, de ver para cima e para baixo, da mente, ou percepção mental, ou o que tradicionalmente é chamado na literatura teosófica de mentes, superior e inferior. Os dois olhos representam o que psicologicamente é conhecido como o “eixo ego-Self” ou, para usar uma terminologia teosófica, a polaridade personalidade-individualidade. São centros de consciência pessoal e transpessoal que devem ser trazidos ao foco (assim como os dois olhos físicos devem agir no sentido de uma visão adequada) se é para ter uma percepção clara, sincronizada, e harmoniosa. Não podemos ver “em dobro”, seja fisicamente ou psicologicamente, se vamos assumir honestamente a jornada espiritual.

A função de pensar deve ser claramente diferenciada se for para servir a um único propósito. Psicologicamente, significa que não é para ser contaminada por qualquer sentimentalidade (lágrimas) que possam distorcer sua utilidade. Para sincronizar as funções de ver para cima e para baixo da percepção mental ou cognição, devemos remover todos os elementos obscurecedores. Geralmente nossa percepção de pessoas e situações, é colorida por nossas reações emocionais, nossos preconceitos, experiências passadas, e assim por diante. Pensamos estar vendo a situação de maneira clara, analisando-a objetivamente, do mesmo modo que pensamos estar sendo o mais objetivo em relação a indivíduos aos quais estamos associados. Mas quase sempre, descobrimos que estamos sendo consciente ou inconscientemente, influenciados, por algo que nos foi dito, por alguém, por nossas experiências passadas com esses indivíduos, ou com outras pessoas similares a eles externamente, ou por acontecimentos prévios e associações.

Existe também o fenômeno psicológico de projeção: nós ligamos aos outros nossa própria e interna “sombra”, o lado escuro de nossa personalidade, nossas fraquezas e inadequações, nossas próprias avaliações de julgamento baseadas numa incompleta compreensão de nós mesmos.

Todas essas distorções, da pura percepção, podem ser simbolizadas pelas “lágrimas”. A espada da mente separa a aparência da Realidade quando está afiada e pronta para ser utilizada de maneira apropriada. Para tal “visão” devemos nos tornar “incapazes de lágrimas”, que não significa não ter simpatia ou compaixão, mas no entanto ser imóvel internamente, com uma mente que não pode ser sacudida por repentinos gostos do desejo, paixão, medo ou dúvida. Como diz o Bhagavad Gita (5.7):

“Aquele que, vivendo entregue ao yoga é puro de coração, vence a si mesmo, refreia seus sentidos e identifica seu Eu com o de todas as criaturas, mesmo que execute uma ação, não se prende a ela.”

Tal ação é ver verdadeiramente , verdadeira percepção. Gita (2.58): “Quando . . . assim como a tartaruga cautelosa recolhe seus membros em sua carapaça, o homem recolhe seus sentidos dos objetos sensíveis, então ele está firme no supremo conhecimento.”

Antes que o Ouvido possa ouvir. . .

Num estado de verdadeira percepção, com a função pensante bem estabelecida para que possa ser utilizada no verdadeiro lugar e de acordo com seu próprio valor, a voz interna pode ser ouvida. O próximo passo, portanto, é o reconhecimento de que: “Antes que o ouvido possa ouvir deve ter perdido a sensibilidade”. O que é para o ouvido ouvir é a “voz da intuição” ou a função intuitiva. Desenvolvida corretamente, esta função encontra-se fortemente ligada e complementa a função pensante. Na terminologia teosófica, é o aspecto búdico, que ilumina a mente.

O ouvido tem sido chamado de símbolo da faculdade mental em seu aspecto passivo. Este aspecto implica na receptividade para a orientação interna, para a voz da consciência, que é a voz da verdadeira apreensão. Mais uma vez, essa apreensão não é um  mero sentimentalismo, ao contrário surge do reconhecimento de que existe algo querido, uma preciosidade, em todos os seres, o que os budistas chamam de “natureza do dharma” residindo em todas as coisas.

Ouvir então, é o símbolo da percepção intuitiva que pode acontecer quando a mente está posicionada, clara, sem se deixar mover pela paixão ou apego, aos objetos dos sentidos. Como nos diz o Gita(4.26): “Existem os que sacrificam o ouvido e os demais sentidos no fogo da continência, outros sacrificam o som e os demais objetos dos sentidos no fogo dos sentidos.”

Assim o aspecto inferior de ouvir, um dos sentidos (intuição como disfarce, instinto) é transformado na genuína audição que é uma receptividade interna para a sabedoria. Para esse processo necessita-se de uma perda de a’sensibilidade”, ou podemos dizer, uma imobilidade. Pois sensibilidade implica na possibilidade de movimento, de perturbação interna, e até excitação. Se for para se ouvir, ouvir a voz do Self Interno, não poderá haver nenhum distúrbio, nenhuma distração: a mente deve estar perfeitamente quieta, até passiva.

Quando examinamos cada uma dessas afirmações, na abertura das regras de Luz no Caminho, devemos lembrar que as palavras freqüentemente podem ser usadas com significados duais e até múltiplos, de tal modo que a linguagem possa ser extremamente útil no esclarecimento de conceitos, e ao mesmo tempo criar confusão e possuir certa ambigüidade. As palavras realizam a ambos: revelar e obscurecer, os significados. Assim acontece com a palavra “sensibilidade”.

A perda da sensibilidade pode chocar o estudante com sua rudeza, como se o objetivo fosse se tornar frio e indiferente às necessidades dos outros e do mundo ao redor. Podemos perguntar: “Não deveríamos aumentar nossa sensibilidade, e não diminuí-la ou perde-la?”

Insensíveis aos nossos desejos sim, mas certamente, dizemos, devemos nos tornar sensíveis à vida ao redor. No entanto, observe a derivação da palavra, que está bem ligada à raiz verbal que se refere à percepção sensorial baseada no estímulo externo. Assim em um de seus significados, “sensibilidade” implica na capacidade de responder ou a lembrança das mínimas mudanças que ocorrem do lado de fora.

Considere-se a experiência da meditação, especialmente nos estágios iniciais. Quando iniciamos a prática da meditação, nos encontramos num estado no qual o mínimo som externo nos perturba. Dizemos que estamos tão sensíveis que até o balançar das folhas pela pequena brisa, do lado de fora da janela, nos distrai. Começamos então a pensar no vento, sua força e velocidade, então sobre o clima do próximo dia. Adiante, nossa mente nos leva a pensar sobre o que deveremos vestir, se a pequena brisa desencadeará um vento forte que trará chuva ou tempestade, então estaremos preocupados em nos vestirmos de maneira apropriada. Estamos assim muito longe dos pensamentos originais da meditação, e dos assuntos espirituais passamos para as mais mundanas considerações. Ao ouvir o vento nas folhas da árvore, fora da janela, deixamos de ouvir o “vento do espírito” através das janelas do Self – janelas estas, que se abrem internamente para a realidade do Ser Imortal.

O que devemos aprender a ouvir é o som do Self em todas as coisas. Pois existe uma ressonância imortal em cada fragmento de vida, ou como Luz no Caminho coloca: “Existe uma melodia natural, uma fonte obscura em cada coração”. Somente quando nos tornarmos insensíveis a todos os sons externos poderemos “detectar a doce voz” no coração da própria vida. Então a intuição nos falará, quando os sentidos externos ficarem quietos, e a mente se torna iluminada internamente, radiante, chamada por H. P. Blavatsky de manas-taijasa, o manas resplandecente, em seu aspecto conhecido como buddhi-manas.

As duas frases consideradas, têm outro ponto notável. Na primeira, é usado o plural, “olhos”, na segunda, o singular “ouvido”. Do ponto de vista fisiológico, temos ambos, dois. É obvio então, que a diferença desse emprego, se deve a uma diferenciação psicológica e simbólica. Como já indicado, o plural de olho, diz respeito à dualidade do funcionamento da mente.

Se utilizarmos a analogia da espada, reconhecemos que a mente não apenas funciona de maneira dual (capaz de ver de ambas as maneiras, interna e externamente), mas também, capaz de discernir, de cortar ou separar uma coisa da outra. Nesse sentido, pode ser dito, “desmembrar”, isto é, apartar. De fato, o primeiro conjunto de regras que se segue, diz respeito ao processo de desmembramento (ou “matar”), que é necessariamente o estágio psicológico de adquirir o estado de auto (Self) realização (ou, como dito antes, “individuação” em termos Junguianos).

A forma singular, “ouvido” refere-se a receptividade da mente como um espelho para a intuição ou buddhi, e portanto nossa capacidade de ouvir a essa voz interna depende do tipo de atenção dirigida ao interior sem qualquer distração vinda dos sentidos. Do estado harmonizado ou sincronizado, simbolizado pelos dois olhos em perfeito foco, um ouvir se torna possível. Nem as lágrimas, resultantes do barulho de nossas preocupações pessoais, podem permitir nos distrairmos da tarefa assumida.

Antes que a voz possa falar. . .

Quando estivermos harmonizados internamente, poderemos nos voltar para o exterior. O que foi atingido, vai agora ser expressado, sem nenhuma obstrução ao fluxo da luz e vida pelo eixo ego-Self, ou pela polaridade personalidade-individualidade. Esse “fluir” de luz do centro (Self) para o self pessoal é indicado pela frase: “na presença dos Mestres”. Ela pode se referir não só, aos Mahatmas externos, como as suas representatividades, em cada indivíduo, o Self (Eu) que é o nosso Cristo interno ou Buddha, o imortal Atman, com todos os seus aspectos de “Grande Alma” ou Mahatma. Para falar ou se erguer “na presença dos Mestres” significa simplesmente que a nossa presença no mundo é aquela presença transpessoal que traz o universal para o particular. É análogo, ao modo pelo qual Jesus faz referência àquele poder (Cristo) que atuava através dele, para conseguir a cura e totalidade (“Não eu, mas o Pai. . .”).

Portanto, de um ponto de vista o nosso “clarear” do campo de consciência resulta na realização de que nós estivemos sempre com essa presença ‘mahatmica’. De outra e talvez mais profunda perspectiva, a tarefa psicológica interior pedida a nós culmina num reconhecimento. Passamos a saber que apenas quando os olhos da função dualista da mente e o ouvido da compreensão intuitiva foram coordenados, harmonizados e contidos dos apegos aos sentidos, pode o transpessoal (os Mestres, os Adeptos ou Mahatmas) se manifestar, em cada momento de nossa existência diária. Isso é o que significa estarmos total e completamente presentes no mundo, de tal modo que essa presença transforma o mundo. Nossas palavras e ações não são mais respostas reativas aos estímulos externos; mas sim as expressões mais criativas espontâneas do Self (Eu) interior, agora sabendo que é o Eu Uno em tudo.

O falar e o se erguer diante, são expressões externas de uma atitude interna. Nosso falar e o estarmos presente, refletem, no nível pessoal, o que somos internamente. Nosso sentir, pode constantemente ser detectado pela inflexão da voz ou da postura que assumimos. Alguns, não necessitam sequer nos ver para reconhecer, pela voz (via telefone, por exemplo), se estamos tristes ou contentes, depressivos ou ativos. Nem necessitam de ouvir-nos falar se nos vêem em pé com os ombros caídos, a boca cerrada para baixo. O que somos internamente, neste momento, deve inevitavelmente refletir-se em nossa expressão externa.

Mesmo no isolamento, sofremos o impacto do mundo, pois o pensamento e a emoção são tanto expressões como a fala e a ação. “Nenhum homem é uma ilha”, como nos lembra John Donne, e isso é verdadeiro para o indivíduo, interno quanto externo. Psicologicamente, a pessoa de pensamento intuitivo, com essas funções bem diferenciadas, pode ser menos desenvolvida (“inferior” Jung diria), no eixo de consciência, sentimento-sensação. Nossa tarefa, entretanto, é de diferenciar claramente cada um dos pontos axiais de consciência em seu contato com o relacionamento à realidade interna e externa. Só assim nos tornaremos completos e no processo, curaremos o mundo. Devemos examinar mais de perto as duas afirmações finais de nosso texto.

Numa nota no início da segunda parte de Luz no Caminho, nos é dito, como já nos referimos, que: “ser capaz de falar é ter alcançado o poder de auxiliar os outros”. Isso é uma afirmação positiva na injunção negativa dada no parágrafo da abertura do texto, de que a voz deve ter perdido o “poder de ferir”. Discurso ou voz representa a energia fundamental criativa. Como o poder criativo que chama o universo para a manifestação, é conhecido como Logos, as Tradições Platônicas, Neoplatônicas e Gnósticas, como Vach em suas várias transformações na filosofia Hindu, a fêmea Kwannon ou Kwan-yin em outras escolas orientais. H. P. Blavatsky lidou de maneira exaustiva, na Doutrina Secreta com o conceito metafísico em que se baseiam esses termos. Nossa preocupação imediata, entretanto, não é tanto com tais idéias filosóficas mas com sua prática no trabalho envolvido na transformação de nós mesmos. Naturalmente, uma compreensão da filosofia influenciará o direcionamento deste trabalho, pois apenas uma filosofia que credita com maior sentido e significado ao processo universal pode dar sentido e significado ao opus humano. A filosofia teosófica afirma e reconhece que cada um de nós preenche o processo de evolução na experiência Self consciente e de que nossa jornada é ambos: obrigatória e escolhida, como A Doutrina Secreta e outros textos teosóficos, esclarecem.

Estamos lidando aqui com um poder fundamental, um dos poderes latentes dentro de nós, a que se refere o terceiro objetivo da Sociedade Teosófica. Normalmente desacreditado, pois o discurso, a fala, vem a nós de maneira natural e temos dificuldade de controla-la. Na Doutrina Secreta, H. P. Blavatsky equaciona a “palavra”, voz ou som, e discurso como as “ativas forças da Natureza”. Escrevendo sobre o “mistério do Som e Discurso”, ela acrescenta: “As palavras faladas assim como o nome, de cada indivíduo de modo geral determina seu futuro destino”. Ela continua citando um autor francês, creditando suas palavras como verdadeiras em relação à tradição esotérica: “Pronunciar uma palavra é evocar um pensamento e torna-lo presente; a potência magnética do discurso humano é o começo de toda a manifestação no Mundo Oculto. . . .

A Palavra. . . ou discurso de cada homem é, mesmo que inconsciente para si mesmo, uma benção ou maldição.” O peso do trabalho, agora sendo assumido pelo aspirante, entretanto, torna imperativo que o  uso inconsciente desse poder deve se tornar consciente. O discurso para o futuro discípulo deve ser uma benção, nunca uma maldição.

Num esforço de assegurar que o discurso seja sempre uma benção, podemos estabelecer um curso de silêncio. Isso é quase como dizer que o único remédio para dor de cabeça é cortar fora a cabeça! O discurso não é apenas verbal e vocal. Essencialmente é a ressonância de nosso ser, pois todo o corpo físico se torna a voz, quando propriamente utilizado. O silêncio mesmo, é parte dessa voz, seja ele um silêncio de petrificar, de desaprovação ou um silêncio amável, de compaixão amorosa.

O que se pretende é um sentimento tão completamente diferenciado que a energia representada pelo discurso seja utilizada constantemente para a cura. Isso pode ser bem exemplificado no mito de Percival no qual, o Rei Pescador está sofrendo de uma doença misteriosa, que também se propagou por todas as terras. Muitos cavaleiros, vinham, diariamente, perguntar sobre a saúde do Rei (perguntas que representam as preocupações autocentradas, como, sentimentos, e até sentimentalidade). Mas, somente quando Percival (o tolo inocente cuja pureza essencial era a marca de seu status único) fez a seguinte pergunta fundamental: “A quem o Graal serve?”, só então o objetivo foi alcançado: o Rei retornou à saúde e a terra se tornou fértil mais uma vez.

Falar a palavra certa, perguntar a questão certa, pôr de lado a emoção que nos rouba a atenção da meta central – isso é alcançar o “poder de ajudar os outros” e “falar na presença dos Mestres”. A função do sentir, é esse aspecto da consciência que dá valor e significado a tudo que fazemos, e no presente contexto, é simbolizada pela fala – a “palavra” apropriada a ser “falada”, quando esse discurso é linguagem ou ação.

Antes que a alma possa se erguer. . .

Essa afirmação, completa o quaternário das funções, pelas quais, a consciência se orienta neste mundo. “Antes que a Alma possa se erguer na presença dos Mestres, seus pés devem ser lavados no sangue do coração.” Aqui somos confrontados com a necessidade de diferenciar a função de sensação (distinguida da “sensibilidade” que tem que se perder antes que a intuição possa funcionar apropriadamente).

A função de sensação é caracterizada pelo imediato percebimento das circunstâncias existenciais. Os “pés” da alma representam a encarnação física. Apenas quando a personalidade em sua forma mais externa foi trazida a uma condição de equilíbrio (“lavada no sangue do coração”) podem os sentidos, instrumentos da sensação, darem a informação correta.Isso nos dará condição de contatar o mundo em torno de nós sem emocionalismo, preconceito, fantasias de desejo. Ou qualquer uma das vendas que usamos para obscurecer a visão das coisas como são. O mundo pode ser maya, uma aparência ilusória e transitória na tela da Realidade Ultima, mas tem sua realidade de acordo com as leis de reflexo. Uma quantidade qualquer, de fatores, pode distorcer a imagem refletida. Nossa tarefa é de assegurar que não haverá distorção de qualquer tipo. Inevitavelmente nos parece que existe dor nesse processo. O sangue do coração nos lavará até sermos capazes de permanecer de pé e vermos verdadeiramente.

O que se procura é de fato, um perfeito alinhamento da realização interna com a expressão externa. É a alma, o centro psíquico interno,que se erguerá na “presença dos Mestres”, isto é, reconhecerá sua própria divindade imanente como representativa do (Self) Eu Uno. Poderá faze-lo apenas, quando a fundação física ou personalidade externa (simbolizada pelos “pés”) for sintonizada ou alinhada com sua origem para que a ação seja livre, compassiva, e compreensiva. Através da personalidade na encarnação física, onde nós possuímos pés que podem ficar de pé (erguer) na terra , devemos perseverar na força e luta que de fato nos tornam capazes de ficarmos em pé em qualquer lugar e onde quer que estejamos. O sangue do coração é, de fato, o emblema da dor de nossas crucificações aqui e da perseverança que nasce dessas crucificações.

O sangue também é símbolo da vida divina manifestada nos planos inferiores e então, é quase sempre, utilizado como o simbólico da alma, o elo entre o espírito e o corpo. O sangue é  portanto a essência própria da vida. Na escritura e mito, o sangue simboliza o vívido elo entre o divino e humano, assim como entre um humano e outro. Nenhum símbolo, no mito e ritual, é mais significante em indicar a atitude fundamental do sacrifício que deve acompanhar o crescimento da consciência, do pessoal para o transpessoal. Como o coração significa amor e aspiração, a fome do discípulo pelo superior, o sangue do coração representa a atitude sacrificial requerida na qual todas as circunstâncias são reconhecidas como partes da terapia de crescimento. Em muitas tradições, o coração é o símbolo do veículo causal, aquele elemento em nossa natureza que é o assento da alma e de onde o renascimento acontece. O sangue do coração então se refere ao processo purificatório que é alcançado apenas pelo renascimento. Os mistérios egípcios, por exemplo, baseiam-se nessa interpretação.

O reconhecimento do propósito da encarnação física, com suas alegrias e tristezas, de fato, nos dá condições de enfrentar todas as experiências com uma equanimidade cuja principal expressão é coragem. “Ser capaz de se erguer,” a nota no texto nos diz, “é ter confiança”. Confiança não é ganha, entretanto, de uma vida fácil, uma vida cheia de experiências prazeirosas apenas, uma espécie de “vida em cadeira-de-balanço”. Ao contrário, é ganha no campo de batalha das escolhas, as infinitas pequenas escolhas de cada dia, enfrentadas com coragem e bravura de espírito, até que finalmente haja aquela escolha abarcante que nos levou a assumir o trabalho da evolução da consciência de modo sincero.

Essa segurança é uma atitude nascida da confiança, como lindamente expressado por Clara Codd autora de, Confie você à Vida (Trust Yourself to Life). Quando temos confiança de que existe lei no universo e que cada coisa ocorre dentro dessa lei, agimos como o momento requer, com a coragem que não é nem estudada ou irritada. Pois essa coragem flui de uma perfeita confiança na suprema ordem, o significado e propósito da vida, a retidão de tudo que ocorre.

O EQUILÍBRIO EM QUATRO PARTES

Assim o parágrafo inicial de Luz no Caminho descreve uma condição que pode ser vista como preparatória, ao mesmo tempo em que aponta para o preenchimento de nossa tarefa. Delineia o quaternário essencial do funcionamento da consciência em seus aspectos de, voltada para dentro e para fora. Cada uma das funções, de pensamento, de intuição, de sentimento e de sensação, deve ser trazida a um equilíbrio de ação, cada qual usada de maneira apropriada, dada devido os termos do nosso relacionamento com o mundo, com cada um, e para com as circunstâncias. Um conselho de perfeição, talvez, mas como Robert Browning bem expressou:

O alcance do homem deve exceder sua visão,

Ou de que serviria o céu?

Nenhum aspecto de nossa natureza deve ser negligenciado. O que se pretende é um desenvolvimento equilibrado, como um todo e completo. Essa ênfase deve ser mantida em mente, ao prosseguirmos pela senda interna que nos leva à iluminação, pois por tempos vai ser visto que uma maior atenção é necessária para uma área da consciência mais do que outra, de tal modo que haja crescimento igual. E através do opus humano, o equilíbrio é buscado, para que um ritmo natural seja estabelecido no qual o ajustamento de nossa natureza se dá. As conclusões, da função pensante, devem ser equilibradas com os próprios valores de sentimento. A intuição elevada deve estar aterrada no uso correto da sensação. No início de nossa jornada, somos lembrados do quadrado representativo da consciência, representado como “olhos”, “ouvido”, “voz” e “pés”. Os próprios símbolos utilizados, nos lembram de que é aqui e agora, na encarnação física, que nossa fundamental aquisição deverá e terá, lugar.

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