“A religião do futuro será cósmica e transcenderá um Deus pessoal, evitando os dogmas e a teologia. Abrangendo os terrenos material e espiritual, essa religião será baseada num certo sentido religioso
procedente da experiência de todas as coisas, naturais e espirituais,
como uma unidade expressiva ou como a expressão da Unidade.
O Budismo corresponde a essa descrição”.
Albert Einstein (1.879-1.955)
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O Buda histórico, conhecido como Sidarta Gautama e contemporâneo de Pitágoras, nasceu entre 600 e 500 a.C. numa família nobre, em Lumbini, aos pés do Himalaia (hoje Nepal). Segundo a lenda sua mãe foi uma virgem chamada Maya. Anunciado como o salvador profetizado pelo velho Santo Asita, numa visão sua mãe ouviu: “Venturosa, Rainha Maya, exulta e sê feliz, pois o filho ao qual deste à luz é santo!”. O Santo Asita, pouco antes de sua morte, toma o recém-nascido nos braços e diz: “Esta criança é incomparável, o mais proeminente entre os homens… atingirá o mais alto grau de iluminação… moverá a roda dos ensinamentos e sua religião se espalhará por toda parte”. Na época, rivalidades dinásticas, guerras internas e externas, e o aparecimento de inúmeros cultos, perverteram o sentido original do Bramanismo em ritualismos e idolatria, perdendo-se toda a sua ampla visão do Cosmos e do mundo interior. Restando apenas a sua ciência, a civilização bramânica entrou em declive.
Na escola, o príncipe se mostra entendido em todos os tipos de escritos, e em certa viagem perde-se e é encontrado em meditação. Seus pais, temendo perder seu filho para o mundo, criaram-no confinado às paredes do palácio. Numa “fuga” para ver o mundo fora do palácio, impressiona-se com o sofrimento existente.
Sidarta abandona o luxo e a riqueza para buscar uma causa para o sofrimento que via entre seus “súditos”: a doença, a velhice e a morte. Nas florestas de Bodhi-Gaya, aos 29 anos, se faz discípulo primeiro dos brâmanes. Sem encontrar as respostas que procura, permanece sozinho seis anos. Diz a lenda que antes de obter a iluminação foi tentado pelo demônio Mara (deus indiano da morte), por um brâmane e fustigado pelos elementos (ventos, chuva, frio e tempestades), pelo jejum e por mortificações voluntárias. Na sua busca interior alcançou a “iluminação” e a resposta às suas indagações e começou a pregar sua mensagem aos 35 anos vivendo até os 80 (diz-se que Buda renasceu 546 vezes antes de atingir a iluminação). Instituiu uma doutrina que abolia todos os deuses idolatrados do bramanismo da época, condenando, por exemplo, a crença dominante na transmigração das almas. Criticou a ritualística legislação dos brâmanes, e enunciou as Quatro Nobres Verdades com o Caminho Óctuplo como um meio de se livrar de todo o sofrimento e atingir o paraíso (Nirvana).
Dizia sobre os brâmanes: “Membros de uma casta erudita, os sacerdotes exibem sua colocação de máximas, mas andam de braços dados com o mal” e “embora vos preocupeis tanto com a aparência externa, por dentro não passais de um bosque inculto”.
Deu fim às superstições e fantasias dos cultos bramânicos, detendo a torrente de fanatismo da época. Para isso ocultou demais os mistérios, deixando transparecer um ateísmo filosófico numa teologia muito racional. Afirmou que não adiantava ficar em divagações acerca da Causa Maior de tudo (o Criador, Deus), o que Ele é, como Ele é, como Ele faz as coisas, etc., pois essas divagações nos distraem do Reto Caminho. Nunca negou a existência de Deus, mas disse que quando atingíssemos o Nirvana, estaríamos então um pouco mais capacitados a compreendê-Lo. Como uma mente finita como a nossa pode entender o Infinito? Nessa busca pelo impossível, meias-verdades de uns sempre serão defendidas ardorosamente rivalizando com as meias-verdades de outros. Profetizou porém a vinda de Maitreya, o Salvador.
Sua doutrina, muito mais centrada na ética que na religião, foi, e ainda é, muito criticada e incompreendida. Suas Quatro Nobres Verdades são:
- A Verdade da existência da Dor e do Sofrimento;
- A Verdade da causa ou origem do Sofrimento;
- A Verdade da cessação do Sofrimento;
- A Verdade da existência de um Caminho que leva à extinção do Sofrimento (Caminho Óctuplo).
Dizia Buda que vivíamos mergulhados num mar de ilusão, explicando que na natureza material humana existia impermanência, insatisfatoriedade e impessoalidade, ou seja não existia uma individualidade eterna e imutável; o “eu”, como concebe a nossa visão, não existe. Dessa ilusão do “eu” vinha o desejo do “meu”, acompanhado do desejo de satisfazer os prazeres dos sentidos, os prazeres visuais, os auditivos, olfativos, gustativos e táteis, que geram sofrimentos quando não obtidos ou quando obtidos e perdidos. O sofrimento também poderia vir do aspecto físico comum (doenças) e do aspecto psicológico associado com alterações ou mudanças de vida, os apegos. Dessa forma a causa do sofrimento seria a ignorância quanto a esses aspectos do desejo e do apego devido à ilusão do “eu”. Na realidade esse “eu” material que conhecemos é constituído por cinco agregados (Skandhas) que se dissolvem quando da morte física:
- A matéria: a única parte objetiva, chamada também de Rupa. Os órgãos físicos responsáveis em pôr os objetos do mundo exterior (visuais, auditivos, olfativos, gustativos, táteis e mentais – idéias e pensamentos) em contato conosco;
- As sensações: ou Vedana, desagradáveis, agradáveis ou indiferentes sentidas pelos nossos órgãos materiais quando em contato com o mundo exterior;
- As percepções: ou Sanna, é por onde reconhecemos, pelo tipo e característica, os objetos físicos e mentais;
- As formações mentais: ou Samkhara, condição necessária, sem a qual o conhecimento ou consciência não vem à existência. Consistem na vontade (voluntária ou não), atenção e contato (para uma pessoa “ver” algo atrás de si ela necessita ter vontade de se voltar, prestar atenção no objeto, entrar em contato com ele), sendo os dois primeiros inseparáveis. A atenção é incontrolável (uma pessoa de olhos abertos não pode deixar de ver) e a vontade é diferente de intenção. A vontade vem antes da intenção e condiciona o corpo, sendo instintivo e natural, enquanto a intenção é um exercício de escolha movido por pensamentos, pela mente.
- A consciência: ou Vinnana, é uma reação ou resposta às seis faculdades, sempre condicionada a experiências anteriores, a memória.
Na realidade acontece assim, sem ordem específica, mas simultaneamente: um objeto qualquer, movido por nossa volição e atenção (Samkhara), é posto em contato com nosso órgão da visão (Rupa), nos dá algum tipo de sensação (Vedana), tomamos consciência de que ele tem uma forma e cor (Vinnana) e percebemos que é azul e redondo (Sanna), por exemplo. Nota-se então que esses cinco agregados são inseparáveis e condicionados pelas coisas experimentadas e apreendidas pelos sentidos, estando na memória, e quando há o contato há a correspondente consciência.
E o mais importante de tudo é que esses cinco agregados, que formam o “eu” que conhecemos, estão em um constante movimento e mutação, sempre mudando e se transformando. Na hora que o evento descrito acima ocorre, a cor azul vista, conscientizada e percebida, nos lembra de outra coisa ou acontecimento visto ou vivido, que nos faz entrar em contato com outro objeto, visual ou mental. No mesmo momento o nosso corpo já não é mais o mesmo, fisicamente falando, átomos nos deixaram e outros foram incorporados, células morreram e células nasceram. E assim, vemos que somos algo em constante mudança, nosso físico, sensações, percepções, formações mentais e consciências, ou seja, o “eu” não existe como individualidade, e sim como personalidade.
Se na realidade eu não existo (impessoalidade) e nenhuma coisa material existe, todo o mundo visível aos olhos é ilusório, pois é impermanente. Por que então devo cultuar um desejo de posse (pelo “meu”), seja material ou psicológico, e, sobretudo, porque me apegar a essa posse? Somente quando se extinguir em mim o desejo aos prazeres dos sentidos, o desejo de existir e até o desejo de não existir, é que o meu sofrimento cessará. O apego e o desejo são as causas de todos os males da humanidade: o desejo de riqueza, de poder, de ser mais que os outros, o desejo de posses, etc.. Quando eles são satisfeitos logo outros surgem e quando não o são ou quando é perdida a sua posse vem o sofrimento e o desejo é redobrado. Desejo, apego e sofrimento, um círculo vicioso.
Mas como quebrar esse círculo? Através dos oito elementos do Caminho Óctuplo. Esse caminho pode ser dividido, didaticamente, em três objetivos a serem seguidos: conduta ética (moralidade), disciplina mental (meditação) e introspecção (sabedoria).
1. Conduta ética
1.1 Palavra correta: abstenção de mentiras, calúnias, difamações, de todas as palavras que poderiam levar ao ódio, inimizade, desunião e desarmonia, procurando-se sempre uma linguagem que implique em honestidade, verdade, paz, carinho, cortesia, utilidade e sensibilidade. “Quando não se tem nada de útil a dizer, deve-se guardar o nobre silêncio”.
1.2 Ação correta: cultivar uma conduta moral honrada e pacífica, procurando sempre ajudar aos outros, evitando destruir vidas, fazer mau uso das relações sexuais ou perturbar a mente com drogas tóxicas.
1.3 Meio de vida correto: Procurar ofícios que nunca sejam nocivos a qualquer ser vivo, procurando os que ajudem aos outros, e a si próprio, a adquirir um bem estar espiritual e material também.
2. Disciplina Mental
2.1 Esforço correto: esforço em evitar e destruir os pensamentos negativos já existentes, em impedir ou superar o aparecimento de pensamentos nocivos, em fazer surgir pensamentos bons inexistentes e em cultivar, desenvolver e manter até a perfeição os pensamentos bons já existentes.
2.2 Plena atenção correta: consiste na vigilância constante às atividades do corpo, das sensações e da mente e na busca constante do conhecimento. É a base do Caminho, sendo imprescindível para o desenvolvimento dos outros pontos. Essa vigilância é treinada na meditação pela autodisciplina, autocontrole e autoconhecimento.
2.3 Concentração correta: na palavra pronunciada, na ação sendo feita, no pensamento emergido, evitando sempre a dispersão da mente. Obtém-se assim o controle total dos desejos apaixonados e pensamentos impuros e o controle total das atividades mentais com o desenvolvimento de uma tranqüilidade imperturbável, mista de alegria e felicidade. Com o evoluir a sensação de alegria desaparece permanecendo uma felicidade indescritível consciente, até que também esta desaparece, restando apenas a equanimidade e a lucidez mental.
3. Introspecção
3.1 Pensamento correto: é pensar com sabedoria e equanimidade, dirigido no sentido da renúncia, do desapego aos sentidos e sentimentos, da compaixão, do amor universal, da não-violência, estendendo-se a todos os seres vivos. O pensamento correto é interdependente da compreensão correta.
3.2 Compreensão correta: reconhecer a realidade de uma insatisfação universal, criada pela desarmonia entre os seres e o mundo exterior. Pode ser obtida pela captação intelectual, não muito profunda, ou pela “penetração”, ou êxtase, vendo a coisa em sua verdadeira natureza, sem nome ou rótulo, pela visão interior, sem condicionamentos e sem “pré-conceitos”. Através do êxtase, entra-se em contato com o mundo divino, deixa-se o material para conhecer intimamente o espiritual, começa-se a conhecer Deus.
A conduta ética correta, como sistema ético-moral, tem como base o conhecimento das causas do sofrimento, pois sempre usamos a palavra, a ação e o meio de vida incorretos como conseqüência da ilusão do “eu” e do “meu”. A forma de se conseguir o desapego de todas as coisas materiais é não só evitar o mal, mas, sobretudo, buscar o bem. O budismo primitivo e não corrompido não visava à destruição total do desejo, e sim a mudança dos desejos. Para consegui-lo teríamos que controlar também o grande criador e incentivador do desejo e do apego: a mente.
Mas Buda enunciou o Caminho Óctuplo da seguinte forma:
- Sammadithi, ou correta visão ou compreensão: perceber que todas as coisas fenomenais são transitórias, distinguir o real e o ilusório;
- Sammasankappa, ou correto propósito: total determinação de controlar os desejos e eliminar o apego e os maus sentimentos;
- Sammavacha, correta palavra;
- Sammakammanta, correta conduta;
- Sammajiva, corretos meios de subsistência;
- Sammavayama, correto esforço e empenho para avançar no caminho espiritual;
- Sammasati, correta atenção ou consciência de nossos pensamentos, palavras e ações;
- Sammasamadhi, correta contemplação: percepção da Verdade Suprema, através da visão interior.