“…não importa a forma dada à argila moldada, a realidade
do objeto permanece sempre sendo a argila, seu nome
e sua forma sendo apenas aparências transitórias…”
Shankaracharya
Religião sem hierarquia sacerdotal, seus ensinamentos são interpretados por mestres (swamis) e guias espirituais (gurus). Acreditam na reencarnação, movida pela força cega e impessoal do karma, lei da causa e efeito, resultado das ações de uma vida influenciando na próxima vida. O homem colheria o que teria semeado em uma vida anterior, tendo assim que se resignar a seu destino e agir (pela ascese e contemplação) para se obter uma outra reencarnação melhor, até se livrar definitivamente desse ciclo através da perfeição. Essa perfeição seria obtida pela busca incessante de Deus até a união final com Ele (yoga).
No período considerado como clássico do hinduísmo, entre 300 e 1.200 da era cristã, as diferentes tradições são harmonizadas e fixadas em algumas obras. Os Vedas reúnem toda a sabedoria da cultura filosófica e religiosa hindu. Cada um dos quatro Vedas (descritos no capítulo I) está dividido em duas partes: a primeira, composta de hinos, rituais, cerimônias e regras de conduta, e a segunda, no final de cada capítulo da primeira, que diz respeito ao conhecimento do aspecto mais elevado, Deus. Dessa segunda parte, conhecida como Upanishad (ou Vedanta), foram preservados cerca de 108 dos quais somente 16 foram considerados autênticos por Shankaracharya.
Na cosmogonia hindu, Brahman se tornou o mundo pelo Seu auto-sacrifício (vide adiante) e, posteriormente, o mundo tornar-se-á Brahman novamente. Essa atividade seria como uma peça de teatro, lila, em que o mundo seria o palco. Brahman exerceria Sua Maya (mágica), e o mundo com seus componentes, representariam os seus papéis na divina lila. Todas as formas visíveis seriam tão somente o encantamento da Maya de Brahman, e a lila seria uma peça rítmica e dinâmica, sendo o dinamismo levado a cabo através de uma força chamada karma (ação). Seria o princípio ativo da peça, onde tudo estaria relacionado com tudo. Através dessa “ação” a natureza teria a forma relativa, cíclica e fluida, Maya em eterna mutação, dirigida pelo Grande Mago Diretor.
Porém as massas do povo indiano têm recebido os ensinamentos não através dos textos sagrados, mas por intermédio de inúmeros contos populares, reunidos nos smiritis: Ramayana e Mahabharata, considerados o similar hindu do Novo Testamento cristão. O seu “evangelho” é o Bhagavad Gita, poema espiritual inserido no Mahabharata.
No Ramayana, poema épico que descreve a vida do “deus” Rama, filho do rei de Oudh, contendo 25 mil versos, existem dois tipos de mensagens predominando: uma pertence a Rama e a outra a Ravana (rei dos gigantes). A mensagem de Rama para a humanidade é sustentar a verdade e a retidão, que são os dois olhos do homem, permanecer no caminho delas e realizar suas vidas. Por outro lado, os dois princípios da verdade e retidão são os próprios opostos das propensões de Ravana. No momento da morte, Ravana enviou a seguinte mensagem para seu povo: “Ó meu povo, não sigam meu exemplo. Eu sou a personificação de todas as qualidades más. Caindo em desejos excessivos, perdi minha descendência. Em vez de estabelecer um bom nome por mim mesmo, destruí meu reino inteiro. No final das contas, me arruinei. Rama alcançou fama universal e eu acabei acumulando má fama”.
A fama e a infâmia são cognatas. Não existe Rama sem Ravana ou Ravana sem Rama. O Ramayana é a interação de Rama e Ravana como o bom e o mau que estão sempre presentes, lado a lado. O resplandecer da boa fama é intensificado pelas trevas circundantes do mal.
Já o Mahabharata é o maior poema de todos os tempos, com cerca de 200 mil versos, que descreve a guerra entre os Pandavas (filhos do Sol) e os Karauvas (filhos da Lua) pela posse de um território ao norte da Índia; épico mesclado com inúmeros ensinamentos espirituais, simboliza a grande batalha entre o bem e o mal. Os momentos que antecedem à batalha final de Kuruksetra, quando o príncipe Arjuna se questiona por estar combatendo com amigos e familiares e se aconselha com Krishna, compõem a parte mais famosa do poema, conhecida como Bhagavad Gita.
Inserido na trama do Mahabharata, descreve-se a história do dilúvio: “De acordo com as predições do Senhor, o homem povoou a Terra e os descendentes de Adamis e Hevas logo se tornaram tão numerosos e perversos que lhes foi impossível conviver em paz. Esqueceram-se de Brahma e de suas promessas e até rebelaram-se contra Ele. Diante disso, Brahma decidiu punir suas criaturas para que isso servisse de exemplo para as gerações vindouras. Ele procurou, entre todos, um homem digno de ser salvo para a preservação e continuação da espécie e escolheu Vaivasvata, a quem confiou seus desígnios. Às margens sagradas do rio Virim, Vaivasvata salvou um pequeno peixe, e mais tarde descobriu que se tratava de um Avatar de Vishnu. O peixe informou ao justo homem que o fim do mundo estava próximo e que todos os seus habitantes estavam condenados… ordenou a Vaivasvata que construísse uma arca para abrigar-se com sua família. Quando a arca ficou pronta, Vaivasvata entrou nela com os seus, trazendo sementes de todas as plantas e um casal de cada espécie animal. As densas chuvas começaram a cair e os rios a transbordar. Então um grande peixe… conduziu o barco através da tempestade até atracar intacto no pico do Himavant”.