DOUTRINA
Todo muçulmano deve:
- Prestar o testemunho (Shahada ou Kalimat), ou seja, professar publicamente que Alá é o único Deus e Maomé é seu profeta: “La illáha ila Al-lah. Mohammadan rassulul-lah” (“Não existe divindade senão Deus. Mohammed é o Profeta de Deus”);
- Deve fazer a oração ritual (salat) cinco vezes ao dia (ao nascer do Sol, ao meio-dia, no meio da tarde, ao pôr do Sol e à noite), voltado para Meca e prostrado com a fronte por terra, após a convocação pública vinda dos minaretes;
- Dar a esmola legal (zakat) para a purificação das riquezas e a solidariedade entre os fiéis. Na realidade a esmola legal é um imposto de 2,5% sobre a riqueza e a propriedade, uma forma de diminuir as desigualdades entre ricos e pobres;
- Jejuar do nascer ao pôr do Sol (sawm), durante o nono mês do calendário muçulmano (Hamadan), mês em que Maomé começou a receber a revelação. Simboliza o retiro que todos deveriam fazer; e
- Todo varão deve fazer uma peregrinação (hadjdj) à Pedra Negra de Caaba, em Meca, ao menos uma vez na vida, seja pessoalmente, se tiver recursos, ou por meio de procurador, se não tiver.
A Grande Festa ou Festa do Sacrifício (Eid Al-Adha) é celebrada no dia 10 do mês de Thul-Hejjah (maio/junho). A Pequena Festa (Eid Al-Fitr), celebrada nos três primeiros dias do mês de Shaual (março/abril), ao final do jejum do mês de Hamadan (fevereiro/março), comemora a revelação do Corão. Celebra-se ainda a Hégira, o Ano Novo do calendário muçulmano, no dia 1o do mês de Al-Moharam (junho/julho), e o aniversário de nascimento do Profeta, no dia 12 do mês de Rabi’I (agosto/setembro). Após o rompimento com os judeus, alterou-se o dia dedicado à oração do sábado para a sexta-feira. Nesse dia os homens afluem à mesquita para oração, após ouvirem o chamado. Nos demais dias da semana, a oração ritual pode ser feita em qualquer lugar. Antigamente, a convocação às orações era feita por uma pessoa denominada muezim. Hoje em dia foi substituída por uma gravação.
A quintessência da espiritualidade do Islã está centrada no princípio do Tauhid, ou seja, do monoteísmo, e no âmago da espiritualidade religiosa está Alá. A Shahada, profissão de fé, define claramente esta posição que está escrita de forma magnífica e explícita na Surata 112ª do Corão Sagrado: “Dizei: ‘Ele é o Deus Único, Deus, o eterno refúgio. Não gerou nem foi gerado. Ninguém é igual a Ele’”.
A Surata 2ª, versículo 163 diz: “Vosso Deus é o Deus único. Não há Deus senão Ele, o Clemente, o Misericordioso”. Dessa forma ataca veementemente o conceito de Trindade dos “adeptos do Livro” (os cristãos) e rejeita o conceito de co-divindade de um Filho de Deus (Alcorão 4:171 e 5:73).
O Corão retrata de forma clara e objetiva a intenção de Alá, quando Este anuncia aos Seus anjos o Seu propósito de criar um mundo e nele instalar um legatário para fazer a Sua vontade. Os anjos retrucaram que este legatário, que mataria, faria o mal e derramaria sangue, seria indigno de ser criado e estabeleceram uma diferença entre esse legatário e eles, que jamais se desviam do ato de cumprir a vontade divina (Alcorão 2:30).
Alá quis deixar esse legado aos céus, à Terra, às montanhas e aos rios, mas estes foram tomados de medo e de pânico e rejeitaram a verdade. Somente o homem, que detém a lei moral, pôde desempenhar tal função. Por causa dessa dotação moral, o homem ocupou um grau mais alto do que o dos anjos e as criações materiais irracionais, pois ele pode agir em liberdade e já as criações materiais são predestinadas. O homem e o mundo são positivamente bons ou neutros, jamais maus, nenhum homem e nenhuma criatura está um átomo mais próximo de Alá que qualquer outro e a única superioridade entre um indivíduo e outro, é aquela baseada na moral, que é algo acessível e aberto a todos, sem exceção. Mas o homem tanto é capaz de respeitar quanto de desrespeitar a vontade de Alá: “Fizemos descer sobre ti o Livro, com verdade, para a instrução de todos os homens. Quem seguir a senda da retidão, fá-lo-á em seu benefício; e quem se desencaminhar, fá-lo-á em seu prejuízo…” (Alcorão 39:41).
Para que conhecesse a vontade de Alá, o homem recebeu uma exposição direta e imediata daquilo que Ele queria que se realizasse na Terra. Sempre que essa revelação foi corrompida, distorcida ou esquecida, Deus a repetiu, levando em consideração as relatividades da história e as mudanças de espaço e tempo, com o propósito de manter ao alcance do homem a consciência da Lei. Da mesma maneira, ao homem foi dado os sentidos, a razão, a compreensão e a intuição necessárias para buscar e descobrir a vontade divina, engastada na natureza causal e igualmente nas relações e nos sentimentos humanos. Enquanto a primeira metade faz um outro exercício de disciplina chamado “ciência natural”, para descobri-lo, a segunda metade faz o exercício do senso moral e da disciplina ética.
O homem começa a vida eticamente são e salutar, no estado de Fitrat, ou seja, de natureza pura e não sob o peso de qualquer pecado original. A sua Falah (felicidade) consiste no seu preenchimento com o divino. Ele deve esperar pelo perdão e pela misericórdia de Alá, mas tem que cumprir os mandamentos. Sua sorte e seu destino são exatamente o que ele quer que seja, embora a graça de Alá é que determina o surgimento da fé e da salvação. A natureza do Cosmos é teológica, servindo ao propósito do Criador. Não foi criado em vão, nem é obra do acaso.
O rigoroso Tauhid, monoteísmo, é perceber apenas a vontade de Alá como mandamento, apenas o Seu padrão como constituindo o anseio ético da criação e não a natureza ou outra criatura. Alá perdoa todos os pecados, mas não a violação do Tauhid. Condena o ascetismo e ensina que essa vida é apenas uma preparação para uma outra, no paraíso ou no inferno, que se segue após um julgamento, logo após a morte. O homem é totalmente responsável por seus atos, sendo que suas boas ações cancelam as más (Alcorão 11:114), doutrina semelhante à do karma hindu.
O propósito exclusivo da criação do homem é tão somente para o serviço de Alá. Apenas Ele é digno de louvor, apenas Ele é digno de ser servido. Contemplar a Sua causa deve ser o objetivo de toda ação humana. O Tauhid, em toda a sua essência, expressa então três significados fundamentais:
- Cada componente da criação é bom;
- A criação não é apenas o que há de melhor em todos os possíveis mundos; ela é impecável e perfeita; e
- Essa criação, preenchida com os valores do homem, pela sua ação ética e moral, é o divino propósito da criação.
Um mundo pleno de valores constitui um monumento a Alá e sua preservação e intensificação constituem atos de louvor e adoração da parte do homem.
A partir do século XII, devido às interpretações de Averróis de Córdoba, ensinou-se que Alá não é um Ser antropomórfico essencialmente intelectual, mas Vontade pura que trabalha do melhor modo que quiser. Entre duas coisas diferentes, Alá elege a melhor, mas entre duas iguais, escolhe uma ou outra e, quando escolhe assim, sem motivo algum, é que se vê Sua vontade pura. Tudo quanto existe o é por pura vontade de Alá, já que as coisas criadas não são necessárias nem possíveis por si mesmas e o que faz possível a sua existência é o puro ato da vontade divina, ao criar livremente.
Sendo assim, segundo o islã, somente pode-se compreender a criação quando munido de uma razão iluminada pela fé, a qual conduz à sabedoria, pois, somente a fé pode proporcionar a solução dos problemas fundamentais. Não é a razão pura dos filósofos que conduz à sabedoria, mas a razão iluminada pela luz da revelação. Nosso intelecto somente vibra ao contato com a vibração divina. Tendo como ponto de partida a fé, podemos ter plena confiança no esforço racional.
Como diz o grande sábio sufi AL-GHAZZALI (Radyia’Llahu’anhu):
“No santuário do coração humano, purificado por seu próprio esforço espiritual e iluminado pela luz divina, se mostram as maravilhas de Alá e tem-se o gozo da felicidade do espírito. A vontade absoluta de Alá é rigorosamente onipotente e nada escapa ao poder de Alá que pode fazer tudo que quiser, inclusive o mal, e só não o faz por sua infinita bondade e misericórdia. A providência divina alcança a todas as coisas, tendendo a manter a harmonia das coisas criadas. O mundo é o melhor possível, porque pensar o contrário seria duvidar da infinita misericórdia de Alá que tudo conhece. Alá vive, fala, vê e ouve, mas não de um modo relativo como os humanos, senão de um modo total”.