Yamas

Ahi?s?

 

“Aquele que em tudo o que faz visa somente a Mim e inteiramente se entrega a Mim, livre de apego e hostilidade para com ser algum da Natureza – só esse se une totalmente a Mim”. BG 11:55

 

Ahi?s? literalmente significa não-violência (a – não; hi?s? – ofensa, injustiça ou crueldade), mas inclui uma atitude ativa de bondade, benevolência e atenta consideração a tudo e todos, incluindo a si mesmo. À primeira vista parece haver uma ligação estreita entre não-violência e o abster-se da agressão e da raiva, mas, em geral, o verdadeiro abster-se da raiva implica numa total compreensão da natureza inferior humana com suas negatividades e imperfeições, compreensão esta que brota da percepção da própria natureza inferior. Compreender e aceitar as próprias limitações gera a verdadeira compaixão e compreensão acerca da atitude de outrem. É por isso que ahi?sa denota uma atitude de gentileza, consideração e atenção consigo mesmo e com os outros.

Mas antes de se chegar à verdadeira compaixão, identificados que estamos com o nosso falso ‘eu’, nossa raiva sempre surgirá como o resultado esperado de r?ga e dve?a YS II:7-8, e bloquear essa reação normal é transferir esse sentimento ao subconsciente, de onde ele continuará agindo e destruindo, podendo se transformar no mais destruidor dos sentimentos: a ira. Então, buscar formas de extravasar a raiva sem que haja destruição, ou transformá-la em indignação que busque meios de se contemplar a justiça sem o uso de meios violentos, são formas sábias de proceder.

A perfeição em ahi?s? significa uma total falta de desejo por qualquer atitude violenta, seja física, emocional ou mental, por qualquer criatura viva. Essa perfeição se baseia no reconhecimento pessoal de que a Vida é Una e que tudo está interligado. Assim, qualquer forma de violência para com o ‘externo’ é uma forma de violência para consigo mesmo, ou seja, o sofrimento de qualquer ser vivo é meu sofrimento.

Críticas desaprovativas feitas com intenção de ferir, usar linguagem ofensiva ou expor o outro a comparações com a intenção de menosprezo também são formas de violência. Para isso, uma constante e rigorosa auto-observação facilmente revelará atos, emoções e pensamentos em desacordo com esse ideal, levando paulatinamente o buscador a reconhecer e descartar suas crueldades, terrorismos e injustiças, praticadas em nome de seu ilusório e separatista ‘eu’.

Como conseguir evitar infligir uma dor emocional, dor essa, por vezes, muita intensa e duradoura? As pessoas projetam as carências afetivas de seu falso ‘eu’ em outras, apaixonam-se e sofrem por não serem correspondidas. Casamentos desfeitos à revelia de uma das partes devem ser evitados em nome de ahi?s?? Não devemos confundir infligir sofrimentos, às vezes impossíveis de ser evitados, em infligir violência. Qual a verdadeira origem do sofrimento em nossas vidas? Eu sofro por causa do outro ou por causa de minha ignorância (avidy?)?

Mas, mais complicado ainda é combinar ahi?s? com o não-uso da força em situações de opressão contra qualquer ser vivo indefeso e inocente. Deixar de evitar um dano a um ser vivo, quando se pode fazê-lo é violar ahi?s? passivamente. Assim, quando nos omitirmos perante a violência, o sofrimento e a morte de qualquer ser vivo, quando deixamos de nos indignar e agir severamente quando a ocasião exigir, não estaremos praticando ahi?s? (caminho do guerreiro). Entretanto, qualquer reação a qualquer forma de opressão deve ser feita visando-se causar o mínimo de danos e sem a intenção deliberada de causar sofrimento, mas de livrar o oprimido do sofrimento.

Sabe-se que engolimos e destruímos, a todo o momento, bilhões de seres vivos, bactérias, fungos e vírus. Milhares deles são deglutidos junto com nossa saliva e comida, de forma que, na prática, não existem verdadeiros vegetarianos. Cada vez que usamos um antibiótico, ou uma substância qualquer para combater uma praga de formigas em nosso jardim, ou o mosquito transmissor da dengue, etc., estamos destruindo milhares de vidas. O simples ato de comer implica infringir mutilação, sofrimento e morte a seres vivos. Será que um esquimó, que se veste e se alimenta de animais nunca poderá praticar ahi?s??

“É melhor morrer de fome ou comer o que há? Se temos algo a fazer nessa vida, como família e responsabilidades, deveríamos então evitar qualquer coisa que nos causasse dano ou nos impedisse de cumprir nosso dever” 1:154.

T. K. V. Desikachar

O verdadeiro ahi?s? começa na intenção viva de guiar a conduta e o pensamento em evitar esse dano, e, quando ele for impossível, dado às circunstâncias, que o dano seja o mínimo possível e que o sacrifício seja feito em níveis inferiores de vida consciente. Que se dê preferência às formas inferiores de consciência, como os vegetais, em vez das superiores, como os animais.

Assim, a auto-observação constante, o esforço correto para alcançar ahi?s? e o desenvolvimento do discernimento que dita como deverei agir em cada situação, é o tripé básico que proverá um solo fértil para o florescimento de ahi?s?:

“Deve todo homem obedecer à sua consciência, ainda que imperfeita a sua obra… Só alcança perfeita liberdade e transcendente serenidade aquele que, sem interesse e no espírito de renúncia, executa o seu trabalho sem desejar recompensa alguma”. BG 18:48-49

Enfim, quanto mais perfeito em ahi?s? o buscador se torna, mais ele gera correntes magnéticas sutis de benevolência e não-agressividade, influenciando a tudo e a todos ao seu redor. Na presença de um Ser que consumou ahi?s? em sua vida, o pior assassino, ou qualquer fera selvagem, se torna inofensivo e não-hostil YS II:35, pois ele expressa o poder de juntar os fragmentos separados da Vida Una por onde passa. É por isso que, onde quer que esteja, esse Ser emanará paz, harmonia e amabilidade, mesmo que isso não seja expresso a nível emocional, posto que é apenas uma inspiração sutil.

 

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