O Farol do Desconhecido

-II-

            Apesar de tudo, críticos que julgam apenas pela aparência não estão completamente errados. Existe Teosofia e Teosofia: a verdadeira Teosofia do Teosofista, e a Teosofia de um Membro da Sociedade com este nome. O que o mundo conhece de verdadeira Teosofia? Como pode distinguir entre aquela de um Plotino, daquela de falsos irmãos? E desses, a Sociedade possui mais do que lhe caberia. O egoísmo, a vaidade e auto suficiência da maioria dos mortais é inacreditável. Existem alguns em que suas pequenas personalidades constituem o universo total, além das quais não existe salvação. Sugira para algum destes que o alfa e o omega da sabedoria não estão limitados pela circunferência de seus cérebros, que seu julgamento não é equilibrado como o de Salomão, e imediatamente ele lhe acusará de anti-Teosofia. Você foi culpado de blasfêmia contra o Espírito, e não será perdoado neste século, nem no próximo. Essas pessoas dizem: “Eu sou a Teosofia”, como Luis XIV dizia, “Eu sou o Estado”. Falam de fraternidade e altruísmo e apenas ligam na realidade para aquilo que diz respeito a ninguém – a não ser eles mesmos, em outras palavras, seu pequeno “mim”. Seu egoísmo os faz fantasiar que são apenas eles que representam o templo da Teosofia, e que ao se proclamarem ao mundo, estão proclamando a Teosofia. Ave! As portas e janelas deste “templo” não são melhores do que tantos canais que dão entrada, mas raramente saída, aos vícios e ilusões característicos das mediocridades egoísticas.

            Essas pessoas são os cupins da Sociedade Teosófica, que comem suas fundações, e são ameaças perpétuas para ela. Somente quando saírem é que poderemos respirar livremente.

            Não são esses que poderão dar uma idéia correta da Teosofia prática, menos ainda da Teosofia transcendental que ocupa as mentes de um pequeno grupo dos eleitos. Cada um de nós possui a faculdade, o sentido interior, conhecido como intuição, mas quão raro são aqueles que sabem como desenvolve-la! É, entretanto, a única faculdade pela qual homens e coisas são vistos em suas verdadeiras cores. É o instinto da alma, que cresce em nós na proporção do uso que dela fazemos, e que nos ajuda a perceber e compreender os fatos reais e absolutos com muito mais certeza que pode o simples uso de nossos sentidos e o exercício de nossa razão. O que é dito ser bom senso e lógica, nos dão a condição de vermos a aparência das coisas, aquilo que está evidente para todos. O instinto de que falamos, sendo uma projeção de nossa consciência perceptiva, uma projeção que atua do subjetivo para o objetivo, e não vice versa, desperta os sentidos espirituais em nós e o poder de agir; esses sentidos assimilam em si mesmos a essência do objeto ou da ação examinada, e os representam para nós como são verdadeiramente, não como aparentam para os nossos sentidos físicos e a nossa fria razão. “Iniciamos com o instinto, terminamos com a onisciência”, diz o Professor A . Wilder, nosso mais velho colega. Jâmblico descreveu esta faculdade, e alguns Teosofistas tem se tornados capazes de apreciar a verdade desta descrição.

            Existe [diz ele] uma faculdade na mente humana que é imensamente superior a todas aquelas que estão enraizadas ou engendradas em nós. Por meio dela podemos atingir a união com inteligências superiores, encontrando-nos elevados acima dos cenários desta vida terrena, e compartilhando da existência superior e de poderes super humanos dos habitantes das esferas celestes. Por esta faculdade nos achamos finalmente liberados da dominação do Destino [Karma], e nos tornamos, melhor dizendo, árbitros do nosso próprio destino. Pois quando a parte melhor em nós achar-se repleta de energia, e quando nossa alma estiver elevada, direcionada às essências superiores à ciência, poderá separar-se das condições que a prendem em ligação a vida quotidiana; transformará sua existência comum por outra, e renunciará aos hábitos convencionais que pertencem à ordem externa das coisas, para dar-se, e misturar-se, com outra ordem de coisas que reina no mais elevado estado de existência. . .¨

                Platão expressou a mesma idéia numa série de linhas:

            A luz e o espírito da Divindade são as asas da alma. Elas elevam-na à comunhão com os deuses, acima desta terra, com o qual o espírito do homem está bastante pronto para se enraizar. . . Tornar-se como deuses, é ser santo, justo e sábio. Esta é a finalidade para qual o homem foi criado, e isto deve ser seu objetivo na aquisição do conhecimento.ª

                Isto é a verdadeira Teosofia, Teosofia interna, aquela da alma. Mas, seguindo com o objetivo egoísta, a Teosofia muda sua natureza e se torna demonosofia. Esta é a razão da Sabedoria Oriental nos ensinar que o Yogui Hindu que se isola numa floresta impenetrável, assim como o cristão eremita que, como era comum nos tempos idos, retirava-se para o deserto são ambos reiterados egoístas. Cada um atua com a única idéia de encontrar na essência Una do Nirvana refúgio contra a encarnação; Outro age com a única idéia de salvar sua alma – ambos pensam apenas em si mesmos. Seu motivo é como um todo, pessoal; pois, supondo que atinjam seu fim, não se assemelham a soldados covardes, que desertam do regimento quando este vai para ação, a fim de se protegerem das balas? Isolando-se como o fazem, nem o Yogui ou o “Santo” ajuda alguém a não ser a si mesmo; ao contrário, ambos mostram-se profundamente indiferentes ao destino da humanidade voando para longe e desertando. O Monte Atosª contem talvez, poucos fanáticos sinceros; entretanto, mesmo esses têm inadvertidamente se desviado da única trilha que poderia levá-los à verdade – a senda do Calvário, onde cada um voluntariamente sustenta a cruz da humanidade, e para a humanidade. Na realidade é um ninho para o tipo mais baixo de egoísmo; e é para esses lugares que o aviso de Adão nos monastérios se aplica: “Existem criaturas solitárias que parecem ter se separado do restante da humanidade pelo único prazer de comungarem com o Diabo tête-à-tête”.

            Gautama Buddha apenas permaneceu em solidão o bastante para que se capacitasse a atingir a verdade, a qual promulgou e se devotou deste tempo em diante, esmolando pelo pão, e vivendo para a humanidade. Jesus retirou-se para o deserto por apenas quarenta dias, e morreu por esta mesma humanidade. Apolônio de Tiana, Plotino e Jâmblico, enquanto levando vida de singular abstinência, quase de ascetismo, viveram no mundo e para o mundo. Os maiores ascetas e santos de nossos dias não são aqueles que se retiram para lugares inacessíveis, mas aqueles que passam suas vidas viajando de lugar para lugar, fazendo o bem e tentando elevar a humanidade; mesmo que evitem a Europa, e aqueles países civilizados onde ninguém tem olhos e ouvidos a não ser para si mesmos, países divididos em dois campos – Um de Caim e outro de Abel.

            Aquele que vê a alma humana como uma emanação da Deidade, como uma partícula ou raio da alma universal ABSOLUTA, compreende a parábola dos talentos mais do que os Cristãos. Aquele que esconde na terra o talento dado-lhe pelo seu “Senhor” o perderá, como também os ascéticos, que o tomam em sua cabeça para “salvar suas almas” em solidão egoística. O “bom e fiel servidor” que dobra seu capital, por colher para aquele que não plantou, por não ter meios de o fazer, e que semeia onde o pobre não tem meio de espalhar as sementes, atua como verdadeiro altruísta. Receberá sua recompensa, apenas porque trabalhou pelo outro, sem a idéia de recompensa ou reconhecimento. Este homem é um verdadeiro Teosofista altruísta, enquanto que o outro um egoísta e covarde.

            O Farol de luz sobre o qual os olhos, de todo verdadeiro Teosofista, estão fixados é o mesmo em direção à qual em todas as eras a alma humana aprisionada tem lutado. Este Farol, cuja luz brilha sobre mares não terrenos, mas que tem se refletido nas sombrias profundidades das águas primordiais do espaço infinito, é chamada por nós, como também pelos primeiros Teosofistas, “Sabedoria Divina”. Esta é a última palavra da doutrina esotérica. Onde estava o país nos antigos dias, com o direito de se chamar de civilizado, que não possuía um sistema duplo de Sabedoria, um para as massas, e outro para os poucos, o exotérico e o esotérico? Esta Sabedoria, ou, como dizemos algumas vezes, a “Religião-Sabedoria” ou Teosofia, é tão antiga quanto a mente humana. O título de sábios – altos sacerdotes dessa devoção à verdade – foi sua primeira derivativa. Esses nomes foram transformados em filosofia e filósofos – os “amantes da ciência” ou da sabedoria. É a Pitágoras que devemos esse nome, e também o de gnosis, o sistema de “conhecimento das coisas como são”, ou da essência que está oculta por baixo das aparências externas. Sob este nome, tão nobre e tão correto em sua definição, todos os mestres da antiguidade designaram o agregado do conhecimento humano e divino. Os sábios e Brâmanes da Índia, os magi (magos) da Caldéia e Pérsia, os hierofantes do Egito e Arábia, os profetas ou nebi’im da Judéia ou de Israel, assim como filósofos da Grécia e Roma, tem sempre classificado este tipo especial de ciência em duas divisões – a esotérica, ou verdadeira, e a exotérica disfarçada por símbolos. Até estes dias, os Rabinos Judeus dão o nome de Merkabah ao corpo ou veículo de seu sistema religioso, aquele que contem dentro de si as ciências superiores acessíveis apenas aos iniciados, e da qual é apenas a casca.

             Somos acusados de mistério, e reprovados de fazermos segredo da Teosofia superior. Confessamos que a doutrina que chamamos de gupta-vidya (ciência secreta) é apenas para poucos. Mas quais foram os mestres que em tempos antigos não mantiveram seus ensinamentos secretos, por medo de serem profanados? Desde Orfeu a Zoroastro, Pitágoras e Platão, até aos Rosacruzes, e aos mais modernos Maçons, tem sido regra invariável que o discípulo deve ganhar a confiança do mestre antes de receber dele a suprema palavra final. As religiões mais antigas sempre tiveram seus mistérios maiores e menores. Os neófitos e catecúmenos deveriam alcançar um manto inviolável antes de serem aceitos. Os Essênios da Judéia e Monte Carmelo pediam a mesma coisa. Os Nabi e os Nazar (“os separados” de Israel), como os Chelas aceitos e Brahmacharins da Índia, diferem grandemente uns dos outros. Os primeiros podiam e podem se casar e permanecerem no mundo, enquanto estudam os escritos sagrados até um certo ponto; os últimos, os Nazars e os Brahmacharins, sempre estiveram inteiramente prometidos aos mistérios da iniciação. As grandes escolas de Esoterismo eram internacionais, apesar de exclusivas, e é provado pelo fato de que Platão, Heródoto, e outros foram ao Egito param serem iniciados; enquanto Pitágoras, após ter visitado os Brâmanes da Índia, parou num santuário egípcio, e finalmente foi recebido, de acordo com Jâmblico, no Monte Carmelo. Jesus seguiu o costume tradicional, e justificou a reticência citando o bem conhecido preceito: “Não dê o que é sagrado aos cães, nem atires pérolas aos porcos, pois as esmagarão sob seus pés, e virarão contra você” [Mateus,vii,6].

            Alguns escritos antigos, conhecidos pelos bibliófilos, personificam a Sabedoria, representando-a como emanando de Ain-Soph, o Parabrahman dos Cabalistas Judeus, e estando associada e sendo companheira da deidade manifesta. Daí seu caráter sagrado entre todas as nações. Sabedoria é inseparável de Divindade. Daí termos os Vedas emanando da boca do Brahma Hindu (o logos). Buddha vem de Budha, “Sabedoria”, Divina inteligência. O Nebo Babilônico, o Thot de Menfis, o Grego Hermes, foram todos deuses da sabedoria esotérica.

            A Athenas Grega, Metis, e Neith dos Egípcios são os protótipos de Sophia-Akhamôth, a sabedoria feminina dos Gnósticos. O Pentateuco Samaritano chama o Livro do Gênesis – Akamauth, ou Sabedoria, como é também o caso em dois fragmentos de um muito antigo manuscrito, a Sabedoria de Salomão e a Sabedoria de Iaseus (Jesus). O trabalho conhecido como Mashalim, ou “Discursos e Provérbios de Salomão”, personifica a Sabedoria chamando-a de “o assistente do (Logos) criador”, nos seguintes termos (traduzi verbatim):

I(a)HV(e)H possuiu-me desde o início*

No entanto Eu fui a primeira emanação nas eternidades.

Apareço de toda antiguidade, o primordial.

Do primeiro dia da terra;

Nasci antes do grande abismo.

E quando não havia nem primaveras ou águas.

Quando os céus estavam sendo construídos, lá eu estava.

Quando ele traçou o círculo na face das profundezas

Eu estava lá com ele, Amun.

Eu fui seu deleite, dia após dia.§

            Isto é exotérico, como tudo que tem referência a deuses personificados de nações. O INFINITO não pode ser conhecido por nossa razão, que apenas pode distinguir e definir; mas poderemos sempre conceber a idéia abstrata daí, graças àquela faculdade superior a nossa razão – intuição, ou o instinto espiritual do qual falei. Os grandes iniciados, que tem o raro poder de atingirem o estado de samadhi – que pode ser traduzido imperfeitamente como êxtase, um estado no qual se deixa de ser o “Eu” condicionado e pessoal, e se torna Uno com o Todo – são os únicos que podem se gabar de terem estado em contato com o infinito; Mas não mais, assim como outros mortais poderão descrever este estado em palavras. . .

            Estas poucas características da verdadeira Teosofia e de sua prática foi esquematizada para o pequeno número de leitores que foram presenteados com a desejada intuição. Para os outros, estes, não nos entenderão ou rirão de nós.

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