Gautama: o Aparecimento e Difusão do Budismo

A área atual do budismo

Por algum tempo, o budismo floresceu na Índia. Mas, a seu lado também florescia o bramanismo, com os seus muitos deuses e suas infinitas variedades de cultos. A organização dos brâmanes foi-se tornando mais e mais poderosa até que, afinal, se sentiu capaz de voltar-se contra esse culto que negava as castas e expulsá-lo, completamente, da Índia.

A história dessa luta não pode ser contada aqui; houve perseguições e reações, mas, por volta do undécimo século, exceto em Orissa, o ensino budista estava extinto na Índia. Muito da sua doçura e caridade incorporou-se, entretanto, ao bramanismo.

Sobre grandes áreas do mundo ainda floresce o budismo: é possível que, em contato com a ciência ocidental e inspirado pelo espírito da história, a doutrina original de Gautama, revivida e purificada, venha ainda exercer uma grande função na direção do destino humano.

Mas, com a perda da Índia, o Caminho Ariano deixou de governar a vida de qualquer dos povos arianos.

É curioso observar que, embora a grande e única religião ariana, o budismo está, hoje, quase que confinado aos povos mongólicos, achando-se os arianos propriamente ditos sob a influência de duas religiões, o cristianismo e o islamismo, que são, como veremos, essencialmente semíticas. E budismo, tauísmo e cristianismo usam, igualmente, vestes, rituais e fórmulas que parecem ter-se derivado, por caminhos helenísticos, daquela terra de templos e de sacerdotes que foi o Egito e da mentalidade mais primitiva e fundamental dos morenos povos hamíticos.

O último sermão de Buda.

Horas antes de sua morte, deitado no meio do bosque de Kusinara, Buda dirigiu a palavra aos seus discípulos, que o rodeavam:

“Ó discípulos! Após minha morte, deveis vos guiar pelos Preceitos. Eles devem ser como a luz no meio das trevas, como um tesouro encontrado por um pobre. Isso porque os preceitos são vosso mestre. Guiar-se por eles é o mesmo que guiar-se por mim.

Os preceitos fundamentais do budismo são: não. matar, não tomar nada que não seja dado voluntariamente por outrem, não se entregar a prazeres proibidos, não dizer nada de falso e não dizer a verdade em ocasiões inoportunas, não se intoxicar com bebidas ou entorpecentes.

Vós que guardais os Preceitos, disciplinai vosso corpo, tomai as refeições nas horas certas, vivei em estado de pureza. Não tomeis parte nos negócios mundanos, não recorrais a fórmulas mágicas, não fabriqueis elixires miraculosos, não vos aproximeis de nobres e não tomeis atitudes para com outrem condicionadas por sua riqueza ou pobreza.

Guardai uma mente correta, tende pensamentos corretos e sede comedidos. Não recorrais a prodígios para seduzir as pessoas. Quando receberdes presentes, observai sempre o comedimento.

Os Preceitos são a fonte da libertação. Dos Preceitos saem os diversos estados de meditação e a sabedoria que leva à cessação do sofrimento.

Por isso, ó monges, guardai os Preceitos e esforçai-vos por jamais os violar. Se conseguirdes guardá-los bem, disso resultará a Boa Lei. Se não conseguirdes guardá-los bem, não aparecerão os méritos decorrentes da prática das boas ações. Por isso, deveis compreender que nos Preceitos está a Suprema Tranqüilidade e o Supremo Mérito.

Ó monges, vós permaneceis na prática dos Preceitos. Por isso, deveis disciplinar vossos cinco sentidos, jamais permitindo o surgimento dos cinco desejos (desejo de se alimentar, de dormir, desejo sexual, desejo de obter fortuna e desejo de conseguir honrarias e fama) .

Assim como um pastor domina o rebanho com seu cajado, não permitindo que os animais invadam as plantações, deveis guardar a máxima vigilância. Abandonar os cinco sentidos ao sabor de seus caprichos é como deixar um cavalo indômito sem rédeas. Tal cavalo arrasta as pessoas e as derruba dentro de buracos. O prejuízo causado por um cavalo indômito atinge apenas o presente, mas o causado pelos cinco sentidos atinge inclusive o futuro. Por isso, deveis evitá-lo. O sábio vigia seus cinco sentidos como o ladrão: jamais se descuida deles. Mesmo que se descuide por um instante, logo readquire o controle.

A mente é senhora dos cinco sentidos. Por isso, deveis disciplinar vossa mente. A mente é mais perigosa que uma cobra venenosa, uma fera ou um salteador. É como uma pessoa que; entretida com o mel que transporta em suas mãos, não enxerga um buraco e cai nele. Se deixardes vossa mente entregue a si mesma, perdereis as boas coisas. Se a vigiardes, tudo correrá bem. Por isso, ó monges, deveis vos esforçar e dominar a vossa mente.
Ó monges, deveis tomar vossas refeições como se elas fossem remédios. Quer quando comeis coisas deliciosas, quer quando comeis coisas desagradáveis, jamais deveis sair da proporção certa. Comei o suficiente para vos manterdes.

Recebendo dádivas alheias, tomai apenas um mínimo para eliminar vossas dificuldades. Não desejeis demasiado, a fim de não romper a boa disposição de vossas mentes.

Ó monges, ainda que alguém vos fira, sede pacientes, não tenhais cólera nem ódio. Guardai vossa boca para não proferir palavras ferinas. Abandonar a cólera ao sabor dos caprichos prejudica o trilhamento do Caminho e destrói os méritos. Imensa é a virtude da paciência, muito superior à da observância dos Preceitos. Aquele que bem pratica a paciência merece ser chamado um forte, aquele que se alegra com os venenos do cavalo indômito e não sabe praticar a paciência como quem bebe néctar, não pode ser considerado um detentor da Sabedoria dos Praticantes do Caminho.

Os prejuízos causados pela cólera destróem as boas leis. São prejuízos maiores que os causados por um incêndio devastador. Nem os ladrões que nos roubam os méritos são tão terríveis como a cólera. Os próprios leigos devem se abster da cólera. Com muito mais razão, portanto, os monges, aqueles que não .têm desejos, deverão se abster da cólera.
Ó monges, quando em vós se manifestar o orgulho, este deverá ser imediatamente extirpado. Nem sequer os fiéis leigos deverão deixar que o orgulho se desenvolva. Com muito mais razão, portando, os monges, aqueles que entraram no Caminho, que se humilham e andam pedindo esmolas para obter a Libertação, deverão se abster do orgulho.
Ó monges, a lisonja está fora do Caminho, por isso deveis ser sempre sinceros.

Ó monges, aquele que tem muitos desejos busca muitas vantagens e, por isso, tem muitos sofrimentos. Aquele que tem poucos desejos nada busca e, por isso, não tem preocupações. Por esse motivo, aquele que tem poucos desejos atinge o Nirvana.

Ó monges, se desejais a libertação do sofrimento, deveis aprender a vos contentardes com o razoável. Aquele que sabe se contentar com o razoável se sente bem, mesmo que tenha de se deitar sobre a terra. Entretanto, aquele que não sabe se contentar com o razoável, mesmo nos mundos celestes permanecerá insatisfeito. Por isso, aquele que sabe se contentar com o razoável é rico, mesmo sendo pobre, ao passo que aquele que não sabe se contentar com o razoável é pobre, mesmo sendo rico.

Ó monges, se quiserdes procurar a calma, o desprendimento e a paz, deveis abandonar os lugares cheios de gente e viver isolados.

Ó monges, se vos esforçardes, nada será difícil. Por isso, deveis esforçar-vos. Mesmo uma pequena correnteza d’água acaba gastando uma rocha.

Ó monges, se desejais a sabedoria e a boa ajuda, deveis ter uma intenção inquebrantável, pois ela afasta as paixões e ilusões. Por isso, deveis manter inquebrantáveis as vossas intenções. Caso fraquejardes em vossas intenções, perdereis vossos méritos. Aquele que tem intenções firmes não é prejudicado, mesmo estando no meio desses salteadores que são os desejos. É como um guerreiro coberto por uma armadura que nada tem a temer no campo de batalha.

Ó monges, todo aquele que tem uma intenção firme conserva sua mente em estado de concentração. Por isso, ele sabe os dharmas do nascimento e da dissolução do mundo. Por isso, deveis vos esforçar e praticar as diversas concentrações. Aquele que consegue praticar a concentração não tem uma mente dispersiva. É como aquele que economiza água e a guarda com cuidado. O praticante exercita-se na concentração a fim de bem guardar a água da Sabedoria.

Ó monges, se tiverdes a Sabedoria, não tereis apego. Examinai bem todas as coisas. Dentro de minha Lei, obtereis a Libertação. Quem não tiver a Sabedoria, não poderá ser considerado um realizador do Caminho, nem mesmo um fiel leigo. A Sabedoria é um navio seguro para a travessia do oceano da velhice, da doença e da morte. É uma luz no meio das trevas, é um elixir que cura todas as doenças, é um machado que corta as árvores das paixões. Por isso, deveis vos esforçar para a obtenção do desenvolvimento da Sabedoria.

Ó monges, deveis evitar as estéreis discussões teóricas, pois elas só trazem perturbações à mente. Mesmo os monges não lograrão alcançar a Libertação, se se entregarem a elas. Por isso, deveis evitar as estéreis discussões teóricas. Caso desejeis alcançar as alegrias do Nirvana, deveis afastar as estéreis discussões teóricas.

Ó monges, deveis vos afastar de toda negligência, como aquele que se afasta dos salteadores. Eu ensino a Lei como o médico que reconhece a doença e recomenda um remédio. O fato de o doente tomar ou deixar de tomar o remédio já não depende do médico. Também sou como aquele que ensina um caminho às pessoas. Se houver pessoas que, embora ou vindo os ensinamentos, não seguirem o caminho, a culpa não é daquele que o ensinou.

“Essas são as três paixões mais graves: sede de amor, apego à existência, cegueira da ignorância”.

Ó monges, não vos entristeçais. Ainda que permanecesse no mundo durante milhares de anos, isso não me livraria da morte. Nada do que se reúne escapa à separação. Já foram ensinados todos os dharmas que trazem proveito a quem os pratica e todos os que trazem proveito a outrem. Ainda que eu permanecesse vivo, nada mais teria que fazer: Todas as pessoas que eu devia ensinar já foram ensinadas. Quanto às que eu ainda não ensinei, já criei condições para que elas sejam ensinadas: Se vós, meus discípulos, persistirdes na prática da Lei após minha morte, meu corpo de Lei continuará eternamente vivo.

Deveis saber que, no mundo, nada existe de permanente. Tudo o que se reúne está sujeito à separação. Não vos entristeçais, pois assim é o mundo. Esforçai-vos por obter a Libertação. Eliminai as trevas da ignorância com a luz da Sabedoria. O mundo é algo perigoso e incerto, sem nada de estável. Eu agora alcançarei a extinção como aquele que se livra de uma moléstia maléfica. Vou deitar fora o pior dos males, aquilo que se chama corpo e se encontra mergulhado no oceano da doença, da velhice e da morte. O sábio que destrói isso é semelhante àquele que mata um salteador. Essa destruição deve ser motivo de alegria.

“Quem pelo caminho que traçou a si mesmo, dissipou suas dúvidas, é um sábio”.

Esforçai-vos sem cessar na prática que leva à Libertação. Todas as leis imutáveis e mutáveis deste mundo são isentas de garantia de estabilidade.

Permanecei em silêncio. O tempo passa, e é chegada a hora de eu me extinguir. Esse foi meu último ensinamento.”

Transcrito de Textos budistas e zen-budistas.

Não fora escrita nenhuma biografia antes de se passarem algumas centenas de anos após sua morte, como conseqüência desse fato sua figura e sua vida compõem um misto de história e lenda.

Existe uma embaraçosa abundância de relatos a esse respeito: alguns são aqueles que a tradição budista nos transmitiu – constam basicamente de biografias de suas quinhentas e setenta e quatro encarnações anteriores e uma de sua vida no século VI a.C., na Índia. A essas se juntam mais duas, de suas vidas posteriores, do século VI até hoje. A primeira diz que ele desapareceu, extinguindo-se no Nirvana; a outra afirma que ele continua existindo.

O segundo tipo de relato é aquele que os historiadores penosamente redigiram, na tentativa de procurar organizar cronologicamente os fatos finais importantes da vida de Buda. É com esse enfoque que vamos expor sumariamente alguns de seus aspectos.

Siddhartha Gautama, o Buda; nasceu no século VI a.C. (provavelmente em 556 a.C. ), em Kapilavastu, no sopé do Himalaia, em território do atual Nepal. Era filho do rei Suddhodana, que governava o reino dos çakyas, e sua mãe era a rainha Maya, que faleceu logo após seu nascimento e foi substituída por sua irmã Mahapradjapati.

Logo que nasceu, Siddhartha foi levado a um templo onde os sacerdotes identificaram em seu corpo os trinta e dois grandes sinais e os oitenta pequenos sinais que o predestinavam a ser um grande homem. Um sábio de então profetizou que ele seria um poderoso imperador e um asceta que libertaria a humanidade dos sofrimentos.

Suddhodana, impressionado com a profecia, criou o filho numa área confinada do palácio, de maneira a que ficasse alheio às misérias do mundo.

Aos dezesseis anos, casa-se com uma prima, Yassodhara, e passa a vida da corte, na qualidade de rajá, bastante distanciado do convívio e dos problemas por que passava a população de seu país.

Dez anos depois, nasce Rahula, seu único filho. Ë nessa época, em torno dos trinta anos, que os deuses acham que Siddhartha deveria “sair” e empreender a missão para a qual se preparara durante tantos nascimentos anteriores. Ao longo de quatro célebres passeios sucessivos, quando atravessa a cidade para se dirigir ao parque de diversões, seus olhos se detêm na figura impressionante de um velho, trêmulo, enrugado e usando uma bengala. Assustado, pergunta ao seu cocheiro: “O que é isso?” Ao que este responde: “Isso é a vida, meu senhor. É o que acontece a todos os homens”.

E a mesma coisa diz quando Siddhartha se impressiona com a figura de um doente e um cadáver, que encontram no caminho.

Dessa forma, conhece simultaneamente a dor, a morte e o tempo que tudo consome – e sofre um grande abalo ao constatar que o homem está invariavelmente sujeito a todas essas misérias.

No seu quarto passeio, encontra-se com um monge mendicante, de uma magreza espantosa, vestido com farrapos e apenas com uma tigela de esmolas na mão. No entanto, possuía o olhar sereno de um vencedor. Era um monge asceta, um homem que vencera a dor, a morte, e a angústia, em busca do Atman (o Eu) .

É na serenidade desse monge que ele percebe que existe uma saída que conduz à libertação de todo sofrimento humano.
Decide então que é chegado o momento de partir para a descoberta da verdade da existência, do segredo da imortalidade e da paz.

Regressando ao palácio, informa ao pai sua disposição. Nessa mesma noite, após ter se despedido silenciosamente de sua mulher e de seu filho, parte a cavalo acompanhado de seu fiel cocheiro em direção aos bosques.

É o momento da Grande Partida. Ao penetrar na densa floresta, dispensa cavalo e cocheiro, despoja-se da vestimenta real e parte só, como um religioso mendicante em direção a um grupo de eremitas brâmanes em busca da certeza e do absoluto que dêem um sentido à vida.

Torna-se então discípulo dos ascetas Alara Kalama e Uddaka Ramaputta, exercitando-se nas diversas práticas da ioga. Mas tais práticas não o satisfazem. Passa então seis anos vivendo no mais puro ascetismo, entregando-se a jejuns e penitências mortificadores. A lenda conta que, nessa época, ele se alimentava com apenas um grão de arroz por dia.

Ao fim desse período, já totalmente esquelético, no limite de suas forças e não conseguindo mais raciocinar com coerência, compreende que o enfraquecimento do corpo e das faculdades espirituais não o conduziria ao Despertar (bodhi) e que a tortura em si mesma é vã e sem saída. A vida de privações não valia mais do que a vida de prazeres que tinha levado anteriormente.

Resolve então renunciar ao ascetismo e volta a se alimentar de forma equilibrada. Os cinco discípulos que o haviam seguido até a cidade de Bodh Gaya o abandonam, escandalizados.

Procurando então seguir o próprio caminho, sem a orientação de nenhum poder sobrenatural, confiando apenas no seu próprio esforço e em sua intuição, aprimora o processo de percepção e passa a ver as coisas como elas realmente são. Dessa forma, atinge a compreensão da verdade, da natureza da vida e do karma que a rege.

“O Eu é o mestre do eu; que outro mestre poderia existir?”

Aos trinta e cinco anos, sentado sob uma figueira (a árvore da Sabedoria) , e após ter vencido Mara, o demônio das ilusões, cai em profunda meditação – é o momento em que ocorre a “Iluminação”.

Pela primeira vez então, reconhece no mal a causa de todos os sofrimentos e vislumbra os meios pelos quais poderia conseguir triunfar sobre ele.

Desse momento em diante, passará a ser um Buda.

Os textos designam o Buda (o Desperto, o Iluminado) sob os nomes mais diversos: além de seu nome verdadeiro – Siddhartha (Aquele que Atinge o Objetivo) e Gautama (O mais Vitorioso Sobre a Terra), encontramos também Çakyamuni (O sábio saído dos Çakyas) Bhagavat (Aquele que Possui a Felicidade, o Bem-Aventurado), Tathagata (Aquele que Chegou, O Perfeito) e Jina (O vitorioso).

Tendo assim atingido o fim tão desejado, Buda passa então a ensinar, começando inicialmente pelo dharma, isto é, o caminho que conduz à libertação de todo sofrimento terrestre.

Seu primeiro sermão é, proferido perante aqueles cinco ascetas que o haviam abandonado. Esse sermão é conhecido como o “Sermão de Benares” ou “O Caminho do Meio”, que foi por ele explicado da seguinte forma:

– Há dois extremos, ó monges, que devem ser evitados por aqueles que renunciaram ao mundo.

– Quais são eles?

– Um é a vida de prazeres, consagrada aos prazeres e à concupiscência, especialmente à sensualidade; essa vida é ignóbil, aviltante e estéril. O outro extremo é a prática habitual do ascetismo, infligindo ao corpo uma vida de cruéis austeridades e penitências rigorosas, automortificações que são penosas, tristes; dolorosas e estéreis.

Há uma vida média que é a perfeição, ó monges, que evita esses dois extremos, isto é, levar uma vida humana normal, porém refreando todas as tendências egoístas e todos os desejos que perturbam nossa mente; é o caminho que abre os olhos e dá compreensão, que leva à paz, à sabedoria e à plena iluminação, ao Nirvana.”
Esse primeiro sermão foi como pôr em movimento a “Roda da Retidão” (ou “Roda da Vida”) . Os cinco homens logo percebem a verdade do dharma e deixam-se instruir pelo Buda. Esses discípulos iriam, a partir de então, percorrer toda a Índia pregando e difundindo o budismo.

Partindo de Benares, Buda dirige-se a Uruvela, onde vive algum tempo na escola dos brâmanes adoradores do fogo e onde realiza dois milagres memoráveis: o primeiro, ao vencer e domar a Serpente Furiosa que vivia no Templo do Fogo; e o segundo ao conseguir reacender o fogo dos brâmanes, utilizando-se apenas de suas faculdades sobrenaturais. Em conseqüência, o mestre dessa escola, juntamente com seus quinhentos discípulos, resolvem caminhar ao lado de Buda.

A peregrinação continua pelas aldeias da região, e o número de discípulos vai aumentando cada vez mais. É a ocasião em que profere o célebre sermão sobre o fogo: “Todas as sensações e todos os órgãos sensíveis estão em fogo”. Algum tempo depois, num outro sermão; perante o rei Bambisara de Magadha, resumiria a essência de sua doutrina numa frase bastante simples, a que chamaria de “A Lei Eterna” :

“De tudo que teve uma origem causal,

Aquele que achou a Verdade mostrou a causa

E de todas essas coisas, o Grande Asceta igualmente explicou a cessação.”

Em outras palavras, isso significa o mesmo que tudo que teve um início também deve ter um fim.

“Eu vos liberto da velhice, da morte e de toda dor”

Durante uma dessas viagens, Buda retorna à sua cidade natal; Kapilavastu, seguido de um grande número de adeptos mendicantes. Ali se encontra com sua esposa, que já se tornara adepta da nova seita, e com seu filho Rahula, que era o novo herdeiro do trono, visto o fato de Siddhartha ter renunciado ao cargo.
Mas, ao invés de Buda transferir ao filho a herança do reino, acaba por ordená-lo monge de sua seita, conseguindo com isso um discípulo que seria um dos mais importantes para a difusão do budismo.

Os quarenta anos que se seguem à “Iluminação” são marcados pelo incansável apostolado de Buda e pelas intermináveis peregrinações de seus discípulos, que vão se espalhando pelas diversas regiões da Índia.

“Eu digo que o Nirvana é a destruição da velhice e da morte”

Quando completa oitenta anos, Buda percebe que seu fim está próximo. Ananda, seu mais fiel discípulo, pergunta-lhe então que instruções deixaria aos monges mendicantes para que prosseguissem na difusão do pensamento do Mestre. E ele responde:

“Por que deixarei eu instruções concernentes à comunidade? Aquele que encontrou a Verdade pregou a Lei plenamente, sem nada dissimular”.

“Nada mais resta senão praticar, contemplar e propagar a Verdade por piedade do mundo, e para o maior bem dos homens e dos deuses. Os mendicantes não devem contar com qualquer apoio exterior, devem tomar o Eu por refúgio, a Lei Eterna como refúgio… e é por isso que eu vos deixo, parto, tendo encontrado refúgio no Eu.”

Foi em Kusinara, no bosque de Mallas, que veio a falecer. Seu corpo foi cremado sete dias mais tarde, e suas cinzas foram divididas em dez partes e dadas aos rajás, em cujas terras ele vivera e morrera.

“Todas as coisas compostas estão sujeitas à corrupção. Lutai pelo vosso ideal com sobriedade.”

Essas foram as últimas palavras daquele que encontrara a Verdade e que, depois de tantas existências de meditação e ascese, conseguira finalmente atingir o último degrau na escala da perfeição, o Nirvana.

Buda não deixou nada escrito. Seus ensinamentos foram meramente verbais e ficaram na memória de seus discípulos, que o foram transmitindo oralmente, quer por repetição, quer por recitação, nos diversos mosteiros da Índia.

Só muito tempo mais tarde (século IV a.C.) é que vêm a ser transcritos sob forma de tratados, mais conhecidos como cânones budistas (Tripitakas). São em número de três:

1-     Vinaya Pitaka – relativo à disciplina de ordem (Sangha)

2-     Sutta Pitaka sobre as regras a serem seguidas pelos sacerdotes e ascetas.

3-     Abidhama – contém instruções sobre a forma de meditação. (Dhyana), dissertações filosóficas e metafísicas.

“A indulgência é a austeridade por excelência; a paciência é o Nirvana por excelência”

No budismo, é o homem quem traça a rota de seu próprio caminho. Não há deuses a adorar nem preces e sacrifícios a realizar. De certa forma, é uma reação contra os princípios das religiões que imperavam na Índia nessa época, sobretudo do bramanismo, que privilegiava a classe sacerdotal, a dos brâmanes, em detrimento das demais.

Segundo o bramanismo, as oferendas e os hinos em louvor às diversas formas do deus Brahma deviam ser realizadas através de complicados cerimoniais, cujo conhecimento estava restrito à classe sacerdotal. Dessa forma, os brâmanes acabam se distinguindo como uma casta superior, eleita para estabelecer a comunicação entre o homem comum e os deuses.

O budismo vem se opor a esse tipo de procedimento. Nele não há distinção entre castas e nem hierarquias internas (clericato). Nele, a salvação está ao alcance de todos, pois depende somente do esforço de cada um. Assim, o homem se torna seu próprio mestre, sem inspirações divinas ou poderes sobrenaturais – e pode atingir a Verdade.

Através do refúgio interior e do autodesenvolvimento, é possível se libertar da escravidão, da ignorância e de todo sofrimento, e chegar ao Nirvana.

Dessa forma, o maior esforço se concentra na consecução de uma vida correta: não se pode matar nenhuma criatura viva (o que leva ao vegetarianismo), não se pode tomar nada a não ser aquilo que foi dado, é proibido o adultério, a mentira, a ingestão de bebidas intoxicantes, e não se pode possuir nada em ouro ou prata.
Além disso, o budismo prega o renascimento, a transmigração da alma (Sansara) , a crença de que depois da morte a alma retorna à Terra em outro corpo, Assim, os esforços realizados em uma vida em direção à perfeição são herdados pela próxima existência, que pela lei do Karma acaba conduzindo o indivíduo cada vez mais perto do fim das reencarnações, onde então se atinge o verdadeiro conhecimento, a ausência dos desejos, o Nirvana.

“O “eu” é a morte; a Verdade é a vida”

No primeiro sermão de Buda, em Benares, são enunciadas as Quatro Nobres Verdades e o Caminho dos Oito

Passos; que constitui a essência do ensinamento budista:

1 – A dor é universal; ninguém pode livrar-se dela, desde o nascimento até a morte.

2 – A causa da dor é o desejo, que induz a renascer e a continuar a desejar e a sofrer.

3 – A libertação da dor é obtida através da supressão do desejo e da ausência de paixões de todo gênero.

4 – Pode-se conseguir esse resultado somente procurando o Caminho Santo que se ramifica em oito direções: a da justa fé, a da justa conduta, a da justa aspiração, a da justa conversação, a do justo modo de vida, a do justo esforço, a da justa recordação e a da justa meditação.

O budismo, apesar da rápida expansão atingida, sofreu forte oposição em seus primeiros tempos, sobretudo da parte dos brâmanes, pelo fato de negar a estrutura de castas da sociedade.

Nessa época, a Índia passava também por um período de grande prosperidade cultural e econômica, sobretudo devido à expansão do comércio. As castas inferiores, enriquecidas, começam a fazer pressão para que o sistema de hierarquia social existente seja abolido. E o budismo aparece como o caminho para se atingir esse fim, sobretudo depois que o imperador budista Açoka (280 a.C.) viu na religião o meio para manter a unidade de seu império.

Fora da Índia, o budismo atingiu grande difusão, mas à custa de transformações, adaptações locais às crenças existentes nos diversos países em que se implantou. De todas as ramificações existentes, podemos distinguir três grandes correntes, chamadas de “os três veículos”:

a) o Pequeno Veículo (Hinayana) – que se restringiu aos ensinamentos originários do Buda, não admitindo adaptações. Foi a linha mais ortodoxa que se difundiu primordialmente no Ceilão, Birmânia, Tailândia e Indonésia.

b ) o Grande Veículo (Mahayana) – que procura dar interpretações filosóficas mais aprofundadas aos ensinamentos de Buda, procurando realçar o aspecto social. Impôs-se sobretudo na China, Coréia e Japão, onde se misturou ao xintoísmo local e de onde se originou o zen-budismo.

c) o Veículo Tântrico (Vajrayana) – que se utiliza de processos mágicos e de força divina para se chegar à Iluminação. Implantou-se principalmente nas regiões do Tibete e da Mongólia.

“Minha doutrina é pura e não faz distinção alguma entre o nobre e o vulgar, o rico e o pobre.”

“O que somos , … é a conseqüência do que pensamos”.

“Antes de dar, o coração se alegra; durante o ato de dar, este se purifica; e, depois de dar, ele se sente satisfeito”

“O praticante do “Caminho” não deve tocar em dinheiro, ouro ou prata; deve viver baseando-se apenas no presente.”
“Abster se de todo mal – praticar o bem -, purificar seus pensamentos: tais são os mandamentos de todos os Budas”

“Puro ou impuro cada um o é por si mesmo; ninguém pode purificar outrem”

“Não devemos seguir uma vida de prazeres ou de puro ascetismo. Devemos nos orientar pelo caminho do meio, evitando esses dois extremos”

“O Caminho do Meio desvenda os olhos do espírito, conduz ao repouso, à Ciência, à Iluminação, ao Nirvana.”

Cronologia

Os povos da índia nunca demonstraram grande interesse em relação à datação correta dos fatos históricos. Por essa razão, os dados cronológicos que se seguem são aproximativos.

  • 556 a.C. Nascimento do príncipe Siddhartha Gautama, filho único do rei Suddhodana e de sua esposa Maha Maya, em Kapilavastu, no sopé do Himalaia, em território do atual Nepal.
  • 540 a.C. Casa-se com sua prima Yassodhara.
  • 527 a.C. Nascimento de Rahula, seu único filho e posterior discípulo.
  • A “Grande Partida” Siddhartha abandona a mulher e o filho e parte em busca da verdade e da paz.
  • 526/521 a.C. Viaja pelo vale do Ganges, buscando o conhecimento através da meditação iogue e do ascetismo, inspirado nos mestres Alara Kalama e Uddaka Ramaputta.
  • 521 a.C. Renuncia ao ascetismo. Ocorre a “Iluminação”. Profere o seu primeiro sermão, em Benares, para cinco discípulos, onde prega a filosofia do “Caminho do Meio”.
  • 521/475 a.C. Viaja pela Índia, ensinando o “Caminho” a todas as classes de homens e mulheres, reis, camponeses, brâmanes e sudras, não estabelecendo distinções entre eles.
  • 476 a. C. Morre aos oitenta anos em Kusinara (atualmente Uttar Pradesh) não deixando nenhum sucessor, mas exortando os discípulos a seguirem o caminho de sua filosofia, conhecido por dhamma, em pali, ou dharma, em sânscrito.
  • 473 a.C. Primeiro concílio budista, em Rajagriha.
  • 363 a.C. Segundo concílio, em Vaiçali.
  • 274 a.C. Início do reinado de Açoka, o grande imperador indiano que mais contribuiu para a expansão do budismo.
  • 245 a.C. Terceiro concílio; em Pata liputra, onde se estabelece o cânone definitivo do budismo, conhecido por Triptaka.
  • 70 a.C. Quarto concílio – nascimento do “Grande Veículo”, que inspiraria a linha do budismo Mahayana.
  • 25/60 d.C. O budismo se espalha por toda a China.
  • 78/103 d.C. Kanishka protege o budismo ao norte da península.
  • 220 d.C. Expansão do budismo no Vietnam.
  • 372/390 d.C. O budismo se difunde na Coréia e na China.
  • 420/452 d.C. Condenação do budismo pelos to-pa-Tao. Extensão do budismo Hinayana na Birmânia, Java e Sumatra.
  • 498/562 d.C. Bodhidharma funda o budismo chinês. Difusão da doutrina no Japão.
  • 610 d.C. O budismo se torna a religião oficial do Japão.
  • 650 d.C. Fundação do primeiro templo budista no Tibete.
  • 670/749 d.C. Gyorgi funda no Japão um sincretismo budo-xintoísta. pelos to-pa-Tao. Difusão da seita no Sião (Tailândia).
  • 900 d.C. Perseguições. O budismo é suplantado pelo islamismo na região da Ásia central.
  • 1270/1370 d.C. Kubilai Khan defende a expansão do budismo na China. O Laos e o Sião são inteiramente convertidos.
  • 1390/1410 d.C. Declínio do budismo na Coréia. Perseguição em Annam. Tsong Ka pa, reformador do budismo tibetano, funda a seita dos Gelong pa.
  • 1480 d.C. O budismo é substituído pelo induísmo e pelo islamismo nas regiões de Java e Sumatra, respectivamente.
  • 1610 d.C. Declínio do budismo no Japão.
  • 1769 d.C. O xintoísmo se torna a religião oficial no Japão. Adesão do Nepal ao hinduísmo.
  • 1871 d.C. Quinto concílio budista em Mandalai (Birmânia) . Os textos dos ensinamentos são gravados em setecentas e vinte e nove placas de mármore.
  • 1890 d.C. Renascimento do budismo no Japão.
  • 1909 d.C. Tai-Hsu faz reviver o budismo chinês.
  • 1954 d.C. Sexto concilio em Rangum, Birmânia. 
  • 1956 d.C. Comemoração do 2500° aniversário de Buda (23/5/56) – busca de uma cooperação religiosa entre os países budistas e a organização de uma nova propagação da doutrina de Buda na Índia.
  • 1959 d.C. Esmagamento da revolta nacional tibetana. O Dalai Lama foge para a Índia.

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